A Secretaria de Segurança Pública do DF, em recente mega-operação desenvolvida pelas ruas do Plano Piloto e de Taguatinga, utilizou 450 viaturas e centenas de policiais e levou para a cadeia 83 pessoas ligadas a crimes de latrocínios, roubos e crimes relacionados ao tráfico e consumo de drogas.
Especialistas avaliam que os organismos policiais pretenderam marcar território, sinalizando que o combate à criminalidade será intensificado no quadrilátero do Distrito Federal. O Agente Federal Claudio Avelar, que tem vasta experiência no combate ao tráfico de drogas, acredita que as operações deste porte e intensidade tenham a sua importância, mas sugere como forma eficaz de combate ao tráfico, ações de interatividade com outras áreas como a saúde, o emprego e a educação. “Alguém ocupa o espaço deixado pelo Estado ausente e, normalmente, o crime não perde as oportunidades”, avalia Avelar .
Veja, a seguir, a entrevista que o ex-presidente do Sindipol/DF e atual Diretor de Estratégia Sindical do Sindipol, Luís Cláudio da Costa Avelar, concedeu à revista Plano Brasília, em fevereiro passado.
Drogas: Repressão, vício.
Secretaria de Segurança lança operações de combate ao tráfico. É a melhor solução?
No dia 21 de janeiro de 2011, mais de mil homens e mulheres das policias civil e militar e membros de outras esferas da segurança pública do Distrito Federal lançaram a Operação Buriti, de combate ostensivo ao tráfico de drogas. Utilizando 450 viaturas, policiais prenderam em flagrante 83 pessoas envolvidas em latrocínios, roubos e crimes relacionados ao tráfico e consumo de drogas em Taguatinga e no Plano Piloto. A Secretaria de Segurança Pública – SSP tinha um objetivo claro com a operação: mostrar para a sociedade e para a imprensa que o Estado está presente e operante na luta contra esse mal.
Hoje, cerca de 62% da população brasileira já usou algum tipo de droga lícita ou ilícita. Não diferente de todo centro urbano das grandes cidades brasileiras, no Plano Piloto, embaixo das sombras sóbrias da arquitetura de Niemeyer, o reflexo da desigualdade social e a devastação do vício em drogas pesadas como o crack e a merla é cada vez mais agressivo e visível a olho nu. Mesmo para um cidadão comum, que prefira simplesmente ignorar essa realidade, começa a incomodar e criar temor o número crescente de jovens e adultos que, a qualquer hora, todos os dias, lutam para alimentar seu vício a céu aberto em diversos pontos da capital do país.
O poderio do crack é cada vez mais visível em Brasília. Dados da SSP indicam que só em duas grandes operações de abordagem, mais de uma tonelada de maconha e 200 pedras de crack foram apreendidas. “Essa operação de janeiro avisou a todos que podemos potencializar o policiamento. Quisemos deixar claro à população que o Distrito Federal está seguro”, garante o subsecretário de Operações da SSP, Coronel Jooziel Freire. Para estudiosos e agentes públicos, a grande questão do combate às drogas sempre foi a sensação de guerra a um terror infinito. Afinal, prendem-se os traficantes e chegam outros para ocupar os lugares vazios.
Para o agente da Polícia Federal, Cláudio Avelar, não existe uma fórmula geral aplicável pelos órgãos de segurança pública para dar solução a esse quebra-cabeça. Porém, ações básicas devem servir como via de regra. “O mais importante deve ser sempre a interatividade com outras áreas como saúde, emprego e educação. Alguém ocupa o espaço deixado pelo Estado ausente e, normalmente, o crime não perde as oportunidades”, pondera. Cláudio, que tem experiência no combate ao tráfico nas fronteiras, acredita que a ausência do poder público tem permitido que as organizações criminosas, além de se instalarem, consigam devastar as famílias pelo vício. Especialmente entre os jovens usuários. “Uma afirmação que posso fazer é que não será apenas com repressão policial que o tráfico e o uso de drogas será controlado”, informa.
O Coronel Jooziel Freire compartilha da mesma linha de raciocício. A Operação Buriti foi apenas o estopim dos projetos da secretaria para o combate à droga. “Desde o dia 31 de janeiro iniciamos a Operação Brasília Dias Melhores. Ela sim tem todo um diferencial. É contínua e não tem data para interrupção. Este é um trabalho formulado em fases que vão crescendo”.
A SSP criou um Conselho Operacional que reúne em cada região administrativa a Polícia Militar, o administrador e o delegado local, além de membros da comunidade. Segundo ele, a cada quinze dias, o grupo analisa registros da criminalidade, os problemas da área e define seu plano de ação, num trabalho de longo prazo. “Essa operação já desencadeou a prisão de diversos traficantes de pequeno e grande porte. Hoje até o trabalho de iluminação pública é realizado de acordo com os dados e necessidade de patrulhamento definidos nesse conselho”, ressalta o militar. Num primeiro momento, Asas Sul e Norte do Plano Piloto e Taguatinga, bairros com maiores índices de violência, estão com Operação Brasília Dias Melhores em pleno funcionamento.
