Presidente do Sindicato dos Policiais Federais do DF alerta que foro privilegiado retarda o andamento das investigações contra políticos e autoridades.
O atual presidente do Sindicato dos Policiais Federais do DF (Sindipol/DF), Flávio Werneck, falou ao Movimento pelo Fim do Foro Privilegiado, Chega de Desaforo, um pouco de sua trajetória como PF e da luta da corporação para combater a corrupção e os privilégios no país. Flávio observa que a burocracia atrapalha as investigações e que os policiais federais se adaptaram para não perder provas e seguir em frente com as operações, “driblando a burocracia” quando possível. Aponta também que o ambiente de trabalho da corporação é ruim e espera que a Lava Jato deixe o legado positivo. Confira a entrevista do mineiro de Juiz de Fora que é formado em Direito e está na Polícia Federal desde 2003.
Movimento DesaFORO: O que mais te marcou na sua trajetória como Policial Federal?
Flávio Werneck: Olha, os primeiros momentos logo após a posse, um policial nunca se esquece. Tomei posse em Rio Branco/AC. Trabalhei bastante em Epitaciolândia, no Acre, fronteira do Brasil com a Bolívia. Essa parte de atuar com imigração é um pouco delicada. Lógico que participar de grandes eventos como os jogos (Pan-Americanos e Para-Pan), no encontro mundial da Interpol foram experiências enriquecedoras, mas os primeiros dias, ali numa cidade da fronteira, marcam muito.
MD: E como surgiu essa vontade de se tornar um líder sindical?
FW: Foi consequência do dia a dia da polícia e também do estudo. Eu sou escrivão e percebi que a maioria das investigações não anda por causa da burocracia. Excesso de papel. Passei a estudar como é que aconteciam nos outros países as investigações de casos semelhantes. Observei que nós estamos na contramão do mundo inteiro. Enquanto lá fora as investigações se valem da meritocracia, da eficiência, da rapidez e do uso de tecnologia, – por exemplo, esta entrevista está sendo gravada por meio de um celular – aqui no Brasil isso é impossível para nós, policiais federais. Não se pode fazer uma oitiva de ninguém com um celular (gravador). Não tem valor de prova. Aqui, tem que fabricar papel. E esse mesmo rito se repete quando o inquérito vai para o Judiciário. Tudo muito burocrático. Repetições de atos e baixo nível de eficiência do nosso sistema.
MD: Aí fica difícil de investigar?
FW: Outro exemplo claro é um policial federal formado em Tecnologia da Informação, ele pode ser até o melhor, não pode ser o chefe da área de crimes cibernéticos. No Brasil, tem que ser um bacharel em Direito. O chefe da Comunicação Social da Polícia Federal, não é alguém que tenha formação nessa área – comunicação. Tem que ser um bacharel em Direito. Não estou dizendo que não tenha capacidade para isso, mas por que tem que existir essa regra? Ou seja, estamos andando na contramão do que é melhor para fazer a investigação. Foi aí que eu percebi que há interesse para que o sistema não funcione. Existem pessoas que não querem que a segurança seja eficiente. E o caminho para mostrar esses erros era o compromisso do movimento sindical na Policia Federal.
MD: E como é o ambiente dentro da Polícia Federal?
FW: Veja isso (mostrando um calhamaço de papel). Isso aqui é um relatório com uma lista de inúmeros colegas que se encontram em atendimento psicológico, principalmente, por causa do assédio moral. O ambiente hoje é péssimo, apesar de toda a glamourização. A máquina do Estado é usada para não mudar o atual sistema, que é totalmente inadequado para os policiais. Na verdade, o nosso sistema de segurança pública é inadequado para toda a sociedade. Paramos no tempo; sendo mais exato, no Império Brasileiro.
MD: Então, qual seria a solução para mudar esse cenário?
FW: É mostrar as mazelas e falar com quem pode ajudar a alterar as regras. É ir lá no Congresso Nacional, e perguntar para os parlamentares: – O senhor gostar dos Estados Unidos, deputado? Pois é, lá é assim. O nosso sistema é velho, é arcaico. Aqui se dois presos brigarem dentro do presídio, tem que acionar a Polícia Civil, levá-los na delegacia, lavrar o termo, levar no IML e, depois de tudo isso, voltar para o presídio. Nos EUA, o próprio “agente penitenciário” faz isso, se precisar de médico, já tem no local. Aí o agente lavra o termo e encaminha para o Ministério Público. Quer dizer que aqui um agente com nível superior não vai saber escrever? Fica difícil, né. Já apresentamos um projeto para mudar essa metodologia investigativa. Outro, para dar poder a qualquer agente de segurança para fazer esse relato do fato e entregar direto para o MP. Vamos continuar lutando para que a meritocracia seja reconhecida. Investigação não se aprende em banca de faculdade. Para se investigar a corrupção, lavagem dinheiro, precisa de gente que saiba como pode ser cometido esse tipo de crime.
MD: Para você, a Operação Lava Jato mudou um pouco a forma de se investigar no país?
