Fonte: SINDIPOLF/SP
O vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de LIma, faz uma análise sobre a segurança na época da olimpíada no Brasil
Até o próximo dia 05 de agosto, data em que teremos o início dos jogos olímpicos, a preocupação estará voltada para a segurança no Rio de Janeiro e outros estados. Estamos preparados? O que nos preocupa mais: a violência interna ou o terrorismo?
O vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, faz uma análise sobre a segurança neste período em que os olhos do mundo estarão atentos para o Brasil. Ele responde também perguntas de policiais enviadas para o PORTALSP.
“Fazer essa critica e essa análise de risco, não significa desqualificar o trabalho que está sendo feito, muito pelo contrário, precisamos valorizar o profissional, valorizar o policial da ponta, dizendo que muitas vezes a prática institucional, a forma como a polícia está colocando ele na ponta não esteja certa”, explica o vice-presidente.
“Muitas vezes, ele (o policial) vai para frente de policiamento, nem totalmente equipado, nem totalmente protegido, nem totalmente motivado. Ai acaba aumentando o risco de confrontos, de enfrentamentos e de violência. Uma forma de você mitigar os riscos nas Olimpíadas é valorizar os profissionais de segurança que estão indo pra lá e os policiais do próprio Rio de Janeiro, que se esforçarão para garantir o sucesso dos jogos”, comentou.
Veja abaixo a entrevista:
PORTALSP: Como o Senhor vê as Olimpíadas no Rio de Janeiro na questão de segurança pública?
Renato Sérgio de Lima: Quando falamos de segurança pública e violência, sempre vem à cabeça, em nosso imaginário, exatamente o Rio de Janeiro, mas aquestão não é exclusiva de lá. A grande questão é que o problema de segurança pública é nacional.
O Brasil ainda não acordou para o fato de que é um país violento, de que é um país extremamente perverso; que aceita a crueldade da violência no campo, da violência contra a mulher, contra jovens, crianças e adolescentes, banalizadas e graves. E no Rio de Janeiro, por mais que estejam ‘acostumadas’ (eu diria entre aspas), a essa realidade, o debate é muito presente na sociedade carioca.
Temos situações muito graves de violência no país como no Rio Grande do Sul e nos estados do Nordeste, com taxas altas de violência e mortes. Então, o Rio não está sozinho na tragédia, não está sozinho na incompetência do país em reduzir a violência.
O termo não pode ser diferente. Somos incompetentes em reconhecer e diminuir o problema da violência e uma das razões é exatamente porque não aceitamos falar em segurança pública que não seja falar só de polícia.
PORTALSP: Qual o principal risco das Olimpíadas hoje?
Renato Sérgio de Lima: – O principal risco é que a violência atinja não só uma atividade dos próprios jogos, mas comprometa a própria imagem do país perante o mundo. É possível um ataque terrorista? É. As medidas estão sendo tomadas? Se for um ataque terrorista externo sim, estamos trabalhando de forma articulada com várias agências de inteligência do mundo todo. Grandes ataques? O risco existe, mas o maior risco é que o modelo do Estado Islâmico provoque algum ataque de lobo solitário (individualizado, racionalizado), mais simples de ser operacionalizado.
Qual a tática adotada que deve funcionar para os atletas das Olimpíadas? A do isolamento. Você coloca milhares de policiais, de agentes de segurança, fazem cinturões em torno dos locais onde terão as competições e estarão seguros. Porém, fora disso, a população continua correndo os mesmos riscos.
PORTALSP: Em entrevista, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes afirmou que o maior legado das Olimpíadas para a Segurança Pública será a integração entre as forças policiais. O senhor acredita que essa integração será efetiva após o evento?
Renato Sérgio de Lima: Não. Nós tivemos essa mesma fala durante a Copa, compramos milhões de reais em equipamentos, centros de comandos integrados, investimos dinheiro em tecnologia, incentivamos a cultura da integração, mas não demos um passo além de buscarmos mais equipamentos e dinheiro. Então, não adianta só isso.