A proximidade entre o lado cinza do vício em drogas, representado pelo grande número de menores consumidores no centro da capital já tem causado um prejuízo difícil de contabilizar, mas de proporções consideráveis. Henrique Severien, diretor executivo da fundação privada dos representantes do setor de hotéis e restaurantes, Brasília e Região Convention & Visitors Bureau, constata que o grande número de viciados espalhados nas imediações dos hotéis do centro da cidade está manchando a imagem da capital. “Como hoteleiro, eu preciso ser franco com meus hóspedes. Mesmo estando há poucos metros do shopping, sou obrigado a dizer a eles que não é seguro caminhar até lá”, ressalta. Para o empresário, o dano causado por esse tipo de “publicidade” é devastador, porque é uma recordação difícil de apagar. “Um turista que é assaltado, volta à sua cidade de origem e conta sua experiência para vizinhos e parentes. Isso arruína as intenções de potenciais visitantes”, justifica. “Esse dano já é presente em Brasília e infelizmente o poder público parece não perceber e avaliar sua gravidade”, completa.
O subsecretário de operações queixa-se do que ele chama de terrorismo midiático. Para o Coronel Jooziel, esse tipo de manifestação da imprensa gera um exagero em relação à violência urbana. “A insegurança, em muitas das vezes é promovida por um estado emocional de alarme da mídia. Precisamos desconstruir isso. Vai chegar uma hora que vou colocar na sua porta um policial fardado e você vai me dizer que não se sente seguro”, ressalta. A aposta do militar é na eficácia da nova linha de operação da Secretaria, baseada em estatísticas e análise da hora e locais dos crimes. “Não estou negligenciando o problema. A nossa nova operação pretende corrigir também esse tipo de delito. Vamos suprir as demandas à medida que vão surgindo. Dias Melhores virão”, opina.
CONTRAPONTO
“Acho triste ver a população aplaudindo e querendo ver os traficantes mortos. Como se eles não fossem dignos, antes, de uma reflexão maior sobre a situação. Na guerra às drogas, quem entra com os cadáveres é a sociedade”. A afirmação é do jornalista e cineasta carioca, Rodrigo Mac Niven, que em 2010 produziu e lançou de forma independente o documentário “Cortina de Fumaça”. Polêmico e repleto de reflexões de grandes personalidades do tema em todo o mundo, o filme foi selecionado para participar de festivais em cidades como Paris, na França e Beirute, no Líbano. A película debate a questão da legalização das drogas. Para o cineasta, a proibição de determinadas práticas relacionadas a algumas substâncias tóxicas precisa ser repensada porque a violência e a corrupção são conseqüências diretas dessa condição.
Rodrigo sustenta que a grande questão é a distinção entre traficante e usuário. O cineasta entende que a diferença está fundamentada em circunstâncias impregnadas de preconceitos. “Um garoto negro, com cinco cigarros de maconha, andando perto de uma favela do Rio de Janeiro, certamente será enquadrado como traficante. O que não significa que ele seja. Na minha opinião, fundamentada pela pesquisa e pelas entrevistas que fiz para realizar o filme, o sistema de proibição é o maior causador dos problemas sofridos pela sociedade”, atesta. Para ele, enquanto não for regulamentada a produção, comércio, distribuição e venda das drogas ditas ilícitas, toda a sociedade continuará sofrendo com a violência e a corrupção que essa situação gera. “As pessoas que precisam de ajuda para tratar dos problemas de abuso de drogas continuarão em situação pior do que estariam se não fossem estigmatizadas”, acredita. Já o policial Cláudio Avelar é enfatico. “Se o uso do cigarro não mais fosse restrito, será que o número de fumantes seria reduzido? É claro que não. Pelo contrário. O constrangimento imposto ao fumante, sem dúvida, restringe a quantidade de cigarros consumida e vendida”, salienta. “Foi a propaganda negativa e a proibição de fumo em áreas públicas e privadas que provocou essa diminuição”. Nesse embate polêmico, muitos acreditam que prender traficantes de rua e usuários junto com presidiários de maior periculosidade, transforma aspirantes a criminosos em profissionais. O Coronel Jooziel discorda veementemente. Para ele, a impunidade é um problema muito sério. “Quando o Estado resolveu amenizar a responsabilidade para quem consome, ele deveria saber que isso não seria fácil. É preciso reprimir com mais intensidade e deixar claro que não haverá em hipótese nenhuma impunidade”.
