Relatório da ONU mostra que, no Brasil, a maconha e a cocaína perderam espaço para drogas produzidas em laboratório, como o ecstasy e anfetaminas usadas indiscriminadamente em regime para a perda de peso.
A década de 90 mudou o perfil do consumo e do tráfico de drogas no planeta. A maconha e a cocaína perderam espaço para substâncias sintetizadas em laboratório, como ecstasy e anfetaminas. Relatório divulgado ontem pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife) das Nações Unidas (ONU) alerta para o crescente uso de drogas produzidas em laboratório. As pílulas não são usadas apenas como combustível para diversão noturna, mas para emagrecer. No Brasil, desde 1997, o consumo de anfetaminas anoréxicas — usadas com o objetivo de perder peso — aumentou 500%, enquanto em países vizinhos como Chile e Argentina houve uma queda de 90%.
As razões para o crescimento desse tipo de droga vão desde a ausência de campanhas de esclarecimento ao fato de os médicos prescreverem anfetaminas para fins estéticos. “Para emagrecer, as pessoas têm que fazer regime. Esse remédios deveriam ser usados somente em casos de obesidade extrema”, adverte Elisandro Carlini, pesquisador da Jife. Ele chama a atenção para as farmácias de manipulação que vendem anfetaminas indiscriminadamente, muitas vezes até mesmo sem receita médica.
As irmãs Denise e Flávia (nomes fictícios), de 15 e 17 anos, tomam, sem recomendação médica, um remédio à base de anfetamina que reduz a necessidade de ingerir alimentos e acelera o metabolismo. O medicamento só pode ser vendido com receita, mas elas dizem consegui-lo facilmente pela internet em um site que vende supostos suplementos alimentares. Denise tem 1,75m e pesa 68 quilos – está na faixa de peso considerada normal. A irmã, de 1,68m, pesa 60 quilos, mas se considera gorda. Eu já peguei pesado na malhação. Mas chegava em casa com fome, e aí não adiantava nada. Ganhava todas as calorias perdidas”, conta Denise. “Com o remédio, emagreci cinco quilos em um mês.
Efeitos colaterais
Elas escondem da família o consumo do medicamento e garantem nunca ter passado mal por causa do uso. Aos poucos, porém, Flávia descreve alguns sintomas como secura na boca e insônia eventual. Vale a pena. As pessoas criticam, mas se você está gorda todo mundo fala mal também, acredita a estudante, que paga R$ 200 por 30 comprimidos. Até cinco anos atrás, o consumo de anfetaminas era de três doses para cada mil brasileiros. Hoje a proporção mais do que dobrou, voltando aos patamares registrados há uma década.
Representante do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (Unodc), Giovanni Quaglia diz que as farmácias on-line vêm causando um grande mal à saúde de milhões de pessoas. Para ilustrar a gravidade do problema, ele informa que nos Estados Unidos as drogarias virtuais vendem mais remédios controlados do que as farmácias comuns. Outro risco é a possibilidade de menores comprarem esses produtos, e de não haver garantias quanto à qualidade dos medicamentos, que podem ser falsificados.
O leque de opções de compras na internet não se limita a medicamentos. Com computador conectado à rede, qualquer um pode encomendar ecstasy, inclusive na forma líquida. Embora os traficantes brasileiros tenham à disposição no país os produtos químicos necessários para fabricar a droga, eles optam por adquiri-la no exterior. “O preço baixo na Europa faz com que seja mais atraente trazer de fora”, explica o coordenador-geral de Polícia de Repressão a Entorpecentes, Ronaldo Urbano. “Não temos registros de laboratórios de produção de ecstasy aqui no Brasil, mas nada impede que isso esteja acontecendo”, ressalva.
Também é do exterior que vêm 80% da maconha consumida no país. Ainda assim, Urbano explica que são feitas até cinco grandes operações por ano no Nordeste para combater o plantio da erva. Outra linha de ação consiste em firmar parcerias com países vizinhos para impedir o tráfico. “A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Snasp) está realizando operações conjuntas das polícias Civil e Federal para inibir o tráfico”, diz o secretário nacional Antidrogas, o general Paulo Roberto Uchôa, sugerindo que o Brasil já segue as recomendações feitas pela ONU, que também defende mais recursos para os órgãos de fiscalização e repressão às drogas.
O Palácio do Planalto espera que até o final de abril projeto de lei que estabelece diferenças de tratamento penal entre traficantes e usuários seja aprovado pelo Senado. “Esse projeto está em sintonia com os interesses do governo”, afirma o general Uchôa. Se até o final do semestre os parlamentares não se mexerem, o Planalto tem outra alternativa, guardada a sete chaves pela Casa Civil. É um decreto do governo que garante penas alternativas para os consumidores de drogas e punições mais duras para os traficantes.
A saída é a prevenção
O combate ao uso de drogas, segundo a Jife, deve começar com um programa de prevenção. “No país, há campanhas, e não programas. Campanha tem data para começar e terminar”, critica Amadeu Roselli-Cruz, especialista do Laboratório de Farmacologia Escolar e Prevenção às Drogas da Universidade Federal de Minas Gerais. Ele diz que o programa deve fazer parte do dia-a-dia das escolas, com professores capacitados e participação dos pais.
O comerciante Roberto (nome fictício), 34 anos, começou a misturar álcool e maconha aos 15 anos de idade. Morador de Sobradinho, foi apresentado ao primeiro cigarro pelos amigos. Aos poucos, a droga passou a fazer parte do seu cotidiano. Da maconha, pulou para cocaína e merla (subproduto da cocaína), sempre em combinação com o álcool, droga lícita que, segundo a Jife, é responsável por 85% a 95% dos casos de internação nos hospitais psiquiátricos brasileiros
Há alguns anos, as drogas começaram a incomodar. “Sentia que tinha de mudar de vida”, conta. Numa igreja católica, encontrou apoio. Parou de beber e largou o vício. Hoje, casado e com um filho, não esconde o passado da família. “Acho importante o pai conversar com os filhos, mostrar o que acontece quando a pessoa se vicia”, diz.
fonte: Correio Braziliense
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