Violência afasta professores a traumatiza alunos
Há quase dois meses, os moradores das favelas do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, vivem em meio a um fogo cruzado entre policiais e traficantes. Nesta guerra, nem as escolas estão a salvo.
Há quase dois meses, os moradores das favelas do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, vivem em meio a um fogo cruzado entre policiais e traficantes. Nesta guerra, nem as escolas estão a salvo.
As famílias do bairro da Penha, no Rio de Janeiro, se preparavam para dormir quando de repente ouvem-se fogos, rajadas e estrondos. Ninguém dorme assustado com tal barulho. Na quinta-feira, muitos colégios municipais e creches da Vila Cruzeiro já não tinham mais aulas, pois o confronto não parava.
“Eles não vêm. A sala fica vazia”, diz uma professora.
São mais de 50 dias de confronto. Lá não existe uma zona neutra. Os tiroteios acontecem em qualquer lugar, em qualquer hora e as balas perdidas também atingem o espaço da educação. O muro de uma escola pública tem marcas de tiros de fuzil.
“Eles têm medo de atravessar. Uma menina chegou aqui às7h, chorando, porque ela disse que viu muita gente com granadas, preparados para uma batalha. Ela falou: ‘Eu passei por isso’, morrendo de medo. Não é um ambiente para criança vir para escola, né?”, diz uma professora há 16 anos.
Uma parente minha foi atingida por duas balas perdidas nas costas. Até o filho de três aninhos, que estava em seu colo, foi atingido no pé. Tudo isso ocorreu dentro de casa. Por duas vezes vi a morte de perto. Uma dentro de casa, quando quase fui atingido por uma bala e também ao voltar da escola.
“É muito triste. A gente vê pessoas passarem armadas, como se fosse uma coisa normal, como se fosse um instrumento de trabalho”, diz um professor há 42 anos.
“Atrás da escola funciona uma boca de fumo. Os alunos ouvem a droga ser vendida. Começaram a imitar, começaram a pegar o giz e fazer do giz, repartir o giz, como se fosse cocaína”, conta uma professora há 41 anos.
“Mostrar os seus valores para essas crianças é muito difícil. Eles convivem muito mais tempo com o errado do que com o certo”, diz uma professora há 41 anos.
Com medo, eu, minha mãe e minha irmã sentamos no chão e em desespero começamos a chorar, rezar e pedir a Deus que nos tirasse dali.
“Eram momentos muito dramáticos. Você testemunha uma escola inteira, mais ou menos 500, 600 pessoas se deitando no chão, se arrastando, como se tivesse fazendo tática de guerra, para tentar achar um espaço que desviasse, pelo menos não estar vendo as balas perdidas quando começassem os conflitos. O caveirão estava na esquina. Imagina você fazer prova com um caveirão na esquina. Muito tiro, muito tiro”, lembra uma professora.
Professores tentavam passar tranqüilidade para os alunos, quando na realidade seus rostos não escondiam o medo e a aflição.
“Eu freqüentei vários tratamentos neurológicos, psicológicos e os médicos falam que a síndrome do pânico, ela é causada porque você tem, você se apavora naquele espaço, né? Por mais que eu amasse aquelas crianças, que eu quisesse fazer alguma coisa por elas, eu cheguei a um ponto de não conseguir mais ir para a escola”, diz uma professora.
“Há vários alunos com síndrome do pânico, em tratamento, tomando antidepressivos. Há vários alunos assim. Já perdemos muitos alunos. Essa é uma guerra desleal, muitos alunos já foram. Quando acabar definitivamente, se é que vai acabar um dia esse confronto na Vila Cruzeiro, eles não vão precisar de médicos, professores, eles vão precisar é de psicólogos, psiquiatras”, afirma um grupo de professores.
Professora, como é que a senhora imagina o futuro dos seus alunos? “Eu quero sonhar. Eu quero sonhar uma vida muito melhor para eles. Isso ser normal, ser rotina, não é o certo para eles. Eu quero meu aluno tendo o mesmo direito que outro aluno. Que o nosso filho, que o nosso neto tem, de sair, de voltar, de achar que o futuro pode ser melhor com o seu trabalho, de uma maneira normal”, sonha uma professora.
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