Fonte: G1
Agente reclama da falta de equipamentos e condições de trabalho. Sem efetivo, presos 'só não tomam presídio porque não querem', diz.
A onda de ataques contra agentes penitenciários no Acre, nos últimos dias, vem deixando a categoria em alerta. Em apenas uma semana, dois agentes foram executados a tiros. Em protesto, os servidores impediram a visita íntima aos presos nesta quarta-feira (4), desencadeando motins em presídios do estado, além de um ônibus incendiado. Um agente penitenciário, que trabalha na função há 6 anos, relatou ao G1 o descaso e as condições de trabalho que eles enfrentam no dia a dia.
Falta de equipamentos de segurança, estrutura, superlotação em celas e o baixo efetivo nas unidades prisionais são alguns dos problemas apontados por ele. Faltam ainda viaturas e até cadeados para fechar as celas. “Usamos parafusos no lugar dos cadeados, perdemos muito tempo tentando abrir e fechá-los. Isso é um absurdo”, diz.
O agente afirma que o sistema penitenciário do Acre hoje 'está um caos' e que medidas drásticas de segurança precisam ser adotadas pela Segurança Pública, o quanto antes. Segundo ele, o número de funcionários é reduzido e o treinamento não é suficiente para qualificar os profissionais.
Eles não tomam o presídio porque não querem, se quisessem, ninguém iria conseguir pará-los”
“A realidade hoje é que o sistema prisional do Acre precisa ser todo reformulado, o governo não investe em recrutamento, qualificação profissional e pessoal. Os agentes entram novos, sem experiência, têm apenas um mês de treinamento e o governo acha que eles estão aptos a trabalhar na área, mas não estão. Não temos um psicólogo para avaliar se temos condições ou não de enfrentar certas situações. Resumindo: quando entramos para a função de agente penitenciário nosso treinamento é hipócrita, não existe”.
Ele reclama também do efetivo e diz que o quantitativo não é suficiente para atender a demanda detentos que têm dentro do complexo penitenciário da capital acreana.
O diretor do Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen-AC), Martin Hessel diz que o número de agentes penitenciários que têm na capital acreana é de 434 funcionários que se dividem para fazer a guarda do complexo prisional de Rio Branco. “Hoje temos 730 detentos no provisório, 240 no semiaberto,150 na unidade feminina, 1.140 no fechado 1 e 290 no Antônio Amaro, o fechado 2. Isso dá um total de 5 presos por agente. Esse quantitativo está dentro do aceitável pelo Conselho Penitenciário”, destaca.
O agente contrapõe e diz que o efetivo sofre redução e não tem acesso aos equipamentos de segurança. “O último concurso público que o estado fez para agente penitenciário foi em 2008, e, desde então, os agentes que passaram em outros concursos para outras áreas só saíram, outros novos não entraram, então, o nosso efetivo só reduz. Fora os equipamentos de segurança, não temos coletes, detectores de metais, armamento, não temos nada”, lamenta.
O agente disse ainda que o governo do estado liberou o porte de armas, mas todo o procedimento necessário para que possam ter o porte é pago por eles. “Nós temos o porte, mas quem quiser tem que tirar dinheiro do próprio bolso para pegar a autorização na Polícia Federal. Eu fiz tudo, paguei psicólogo credenciado, instrutor de tiro, capacitação geral e armamento, custou em torno de R$ 4 mil, tudo do meu bolso”, reclama.
Em relação a história de que os agentes estariam dando em cima das mulheres dos presos, o funcionário negou e disse que são casos 'isolados'.
“O único momento em que elas têm contato com uma mulher é na hora da revista, então, acho que elas podem se sentir meio acuadas e até desrespeitadas, pois esperam muito tempo na fila, não por nossa culpa, pois nós somos poucos para atender tantas pessoas, e aí quando chegam até os presos, reclamam para os maridos e eles ficam com mais raiva ainda da gente”, explica.
A pior situação que ocorre dentro das unidades, segundo o agente, é o relacionamento deles com os detentos. “No chapão, onde ficam os mais de mil sentenciados de alta periculosidade só entramos para fazer a contagem dos presos depois não entramos mais. É uma espécie de trato que temos com eles. O agente que descumpre é chamado de Zica (sic) aquele que faz as coisas todas dentro dos padrões exigidos, esse fica sendo hostilizado e às vezes é até jurado de morte. Eles não tomam o presídio todo porque não querem, se quisessem, fariam e ninguém iria conseguir pará-los”, desabafa.
Sobre as queixas apontadas pelo servidor, Hessel informou que não há previsão para concurso na categoria. Sobre a questão do armamento, ele diz que há um plano de qualificação dos agentes.
“O porte de arma foi um direito adquirido por eles após a mudança da legislação. A gente tem um projeto para fazer módulos de capacitação, inclusive usando instrutores de tiro, mas não tem como fazer um curso desse da noite para o dia, exige material e logística. Sobre os últimos acontecimentos, a Polícia Civil está trabalhando para esclarecer os fatos”, destaca.
Sobre os questionamentos voltados para a Segurança Pública, o secretário Emylson Farias destacou que é importante não politizar as coisas neste momento em que o Estado se mobiliza para tentar assegurar a proteção, tanto dos agentes, como dos cidadãos.
“A gente precisa ter muita responsabilidade e seriedade neste momento que exige profissionalismo de todos. Estamos trabalhando de maneira operacional forte e vamos ser intransigentes com qualquer crime contra o Estado. Nós também sabemos que existem muitas coisas para avançar, mas isso tem que ser feito pelo diálogo e o governo está aberto para avançar nessas questões de fortalecimento do sistema, mas não podemos politizar esse momento que estamos focados na segurança de todos”, ressalta.
Entenda o caso
Uma série de protestos vem sendo registrada no estado após a execução a tiros de dois agentes penitenciários, em menos de uma semana. Na quarta-feira (4), agentes proibiram a visita íntima nos presídios do estado para chamar a atenção para falta de segurança da categoria e cobrar equipamentos. A atitude desencadeou motins em unidades penitenciárias de pelo menos três municípios acreanos. No mesmo dia, um ônibus foi incendiado e a casa de um agente penitenciário invadida.
Em Rio Branco, o Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar teve que entrar no presídio para conter um princípio de motim. Após o controle da situação, a PM continua reforçando a segurança na unidade por tempo indeterminado.
À noite, um ônibus foi incendiado. De acordo com a gerência da empresa, não houve anúncio de assalto e três homens armados pediram que passageiros, motorista e cobradores saíssem de ônibus e, em seguida, atearam fogo no veículo.
O sindicato aponta facções criminosas e acredita que as ordens de ataques estão vindo de dentro do presídio. A Secretaria de Segurança rechaça a hipótese de atuação de facções criminosas e diz que as mortes não estão relacionadas.
Nesta sexta-feira (6) em resposta aos ataques, uma operação foi realizada no complexo penitenciário de Rio Branco, e apreendeu 68 celulares, 54 estoques e 15 facas. A ação contou com 450 pessoas, entre as quais 300 policiais militares, representantes da Defensoria Pública do Estado do Acre e do Ministério Público do Acre e Polícia Civil. A ação ocorreu após o protesto de agentes penitenciários contra a execução de dois colegas, que culminou com motins em presídios do estado.
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