Fonte: Jornal do Brasil
Por: Cláudia Freitas
A corrida pela sucessão presidencial pontuou temas relevantes no setor de segurança pública no país, que devem representar novos desafios para o presidente eleito pelos brasileiros nas urnas, no domingo (26). Analistas entrevistados pelo Jornal do Brasil apontam as questões que devem ser prioritárias na próxima gestão e os investimentos e ações que, muito provavelmente, assumirão a dianteira no planejamento estratégico do governo federal.
Em 2010, a candidata eleita pelo Partido dos Trabalhadores, Dilma Rousseff, concentrou as suas propostas para a área de segurança com foco na continuidade do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), criado durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e nas políticas de aproximação, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro. O programa de governo do PT destacava na época o enfrentamento ao crime organizado, a implementação de projetos sociais com foco no jovem e apostava nas ações conjuntas com os Estados e municípios, integrando as polícias em um novo modelo de policiamento, assim como investimentos em alta tecnologia, ações mais intensivas da Polícia Federal nas fronteiras para inibir a entrada de drogas e uma radical mudança no sistema penitenciário.
Especialistas elogiam avanços alcançados nos últimos anos e metas cumpridas pelo governo, mas alertam também para problemas crônicos, como os índices de assassinatos, que representam um desafio a ser solucionado pelo próximo gestor, em caráter emergencial.
O ex-secretário Nacional de Segurança Pública e professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar, coronel José Vicente da Silva Filho, considera que o primeiro passo do presidente eleito deve ser colocar como prioridade o setor de Segurança Nacional. E justifica a medida a partir dos dados apresentados nas campanhas eleitorais, que segundo ele não são tão alarmantes quanto a realidade. Nas estatísticas apresentadas pelo coronel, no ano de 2012 o país bateu recorde nos índices de assassinatos em relação os últimos 32 anos. O custo com o setor alcançou em 2011 5% do PIB (Produto Interno Bruto) anual, o que representa R$ 207,2 bilhões. A contabilidade nacional é considerada pelo oficial como “algo monumental”, tanto financeiramente quanto no sofrimento da população, colocando o país na liderança das nações mais violentas do planeta.
O número de assaltos compõe mais uma estatística preocupante e que merece total atenção. Silva Filho lembra que em 2012, foram 78 mil pessoas vítimas deste tipo de crime, o que totaliza 6,6% assaltos por ano. Um segundo ponto importante para o governo federal considerar emergencial é a identificação das regiões mais violentas do país, para que um conjunto de medidas personalizadas sejam colocadas em prática, visando amenizar os índices de violência. O especialista cita Maceió, Fortaleza e Salvador na liderança do ranking, em escala mundial.
Um caminho indicado pelo analista seria a parceria entre os governos federal e estadual para investimentos em alta tecnologia, especialmente em insumos para modernizar as perícias técnicas e os critérios de investigação, além do patrulhamento ostensivo. Silva Filho citou o exemplo do Centro Integrado de Inteligência no Recife, Cuiabá e Belém como alternativas que renderam bons resultados e podem ser estendidos para os outros estados. Segundo o coronel, o governo pode assim racionalizar os recursos, através de um banco de dados eficiente e um serviço de inteligência eficiente, o que se reverte em enxugamento e previne desperdícios, que às vezes fica abafado em compras excessivas de viaturas.
O desenvolvimento e estímulo a programas direcionados aos jovens devem nortear as ações governamentais, na visão do especialista. O coronel ressalta que de 20% a 25% dos crimes cometidos em território nacional são praticados por jovens. Ainda na seara da criminalidade, ele considera que o presidente que assume em janeiro deve promover uma revisão na legislação, com a finalidade de reduzir a impunidade no país. Silva Filho defende a modernização dos instrumentos jurídicos como forma de acelerar os processos relacionados a crimes hediondos, com penas mais rígidas.
