Fonte: Estado de S. Paulo
Garrafas de vinagre, máscaras de gás, luvas e uma cápsula de munição de borracha disparada pela Polícia Militar. Foram esses os itens – em alguns casos, nem isso – que justificaram as prisões de manifestantes e populares após os protestos no Centro de Vitória, na última sexta-feira (19). Os documentos enviados pela Polícia Civil ao Poder Judiciário confirmam os relatos que já circulam nas redes sociais e na mídia local: quem estava nas imediações do Palácio Anchieta foi considerado como suspeito de participação nos atos de vandalismo pelos policiais.
A documentação, publicada no site do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), revela o teor dos depoimentos prestados por 33 detidos nos protestos – entre os 46 presos na ocasião – e de quatro policiais, que conduziram os “suspeitos” até a Delegacia de Repressão aos Crimes contra o Patrimônio, também na Capital. Em nenhum dos documentos constam a apreensão de armas de fogo – divulgadas amplamente pela polícia no dia seguinte ao protesto –, bem como há qualquer insinuação de que os manifestantes teriam sido pagos para participarem da depredação dos prédios públicos e bancos.
Os depoimentos dos detidos revelam evidências de arbitrariedade nas prisões, muitas ocorridas logo após o protesto. Entre os detidos estavam pessoas que trabalham no comércio do Centro, que haviam sido liberados em função dos protestos e acabaram sendo detidos, assim como estudantes e populares, que participaram do protesto, mas negaram qualquer ligação com os ataques praticados por um pequeno grupo que atacou os palácios Anchieta e da Fonte Grande, além da sede da Secretaria estadual da Fazenda (Sefaz) e as agências de bancos da região – dois privados e um público.
Todos os 33 detidos – cujos depoimentos foram divulgados – declararam à polícia que não sabiam a motivação de suas prisões. Na maior parte da história, os manifestantes foram surpreendidos pela abordagem policial, que justificou as prisões pelo fato de portarem objetos que faziam teriam ligação com o protesto. Em um dos casos, um empresário de 22 anos denuncia que “a Polícia Militar abordou as pessoas sem critério algum, levando todos”. Ele afirma que foi detido próximo à avenida Beira-Mar sem portar qualquer tipo de “item suspeito”.
Outro detido, um tatuador de 25 anos, disse em depoimento que estava próximo a uma loja, cujo um grupo forçava a porta para abrir, quando os policiais da Rotam chegaram ao local. Segundo ele, o grupo começou a se dispersar, enquanto se manteve com as mãos para o alto para indicar que não estava participando do ato. No entanto, os policiais o detiveram como um dos suspeitos.
Relatos como esses fazem parte do conjunto de depoimentos dos manifestantes. No entanto, chama atenção às versões trazidas por populares, que alegam sequer terem participado do protesto. Nesse rol de casos, surgem histórias como a de dois estudantes residentes em Domingos Martins (região serrana do Estado), que vieram à Capital para fazer a rematrícula em uma faculdade; e de uma vendedora de uma tradicional loja do bairro ou ainda de um monitor do Teatro Carlos Gomes, que foi detido logo após ser liberado do trabalho.
Várias histórias, uma versão
Na versão dos policiais (Gustavo Malini Barcelos, Laudimar Pereira de Oliveira, Márcio Dias de Sousa e Gelson Liberato Júnior) que comunicaram a o flagrante, todos os manifestantes teriam participado diretamente dos atos de vandalismo durante o protesto – até mesmo aqueles que disseram, em depoimento, que estavam trabalhando no horário do protesto. Os dois primeiros militares (lotados na Rotam) disseram que foram atender a uma ocorrência de “depredação generalizada” no Centro de Vitória, por volta das 15 horas (logo após a ação tática da PM, que dispersou os manifestantes).
Nos depoimentos idênticos, os dois militares da Rotam afirmam categoricamente que todos os detidos foram “flagrados nesta depredação”. Para justificar essa tese, eles citam a apreensão de garrafas de vinagre, frascos de tinta e “borracha para fabricação de estilingue”, que ressaltariam que eles estariam, em grupo, participando dos atos de vandalismo.
Já a outra equipe policial, também da Rotam, foi responsável pela detenção dos manifestantes e populares dentro de um coletivo, interceptado pelos militares na altura do Clube Alvares Cabral, em Bento Ferreira. O cabo Sousa e o soldado Liberato declararam, também em depoimentos idênticos, que os detidos “estavam com objetos que levavam a crer que teriam sido utilizados para a prática de atos de vandalismo”, como vinagre, máscaras de gás, rojões e até mesmo um abafador auricular.
Nos dois casos, as teses foram encampadas pelos delegados Danilo Bahiense Moreira, Leandro Piquet de Barros e Romualdo Gianordoli Neto, que ouviram todos os detidos e sugeriram o indiciamento dos detidos nos crimes de dano a bens públicos e privados (artigo 163), arremesso de projétil contra ônibus (artigo 264 e 265) e formação de quadrilha (artigo 288, todos do Código Penal). As penas máximas somadas podem chegar a nove anos de detenção.
Por conta do indiciamento pelos crimes, todos os detidos tiveram que assinar uma nota de culpa, documento que informa aos suspeitos os crimes alegados contra eles no caso de prisão em flagrante. Todos os presos foram encaminhados para o Centro de Triagem de Viana. A maior parte dos detidos já foi liberada pela Justiça sob medidas restritivas de direito, como a proibição de participar de novos protestos. Até o início desta noite, havia informação de que oito pessoas continuavam presas.
Entre os itens apreendidos, segundo o auto de apreensão divulgado, estão quatro garrafas de vinagre, três máscaras de gás, dois pares de luvas, uma lata de tinta spray, dois rojões, um foguete (do tipo fogos de artifício) e um abafador auricular. Todos esses itens estariam em poder dos manifestantes detidos no coletivo. Não há qualquer relato por parte dos militares da apreensão da armas de fogo (uma pistola e uma espingarda), como chegou a ser divulgado pela polícia, drogas e de outros itens que possam ser usados em atos de depredação.
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