A falta de um programa de prevenção e enfrentamento ao suicídio torna ainda mais grave a situação de policiais federais que enfrentam problemas de saúde mental no Brasil. O diretor jurídico da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Flávio Werneck, acredita que, apesar de já termos iniciado um processo de discussão sobre uma solução conjunta entre Fenapef e PF, há, “no mínimo”, um longo período de omissão por não se implementar um programa institucional de prevenção ao suicídio no âmbito da PF. Werneck falou, nessa quarta-feira (30) à Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado em audiência pública que debateu os elevados índices de suicídios entre os agentes de segurança pública do País.
“Os dados são alarmantes. Mas, na Polícia Federal, são proporcionalmente piores”, assegurou. Ele apresentou dados demonstrando que, nos últimos cinco anos, 49 policiais homens e uma mulher cometeram suicídio. Desse total, 27 eram agentes, oito escrivães, três papiloscopistas, oito delegados, dois peritos e dois servidores administrativos.
Se a Polícia Federal fosse um país, estaria entre as Nações com maior índice de suicídio do mundo. Seria o sétimo país em número de suicídios em relação à sua população total, mostrou o diretor. Ele avalia que o assédio moral e o terror
psicológico detectado em alguns períodos (como pós-greves ou pós- manifestações públicas) contribuem enormemente para as condições críticas de saúde mental e das relações internas na corporação.
Uma pesquisa de 2015, realizada com apoio de duas psicólogas que atuam no Sindicatos dos Policiais Federais do Distrito Federal (Sindipol-DF) e protocolada na Polícia Federal e no Ministério da Justiça,demonstra que 58% dos policiais federais estão desestimulados ou desmotivados; 49% manifestam sintomas de depressão; 48% apresentam pessimismo; 21% sinalizam ideação suicida.
Entre os desesperançados, 83% se consideram desvalorizados pessoal e profissionalmente; 74% se mostram indignados. 46% demonstram sentimento de raiva; 39% de inutilidade e 18% revelam ter medo.
Tomando-se por base o número de entrevistados que se demonstraram desejo de suicídio, 4% declararam já ter tentado, outros 4% desejaram cometer homicídio.
Moro também defende enfrentamento do problema
Werneck informou que, anualmente, a Fenapef vai aos gestores da Polícia Federal e ao Ministério da Justiça para pedir providências. Em setembro último, o presidente da Fenapef, Luís Antônio Boudens, e o vice, Luiz Carlos Cavalcante se reuniram com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, para falar sobre o problema e entregar os dados revelados pelas pesquisas mencionadas na audiência pública dessa quarta-feira.
Na ocasião, os dirigentes também pediram ações efetivas para proteger o policial federal. Entre as medidas que a Fenapef considera indispensáveis está a atualização e reedição da portaria interministerial n⁰ 02 de 2010, que estabelece as Diretrizes Nacionais de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos dos Profissionais de Segurança Pública. Segundo Boudens, as medidas previstas na norma nunca foram cumpridas de maneira constante e efetiva.
O ministro concordou que as medidas adotadas pela PF são insuficientes e solicitou que a Diretoria de Gestão de Pessoal busque alternativas, com apoio da Fenapef. Atualmente, a PF apenas retira a arma do profissional depois que ele informa que está em sofrimento mental.
Em sua palestra no debate da Comissão de Segurança Pública, Flávio Werneck pediu agilidade na definição de um plano que enfrente com efetividade o problema, uma vez que os índices de suicídio continuam subindo na corporação. Em agosto, o Grupo de Estudo de Pesquisa em Suicídio e Prevenção (Gepesp), ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), divulgou pesquisa apontando que o número de suicídios entre os agentes de segurança pública mais que dobrou nos últimos dois anos.
“Essas providências nunca são tomadas”, queixou-se o diretor jurídico. Em meio às cobranças da entidade, a Policia Federal alertou que o “Ministério da Economia negou a contratação de novos psicólogos”, prosseguiu. Atualmente, há 15 psicólogos para todo o efetivo da Polícia Federal e não existe um programa institucionalizado dentro do órgão.
Pressão institucionalizada
Para o diretor jurídico da Fenapef, além de todas as pressões que os policiais federais sofrem por integrarem uma força de segurança pública, ainda precisam enfrentar um clima institucionalizado de disputa dentro da corporação. Há procedimentos disciplinares que vão muito além do que é destinado a outros servidores públicos. “Somos regidos por um regime disciplinar contemporâneo do Ato Institucional II (1965) – uma legislação draconiana.
Agente da Polícia Federal e autor da Proposta de Emenda Constitucional que redefine a carreira e as atribuições da Polícia Federal, a PEC da Eficiência da PF -, o deputado Aluísio Guimarães Mendes (PSC-MA) disse que a audiência pública serviu para identificar problemas graves que existem em todas as polícias brasileiras. “Nós temos os maiores índices de suicídio entre policiais em todo o mundo. E, neste universo, a Polícia Federal concentra os maiores índices. Então, algo de muito errado está acontecendo nas nossas instituições e, principalmente, na Polícia Federal”, observou.
O parlamentar disse que o debate mostrou caminhos para enfrentar o problema: “tratamento prévio, atenção aos sintomas e, principalmente, a mudança na forma de gestão das nossas polícias”, recomendou. Ele reforçou que o assédio moral é um dos principais causadores das más condições de saúde mental dos profissionais de segurança pública. “Temos pesquisas que mostram que o assédio moral é um dos principais gatilhos que levam ao suicídio”, disse. E acrescentou: “agora cabe a nós identificar uma política pública para que possamos coibir esses índices que são tão alarmantes”.
O debate, presidido pelo deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos -AM) reuniu representantes de bombeiros, policiais militares, policiais federais, policiais rodoviários e agentes penitenciários. Para o parlamentar, um dos papéis da comissão é fiscalizar a execução de políticas públicas. “Nós temos que criar novas políticas para cuidar do nosso policial. Nosso servidor de segurança pública tem sido esquecido. Não é só colocar uma farda e dar uma arma, se são poucas as condições para entrar nessa guerra diária”, afirmou.
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