Por Roberto Moreira de Almeida – Revista Conjur
O Ministério Público, instituição indispensável à administração da Justiça e dominus litis da ação penal pública, pode produzir investigações criminais autônomas ou tal atribuição é exclusiva da polícia?
A Constituição Federal de 1988 deferiu à Polícia Federal, dentre outras atribuições, “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei” (art. 144, § 1.º, inc. I) e às polícias civis, dirigidas por delegados de Polícia de carreira, incumbiu, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares (art. 144, § 4.º).
Ao Ministério Público foram elencadas, como funções institucionais: “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei” (art. 129, inc. I); “expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva”; “exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior”; “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”; e “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas” (art. 129, incs. VI a IX).
Não houve, extrai-se claramente do texto constitucional ora transcrito, autorização ou vedação expressa de a instituição ministerial realizar diretamente as investigações criminais para dar sustentáculo à ação penal pública por ele proposta em juízo.
Em face da lacuna constitucional e em virtude de não haver uma regulamentação legal específica sobre o tema, procuradores da República (Justiça Federal) e promotores de Justiça (Justiça Estadual) passaram a instaurar procedimentos criminais autônomos, muitos dos quais, nos últimos anos, redundaram na elucidação de atos de corrupção na administração pública e os mais diversos crimes graves perpetrados por poderosos e pessoas influentes. No mesmo diapasão, outros órgãos e entidades, como é o caso das CPIs do Legislativo, da Receita Federal (RF), da Controladoria-Geral da União (CGU), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Banco Central do Brasil (Bacen), nas suas áreas de atuação, passaram a realizar investigações com indicação de autoria e materialidade, inclusive de ilícitos penais (exempli gratia: CPI do Mensalão, crimes contra a ordem tributária pela RF, delitos contra a administração pública pela CGU, etc.).
A atuação persecutória extrajudicial destemida e republicana do Ministério Público, todavia, passou a incomodar e, em razão desse incômodo, está a correr o risco de ser banida do ordenamento jurídico brasileiro. Com efeito, há iniciativas no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF) para, nas palavras do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, “tornar a atividade exclusiva da Polícia” e, nesse caso, “amputar a instituição ministerial”.
Na Câmara dos Deputados, foi apresentada uma proposta de emenda à Constituição (PEC 37, de 2011, de autoria do deputado federal Lourival Mendes e subscrita por mais de um terço dos membros da Casa Baixa do Congresso Nacional), que determina caber, exclusivamente, às polícias civis e federal a apuração das infrações penais. A aludida PEC, para ser aprovada, há de percorrer um longo cominho, pois ainda se encontra sob análise das comissões temáticas do Legislativo e não se sabe quando será submetida à votação em plenário.
No Supremo Tribunal Federal, por seu turno, a questão também está inconclusa. Houve ajuizamento de recurso extraordinário (RE 593.727), com repercussão geral reconhecida, pelo ex-prefeito de Ipanema (MG), Jairo de Souza Coelho, investigado e processado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais por prática de crime de responsabilidade fiscal. Extrai-se do julgamento: a) ministro Cezar Peluso (relator): chegou a vaticinar que “no quadro das razões constitucionais, a Constituição de 88 conferiu o poder de investigação penal à polícia. A instituição que investiga não promove ação penal e a que promove a ação penal não investiga” e deu provimento ao RE, mas reconheceu a atribuição do “Parquet” para realizar diretamente atividades de investigação criminal se e somente se em casos excepcionais e taxativos; b) ministro Ricardo Lewandowski: acompanhou integralmente o voto do relator; c) os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ayres Britto e Joaquim Barbosa: ao negarem provimento ao apelo extremo, nos termos de seus votos, divergiram do relator e reconheceram a constitucionalidade da investigação criminal pelo MP, com as seguintes advertências: i) a persecução investigatória deve seguir as mesmas regras do inquérito policial; ii) devem ser respeitados prazos procedimentais; iii) é preciso supervisão do procedimento por um magistrado; e iv) há de se liberar conhecimento do procedimento e das provas nele produzidas aos investigados. Com pedido de vista do ministro Luiz Fux, a sessão foi adiada.
Com o adiamento do julgamento do Pretório Excelso acima mencionado, o impasse continua. Ademais, enquanto o Congresso Nacional e o STF não chegarem a uma definição, os índices de criminalidade no Brasil continuam em franco crescimento sem que haja uma resposta satisfatória do Estado. De fato, segundo dados da Enasp (Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública), dos quase 135 mil inquéritos policiais instaurados até 2007 no país para investigar a prática de homicídios, até maio de 2012, apenas 32% foram finalizados.
A investigação criminal pelo Ministério Público, indubitavelmente, é assunto polêmico, divide opiniões e ainda está indefinido. A tendência, percebe-se, é de que seja definitivamente liberada. Nesse caminhar, a Polícia e o Ministério Público, sem que a atuação de uma exclua a missão do outro, doravante, estarão irmanados e juntos no combate à criminalidade. A sociedade, até então refém do crime e da violência, terá mais paz, tranquilidade e segurança. Que o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal não criem maiores obstáculos!
Roberto Moreira de Almeida é membro do Ministério Público Federal perante o Tribunal Regional Federal de São Paulo. Doutorando e mestre em Direito. Professor universitário e autor de livros jurídicos.
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