Fonte: Valor Econômico
“Se o que queremos é construir uma sociedade melhor, mais sustentável e com outros modelos econômicos, os movimentos de rua têm que ser ouvidos e analisados. Temos que levar essas mudanças para dentro da organização.” O argumento é do antropólogo e jornalista Fernando Rossetti, 51 anos, que assumiu ontem a direção-executiva do Greenpeace Brasil.
A escolha de Rossetti foi a conclusão de um processo de seleção global para o cargo que o engenheiro químico Marcelo Furtado ocupou nos últimos 5 anos. Hoje o Greenpeace Brasil tem mais de cem funcionários e escritórios em São Paulo, Manaus e Brasília. Atualmente, os projetos prioritários da organização – campanhas, no jargão ambientalista -, focam a Amazônia, a discussão da matriz energética e a mudança climática, eixos que Rossetti não pretende alterar neste momento.
Ele lembra que a organização está prestes a estruturar seu plano de ação para os próximos três anos, no Brasil e no mundo. “Não dá para fazer um plano trienal, neste momento histórico que estamos vivendo, sem que se ouça as ruas.” Na análise de Rossetti, “há, evidentemente, uma crise da democracia representativa. O movimento nas ruas manifesta a sensação das pessoas de não se sentirem representadas pelas instituições políticas tradicionais. Não só por elas, mas também pelos sindicatos, pela União Nacional dos Estudantes (UNE), pelas ONGs que levantavam bandeiras no meio da multidão”, continua. “Todo mundo tem que ter isso em mente. Se as instituições não conseguem mais dialogar com a população, têm que se repensar.”
O Greenpeace, diz ele, já vem se reposicionando como organização há alguns anos. Em 2010, a escolha do sociólogo sul-africano Kumi Naidoo – que aos 15 anos começou sua luta contra o apartheid e transformou-se em um famoso ativista dos direitos humanos – para o cargo de diretor-executivo mundial da ONG apontava nessa direção. “Antes, há 20 anos, o foco do Greenpeace era como salvar as baleias. Hoje, isso é muito mais complexo. A tensão entre a expansão econômica e o meio ambiente é muito presente.”
“Não consigo conceber a questão ambiental separada da questão humana”, diz Rossetti, que é formado em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “A questão ambiental é socioambiental.”
Rossetti tem experiência na gestão de ONGs. Durante nove anos foi secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), organização com 140 associados -desde as fundações Ford e Lemann, a Microsoft e o Bradesco, para citar alguns -, preocupados em administrar adequadamente seus recursos em projetos sociais e ambientais. Também é co-fundador e dirigiu a ONG Cidade Escola Aprendiz, que trabalha com jovens em São Paulo e foi repórter de educação de 1990 a 1999 na “Folha de S. Paulo”. “Tenho um percurso profissional de militante, ongueiro e gestor. No Greenpeace, agora, posso usar tudo isso.”
Ele enxerga avanços, no Brasil, na área ambiental. “Se você olha com perspectiva de longo prazo, avançamos muito. Houve uma considerável redução no desmatamento, há uma reflexão importante sobre a matriz energética brasileira “, diz. “Mas a situação ainda é séria. Temos desafios muito grandes pela frente.”
Na sua opinião, há “uma consciência ambiental sem precedentes nos jovens que foram às ruas nas últimas semanas no Brasil. “Eles têm uma visão mais sofisticada dessas questões, bem mais elaborada do que a geração dos pais. Mas, talvez, carreguem uma descrença. A sensação parece ser a de que acham que esses desafios não estão sendo resolvidos.”
O braço brasileiro do Greenpeace, uma das ONGs ambientalistas mais famosas do mundo, funciona a partir de doações de mais de 37 mil colaboradores espalhados pelo país e também pelo trabalho de 280 voluntários. A ONG não aceita doações de empresas, governos ou partidos políticos.
Ocorreram mudanças também no conselho da ONG no Brasil. No lugar da administradora Rachel Biderman, consultora-sênior do World Resources Institute (WRI, “think tank” americano da área de energias renováveis), e que presidiu o conselho da organização nos últimos dois anos, assume a arquiteta e urbanista Laura Valente, mestre em gestão ambiental pela Universidade de Oxford.
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