Se eu não mudar a forma de trabalho das instituições de segurança, não faço integração coisa nenhuma. São culturas organizacionais completamente diferentes. Se eu não conseguir convencer cada uma dessas instituições a trabalhar de forma articulada e integrada, não conseguirei trabalhar uma integração.
Hoje o nosso sistema reforça antagonismos e não tem tecnologia que dê conta, se não adotar medidas claras de cooperação e intercâmbio de práticas.
PORTAL SP: Parte do efetivo será deslocada para reforço da segurança no Rio e aeroportos. Essa maior segurança nas Olimpíadas não pode resultar em menor segurança para outras regiões?
Renato Sérgio de Lima: Sim e não. A lógica da Força Tarefa, de reunir recursos humanos e logísticos em torno de um problema, é tirar de algum lugar e esses lugares ficam desguarnecidos, mas não quer dizer que no lugar que existia, o trabalho era bem feito.
Quando outra pessoa faz a pergunta, vai desguarnecer outros lugares? Vai. É ruim? É, mas um evento da magnitude das Olimpíadas não tem outra saída porque eu não conseguiria contratar outras pessoas. Nenhum país do mundo fez isso.
Precisamos saber como se faz um planejamento adequado para que um recurso que está temporariamente alocado para uma situação, tenha o impacto da retirada menor possível. Faço isso administrando escalas de trabalho, remanejando férias, repensando protocolos de atuação para aquele momento em que a Força Tarefa estiver atuando.
Força Tarefa – “A Força Tarefa funciona como funcionou na Copa e funcionará nas Olimpíadas. Mas a natureza da Força Tarefa é enfrentar um problema de cada vez, jogando muito recurso. Quando o problema é mitigado, as polícias voltam a fazer as mesmas coisas que faziam e não há integração.
Na ideia de mobilização em torno de um problema, a Força Nacional é um projeto que precisa ser repensado, desde seu início, porque ele drena recursos das Forças Estaduais. Os recursos passam a ganhar o dobro do valor, depois, quando voltam geram uma série de fricções e problemas. ao mesmo tempo, é um projeto importantíssimo.
Temos que pensar como consolidar uma força auxiliar às polícias e não às forças armadas e que estivesse de prontidão. Da forma como é hoje, vira um dreno de recursos, sem nenhum impacto mais substantivo”, analisa o vice-presidente do FBSP.
PORTALSP: Para prevenção às eventuais ações terroristas não seria fundamental o reforço na segurança das fronteiras?
Renato Sérgio de Lima: Como a gente faz segurança nas fronteiras de forma efetiva? Acho que um dos poucos países que consegue fazer uma segurança muito forte é Israel, nem os EUA com sua fronteira do México, dão conta. Israel consegue fazer isso, por suas condições étnicas, culturais e da forma como o Estado lida com o problema.
O grande problema hoje das fronteiras não é se irá desguarnecer o que já é permeável. É como controla quem entra e quem sai, se você sabe quem entrou no país e com o que entrou. O Brasil não tem capacidade econômica e recursos necessários para fazer com que tenhamos um verdadeiro escudo nas fronteiras. A gente não consegue evitar.
PORTALSP: O que precisaria ser feito para ter esse controle? O que é necessário?
Renato Sérgio de Lima: Um pouquinho de tudo e, principalmente Inteligência. Cruzando informações, gerando confiança na população que mora na região fronteiriça, você consegue saber as intenções de quem chega e quem sai. É complexo, exige que os policiais conheçam as fronteiras, que conheçam o local, que tenham recursos para trabalhar, incentivo, logística, equipamentos adequados, mas, não é fazendo um cinturão de Rambos que a gente vai conseguir resolver o problema.
PORTALSP: Os policiais de outros estados estão preparados, em sua opinião, para a realidade de segurança do Rio de Janeiro?