FW: Nós temos dois grandes marcos nos país: Mensalão e a Lava Jato.
MD: A partir do Mensalão, a PF passou a ter mais autonomia para investigar?
FW: Acredito que a gente sempre teve a independência em relação a investigar. O que importa é que o investigador tenha independência para realizar o seu trabalho sem influência política e sem influência de chefes. Nós, policiais federais, aprendemos a investigar dentro da burocracia que nos é imposta.
MD: Isso partiu por parte do policial?
FW: Do policial. Nós nos adaptamos. Teve várias operações que foram anuladas por causa da burocracia na Justiça. Por exemplo: Jaleco Branco, Boi Barrica, Satiagraha. Várias operações grandes de desvios de recursos públicos, de corrupção e crimes do colarinho branco que foram anuladas. Aí o policial foi mapeando onde estava errando. Esses casos foram anulados por problemas processuais e burocráticos, e não por problemas de provas. E te falo mais. O próprio Judiciário se adaptou a esses tipos de crimes por não ser comum investiga-los.
MD: Houve uma convergência?
FW: Sim. Se não, não teríamos avançado. O próprio Joaquim Barbosa, o Sérgio Moro e o Teori Zavascki, fizeram adaptações para que as investigações continuassem diminuindo um pouco as exigências burocráticas. Se não, as coisas não teriam andado.
MD: A burocracia atrapalha o combate à corrupção?
FW: Muito. Mas, muito mesmo. O inquérito policial, atualmente, parecer um encarte. É muita juntada de papel, carimbos, datas, prazos e etc, que são desnecessários no resto do mundo. Mas, aqui não. Às vezes, 70 ou 80% do que está ali naquele encarte, não serve para nada. Isso não é investigação.
MD: Se nas investigações tiver alguém com o foro…
FW: Aí fica pior. Mais burocrático ainda. Nós temos essa dificuldade que é imposta pela lei. Tudo isso por uma circunstância de uma falsa ampla defesa, falso contraditório. A ampla defesa e o contraditório existe em Portugal, no Chile, nos EUA, enfim, o problema é como que é interpretado isso. Hoje o foro privilegiado atrapalha demais. Mais de 90% dos casos julgados que tem alguém com foro, não têm andamento. Esses processos atingem a prescrição. A tramitação da papelada demora demais. Aí quando o réu troca de cargo, o processo sai de um lugar e vai para outro. Esse mesmo réu sobe de cargo, troca de instância de novo. Em meio a isso, os advogados vão protocolando recursos para atrasar mais ainda o trâmite. Chamam isso de ampla defesa, mas nós sabemos que são recursos protelatórios. Quando vê, atinge-se a prescrição.
MD: O fim do foro seria o ideal?
FW: Com certeza. Seria ótimo. O projeto que está na Câmara é um ótimo avanço, pois somente o presidente e vice-presidente da República, presidente da Câmara, presidente do Senado e o presidente do STF continuariam com o foro. Passaríamos de cerca de 55 mil políticos e autoridades com foro para apenas 5 cargos. Um avanço primordial porque na primeira instância o julgamento é mais rápido do que nas instâncias superiores onde se tem menos juízes, menos desembargadores e menos ministros do que na Justiça comum. É como se fosse uma pirâmide. São onze ministros no STF que tem que se ocupar com inúmeros casos e não têm tempo para realizar investigações aprofundadas.
MD: E como você está vendo a indicação do juiz federal, Sérgio Moro para o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro?
FW: Excelente.
MD: A indicação dele é a garantia que a Operação Lava Jato seguirá adiante?
FW: Na verdade, toda investigação tem começo, meio e fim. Independente do juiz Sérgio Moro estar à frente ou não. O que tem que ficar é o legado. A Lava Jato copiou o modelo de força-tarefa americano. O procurador da República está ao lado do investigador que está próximo ao juiz.
MD: Isso que levou a Lava Jato a andar para frente?
FW: Eu tenho certeza absoluta. É a tal da redução da burocracia que eu citei. Esse negócio do motorista levar o processo para o Judiciário, depois Ministério Público, e vai e volta, leva o processo para um lugar, depois vai para outro, enfim. No formato que foi utilizado na Lava Jato, não. O MP chega para o investigador e fala quero essa e essa outra prova e já está na mão.
MD: Seria o formato ideal a ser adotado no Brasil?
FW: Poderia ser. É um formato a ser estudado. Podemos também buscar modelos de países vizinhos: o Uruguai e o Chile têm um sistema de julgamento abreviado. Nesses países, quando a pessoa é presa em flagrante ele já deve ser apresentado ao juiz em menos de 24 horas e de lá já sai cumprindo pena, havendo acordo entre acusação e defesa. Estou falando porque eu vi, eu acompanhei julgamentos abreviados no Uruguai. Para que você precisa do inquérito, da burocracia, se todas as provas estão ali: autoria e materialidade. É isso que precisamos no Brasil.
Matéria original no Blog Chega de Desaforo: https://blog.desaforo.com.br/post/181203580409/fl%C3%A1vio-werneck-reclama-que-a-burocracia-atrapalha
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