Fonte: Correio do Brasil
O Ministério Público deveria acompanhar de perto a atividade policial no país, não apenas com vocação repressiva, agindo para punir desvios de conduta, mas sobretudo garantindo a excelência da formação dos policiais, a boa aplicação do orçamento das forças de segurança e a constitucionalidade dos regimentos internos, além do respeito aos direitos humanos dos cidadãos e dos próprios membros da corporação.
A proposta é do professor Ignácio Cano, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que deu o tom no debate sobre o papel do Ministério Público na segurança pública ocorrido na última quarta-feira na Fundação Getúlio Vargas (FGV), na Bela Vista, região central de São Paulo. A discussão integra a programação do 8º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que reúne acadêmicos, promotores, gestores públicos, ONGs e policiais militares, civis e federais para debater um dos temas mais prementes do país.
– Hoje em dia, o controle externo das polícias pelo Ministério Público se limita à análise de documentos, e não se debruça sobre a atividade policial propriamente dita – afirmou Cano, atestando que existe “amplo campo” para que os promotores se façam mais presentes entre as forças de segurança. “Por exemplo, o MP pode ir às academias de polícia e verificar como é o treinamento dos policiais, para ver se é respeitoso para a sociedade e para os próprios policiais, e oferecer capacitação.”
Cano propõe ainda que os promotores se façam presentes em situações nas quais existe “grande probabilidade” de violação de direitos, como manifestações públicas e ações de reintegração de posse, para garantir que tudo seja feito conforme determina a lei. “O MP também poderia conferir a qualidade do serviço prestado pelos policiais à cidadania, e os regulamentos disciplinares das corporações. Muitos desrespeitam a Constituição.”
Ao lembrar que os promotores possuem autonomia para ajuizar ações civis públicas e termos de ajustamento de conduta, o professor da UFRJ sugere que busquem garantir, na Justiça, melhores condições de trabalho aos membros das polícias civis e militares, além de observar a correta aplicação do orçamento em segurança pública. “O controle é importante para preservar a dignidade da sociedade e dos próprios policiais”, defende Cano. “Para isso, é preciso que essa atribuição do MP seja regulamentada. Ainda não é.”
Presente ao debate, o ouvidor das polícias do estado de São Paulo, Júlio César Fernandes Neves, recorreu a um caso recente para ilustrar a necessidade de maior controle do MP às atividades policiais: o assassinato da atriz Luana Barbosa, 25 anos, atingida por um policial militar em Presidente Prudente em 27 de junho. Neves lembrou que a Ouvidoria tem trabalhado para que o caso seja julgado pela Justiça comum, e não pela Justiça Militar.
– Por mais que o PM não tenha tido intenção de matar, há no mínimo dolo eventual. E homicídios dolosos devem ser analisados pelos tribunais civis – lembra, relatando uma série de gestões que se viu obrigado a fazer para que o inquérito fosse encaminhado para as devidas instâncias e não abrisse um “precedente perigoso” em termos de letalidade policial. “O ideal é que o MP tivesse feito isso. Ouvidor existe apenas um para o estado inteiro. Promotores, há vários espalhados em cada comarca de São Paulo.”
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