Renato Sérgio de Lima: Polícia em qualquer lugar do mundo tem a ver com território, com a organização do espaço público e urbano. Então, sem dúvida nenhuma, não tem policial nenhum no restante do país que está preparado para ir para o Rio de Janeiro ou vice-versa. Exige uma fase de aclimatação, uma fase de preparação para saber aonde e como ir, e é por isso que o planejamento e treinamento são importantes. Por isso a mobilização antes, na véspera. Isso é uma tarefa do Serviço de Inteligência e, principalmente, do Estado do Rio de Janeiro. A questão do terrorismo está sendo enfrentada por alguns, mas o dia a dia do crime comum, sem dúvida, são as polícias do Rio que dirão onde precisam de mais ajuda.
Renato Sérgio de Lima: Eu deixo claro que a violência interna é o maior problema, mas a gente também não pode desconsiderar ataques terroristas. Se o Brasil repetir o padrão de não controlar a violência interna ou deixar que a polícia faça as mesmas coisas que faz nas periferias das grandes cidades, será muito feio para o país.
PORTALSP: Além de ataques terroristas e violência interna, ainda podemos deparar com manifestações…
Renato Sérgio de Lima: Isso vai ser mais difícil porque será uma prova de fogo do preparo das polícias: como lidarem com as manifestações legitimas da população. Nossas polícias mostrarão se avançaram desde 2013 ou se repetirão situações de confronto que não nos orgulham, muito pelo contrário, só mostram o quanto estamos sendo completamente ineficientes em garantir direitos e paz para a população.
PORTALSP: Se ainda houvesse tempo e pedissem seu conselho: Nos dias atuais, recusamos ou aceitamos as Olimpíadas aqui?
Renato Sérgio de Lima: No contexto de crise política e econômica, não seria interessante fazer um jogo desta magnitude, mas no contexto de retomada da institucionalidade, a partir disso, nenhum problema em realizá-lo e pode ser um grande exemplo. Se olharmos com o olhar do presente, vamos ver mais problemas do que virtudes, mas já que topamos o desafio, ele pode ser um momento de reflexão e, para tanto, o seu sucesso dependerá da capacidade de nossos governantes e não de nossas polícias, de nossas forças de segurança e justiça, em deixar o discurso de lado e partir para a prática.
“De 2013 / 2014 pra cá, vimos o fortalecimento do lado externo, do Estado Islâmico, facções terroristas, o crescimento da xenofobia e intolerância em vários
países; de demandas de fechamento de fronteiras; expulsão de refugiados. Em 2001, nós tínhamos um modelo de organização terrorista, a Al-Qaeda, que focava grandes atentados e o mundo se preparou evitá-los. O Estado Islâmico inaugurou o modelo lobo solitário que é quase impossível prevenir 100%. Uma característica fundamental, que se torna ainda mais complexa, que é quase sempre recrutando radicalizados, cidadãos dos próprios países sem passar pelas fronteiras externas.
No contexto brasileiro, temos o crime urbano, altas taxas de violência, balas perdidas, uma relação extremamente difícil entre polícia e sociedade; um quadro que não ajuda muito. E política, uma crise muito grave associada a isso, de incertezas muito grandes sobre as perspectivas do Brasil. As Olimpíadas acontecem em um momento muito difícil para o país, porque está num momento de se repensar qual o projeto de país e de desenvolvimento que estamos levando a cabo?
No plano externo uma série de acontecimentos e no plano interno uma enorme crise de identidade política, econômica, desprezo pela área de Segurança Pública e incompetência extremamente histórica de como lidar com o crime e com a violência. Se conseguimos implementar o que já existe (Renato de Lima faz uma menção às leis), punir os responsáveis, identificar e reduzir padrões de letalidade, poderíamos fazer que o Estado funcionasse de forma mais eficiente”- Renato Sérgio de Lima, Vice-Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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