Na relação de mudanças necessárias para os próximos anos apresentada pelo analista, o policiamento nas fronteiras é um aspecto relevante. Para o oficial, a atual estratégia nacional de controle não é eficiente, com poucos recursos aplicados para inibir o tráfico internacional, repassando, em alguns casos, a responsabilidade para os estados que ficam na divisa. Silva Filho usa o estado de Mato Grosso como exemplo, que não tem condições de desviar os seus recursos para questão que dizem respeito à federação. “Fronteira é um problema do governo federal, tem que ser tratado com as Força Armadas e financiamento direcionado e não com verba estadual”, ressalta o especialista.
Silva Filho relaciona outro aspecto que ele considera fundamental para a segurança nacional. Para o oficial, as condições do sistema prisional precisam ser revistas com muita urgência. Contabilizando uma média de 500 mil presos e pouco investimento, o militar considera que em um ano, os presídios são responsáveis por um número de assassinato e tortura maior que em 20 anos de governo militar. De acordo com os cálculos do especialista, o governo federal deve investir de R$ 15 a R$ 17 bilhões em novas vagas. Uma saída viável para captar esse valor seria pela iniciativa privada, como acontece na Inglaterra e no Chile, por exemplo.
“É um setor que exige as articulações na medida certa, requer muito investimento. Por isso, precisa de um gerenciamento próprio”.
As demandas ostentadas pelo especialista representam, na sua visão, as mais críticas no setor, atualmente. Para desenvolver as políticas públicas necessárias para aplicá-las com sucesso, Silva Filho aposta em um ministério específico para a área. “É um setor que exige as articulações na medida certa, requer muito investimento. Por isso, precisa de um gerenciamento próprio”, esclarece. Para o militar, o Brasil é um país ímpar nos índices de criminalidade, sempre liderando o ranking mundial. Para reverter esse quadro desanimador, ele acredita que o governo federal deveria mudar o seu modelo operacional, buscando como inspiração outros países que alcançaram bons resultados e mudaram as suas realidades.
Silva Filho acredita em um modelo de uma polícia única, pela progressão institucional, assim como atua a força policial em Nova Iorque e na Alemanha. Nesses locais, o contingente é uniforme, concentrando também a investigação. Um dado importante nestes casos é a redução nos custos operacionais e a eficiência nos resultados.
Desburocratização como solução
Esse mesmo modelo é elogiado por outro especialista no assunto, o agente federal Jones Leal, presidente da Federação dos Policiais Federais (Fenapef). A categoria se colocou contra a Medida Provisória 657/2014, encaminhada recentemente pelo governo, por entender que abre prerrogativas políticas para o cargo de delegado, promovendo-o em uma espécie de “policial-juiz”, passando a concentrar maior autoridade e frustrando a perspectiva profissional dos demais cargos na corporação. Leal defende o modelo da meritocracia e a criação de um plano de carreira. “Tem que acabar com esse processo que acontece nas polícias através dos concursos. Qualquer pessoa pode prestar exame e se tornar um delegado civil ou federal e vai comandar equipes com mais de 30 anos de carreira. Isso é um absurdo”, considera o agente federal.
Para o Leal, o próximo governante deve se pautar a partir de uma comparação entre a segurança nacional com países de primeiro mundo ou se inspirar naqueles que conseguiram, efetivamente, uma resolução eficiente dos crimes. Leal considera que o modelo administrativo brasileiro apoiado no inquérito policial é ultrapassado e já superado nas nações desenvolvidas. “Nesses países não existe a figura do delegado, mas daquele policial que foi capacitado a nível de gestor”, destaca.
“A polícia tem que fazer o seu trabalho e encaminhar os casos para o Judiciário, para que este cumpra a sua atribuição de forma correta, sem a interferência de qualquer pseudo delegado-juiz”, acrescenta Leal. Segundo ele, a proposta de expandir a atribuição do delegado para a esfera jurídica terá como resultado o afastamento do crime da sua resolução, além da burocratização do processo criminal. “Será um desafio do futuro presidente fazer essa mudança”, diz o agente.
Leal se baseia nos dados oficiais acerca da violência no Brasil para analisar as medidas emergenciais que devem ser adotadas pelo novo presidente. O delegado compara os índices de esclarecimento dos delitos com o modelo brasileiro, apontado nas estatísticas entre 4% a 8%, com os números de países vizinhos que utilizam outros modelos de administração policial, como o Chile, que tem nível de solução dos crimes entre 80% a 90%. “Lá [no Chile] não existe a figura do delegado. O policial responsável pela ocorrência faz o levantamento das provas e encaminha para o Ministério Público, que dá continuidade a investigação”, explica.