O documentarista explica que em sua visão, legalizar significa regulamentar. “Isso é muito importante que as pessoas entendam. Antes das minhas pesquisas para fazer o filme, eu tinha essa ideia de que legalização era sinônimo de liberação, exatamente como acontece com a cerveja, com o cigarro e com os remédios “tarja-preta”. Acho sim, que a regulamentação é o caminho”, sustenta Rodrigo. Ouvir duas opiniões tão divergentes sobre um assunto tão complexo acaba por criar um invariável debate. Cláudio Avelar lança um desafio: “Pergunte a qualquer usuário de drogas se caso ela fosse liberada, ele deixaria de usar. Será que o coitado usa droga apenas porque está proibido? não. É uma somatória de fatores que conduz a pessoa a substituir alguma carência pela substância que parecer satisfazê-lo”.
O agente federal conta que países que liberaram o uso de drogas perderam o completo controle, fazendo sim aumentar o número de usuários, criando novos guetos nas zonas de livre uso, marginalizando os comerciantes. Mac Niven rebate: “A legalização, como legislação, não foi aplicada em nenhum país do mundo. Isso é importante que se saiba. O que acontece na Holanda é uma flexibilização com relação à maconha, por exemplo. A única experiência real de legalização aconteceu nos EUA quando foi liberado o consumo do álcool, que havia sido criminalizado com a Lei Seca na década de 30”, lembra o cineasta fazendo a ressalva de que “a regulamentação não é panacéia que vai resolver todos os problemas. É preciso ter um conjunto de ações como, por exemplo, investimentos em redução de danos para receber e tratar daqueles que precisam de ajuda”.
REALIDADE
Apesar da polaridade de opiniões, seja cineasta, policial ou empresário, existe concordância no sentido de que a origem do male da droga transcende o fato dela ser ou não proibida. O psicólogo Marcos Vinícius Paiva trabalha há cinco anos com pacientes que tentam se livrar do vício numa clínica especializada de tratamento.
Para ele, existem vários fatores que ajudam a pessoa a recorrer à droga e se tornar um dependente. Entre eles, desestrutura familiar, traumas ou um transtorno de base. “Uma questão muito importante é que, independente do tempo que levou ao uso da droga, a dependência se torna presente, pois a pessoa geralmente apresenta algum tipo de transtorno de base; alguma doença já existente que tem que ser tratada. Mas você tem uma doença paralela que é a dependência química”, alerta.
“Você já imaginou quanto custa para o Estado montar uma unidade de tratamento de químico dependentes?”, indaga o Coronel da SSP. Na opinião dele, nesses casos, tratamentos impostos não funcionam. “Vamos cercando o indivíduo – prendendo, aplicando penas – até que ele entra num ponto de desespero e dizemos: temos essa saída para você. Nesse processo centrifugo: de 100 indivíduos conseguimos colocar 30 no tratamento, que não retornam para aquele ambiente de onde foram retirados”, garante.
A clínica Mansão Vida, localizada na região do Entorno, gerenciada pela enfermeira psiquiátrica Estér Giraldi, trabalha com o método cubano de internação. Nele, ocorre a chamada psiquiatria humanizada, onde médicos e pacientes não usam uniformes. “Aqui nós tratamos e somos tratados. Nós só falamos que um paciente está limpo, depois de dois anos que ele saiu da internação”, afirma. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), apenas 45% dos pacientes que fazem um programa de reabilitação se recuperam. No último ano, segundo a enfermeira, o índice de recuperação de pacientes na sua clínica foi de 72%.
O psicólogo Marcus Vinícius, que também faz parte da equipe da Mansão Vida, conta que em alguns casos a dependência química vem marcada no traço genético. “Temos uma assistente social que faz uma árvore genealógica do paciente no sentido de encontrar, lá atrás, na história dessa pessoa, algum tipo de dependência. Seja ela de drogas ou de álcool. Ou seja, alguns já nascem com uma predisposição genética para a dependência química”.
Seja familiar, genético ou fortuito, o certo é que o vício em drogas é um elefante branco que afeta a sociedade direta ou indiretamente. No fim das contas, a discussão sobre a legalização ou maior rigidez penal sobre o problema será sempre subjetiva. É como se ela resvalasse nos elos da corrente que sustenta esse problema. O indivíduo é o elo. Mesmo sendo social, educacional e policial em maior escala, o problema da droga é de saúde. O agente Cláudio Avelar cobra um governo mais atuante: “Se o Estado vê o drogado como doente, por que não existe local adequado para o tratamento? O poder público se limita a acompanhar de forma tão sutil, que beira a omissão”.
O subsecretário de Operações da SSP reflete: “Concordo que você tem que ter uma estrutura imensa para perceber um viciado. Mas e depois? Infelizmente a sociedade é carregada de hipocrisia. Você não vai pegar uma mulher que acabou de sair do presídio feminino, mesmo afirmando estar totalmente recuperada, para tomar conta de seus filhos enquanto sai para trabalhar”, compara. Segundo ele, as pessoas falam em ressocialização, mas querem os presídios bem longe de suas casas, da sua cidade. “Então, esse é o tipo de pergunta que não dá para você imputar para um governo. É uma questão que deve envolver todas as esferas da sociedade”, ressalta.
Fonte: Plano Brasília 22 de Fevereiro de 2011
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