A desburocratização é o fator mais relevante no processo de investigação e resolução de um delito, segundo o delegado. “Quando a Polícia Militar é chamada para um local de ocorrência, por exemplo, tem que fazer um boletim, comunicar a Polícia Civil, que por sua vez vai fazer a perícia, e todos vão para a delegacia. Enquanto isso, o criminoso está livre para destruir provas e usar o tempo a seu favor”, ressalta Leal.
“Se quisermos ter uma polícia de primeiro mundo e não sermos comparados com o México, que lidera no mundo os índices de criminalidade, teremos que promover as mudanças necessárias”, defende o agente federal, considerando a tarefa árdua e muito difícil. Para o país comemorar as estatísticas positivas na segurança pública, Leal sugere a formação de uma equipe governamental capacitada, que tenha nos resultados e estudos internacionais um caminho seguro para mudar a realidade brasileira. “O presidente eleito deve priorizar a formação de uma equipe de estudiosos no setor, especialistas que pensem nos interesses da sociedade, para construir um excelente trabalho para o futuro e prevenir os índices registrados no México”.
Taxa de homicídio representa maior preocupação
Compartilhando do mesmo pensamento apresentado por Silva Filho em relação aos índices de criminalidade no país, o pesquisador no Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Bruno Paes Manso, acredita que o principal desafio que o presidente eleito deve encontrar será a redução das estatísticas de homicídio nos estados, que atualmente atinge 56 mil casos por ano. Manso avalia que os estados brasileiros já demonstraram a capacidade de reduzir os números da violência em curto prazo, mediante políticas de segurança eficientes. Um sinal de que esta teoria funciona é a variação dos índices de região para região. Atualmente, os números apresentaram queda em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas cresceram no nordeste, mantendo o país no topo da classificação mundial de violência.
“O novo presidente deve ter como meta a criação das políticas públicas voltadas para a solução desta questão prioritária. Isso é até um dever moral do governo”, destacou Manso. Nos últimos 30 anos, na visão do analista, o Brasil não fez o seu dever de casa no setor, assumindo apenas um papel de coadjuvante na busca dos avanços na segurança nacional. Manso ressalta que esta postura tem que mudar, especialmente a prática de transferir para as contas dos estados as responsabilidades federais na área de segurança. “A federação só aparece nos momentos críticos, como salvador da pátria, o ator que manda o helicóptero para fazer os encaminhamentos para presídios federais. Essa postura tem que mudar, o governo tem que assumir o seu papel de protagonista também neste setor”, destacou o especialista da USP.
O professor da Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rodrigo Ghiringhelli Azevedo, conceitua que a redução da taxa de homicídio nos estados é fundamental para melhorar a imagem do país no exterior e uma política nesta linha deve ser implementada pela nova gestão. Assim como o governo do PT conseguiu retirar a nação brasileira do mapa da fome, o mesmo deve acontecer com os indicadores da violência, segundo a opinião do analista.
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Papel da União deve ser melhor definido
Avaliando de uma forma ampla o cenário da segurança nacional na tentativa de prever possíveis medidas do presidente eleito, Rodrigo Ghiringhelli Azevedo acredita que a definição do papel da União no setor é a questão transcendental na atualidade. O especialista ressalta que, desde o segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso houve uma ampliação da atuação do governo federal na área, com a implantação do Fundo Nacional de Segurança Pública. Porém, não foi criada nenhuma regulamentação para amparar os investimentos. Com isso, Azevedo destaca que pode acontecer articulações entre federação, estados e municípios “no sabor da conveniência”.
Azevedo afirma que há necessidade de uma emenda constitucional para regularizar essa relação entre os entes federativos, que possa atribuir à União um papel mais decisivo, uma vez que a sua atuação tem sido mais periférica nos últimos anos. “Esse quadro provoca um entrave na área de segurança nacional, que deve ser resolvido de forma prioritária”, destaca.
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