Por: Nivio Boelter Braz
Há exatamente 31 anos e 4 meses, ingressei no Departamento de Polícia Federal. Então com 20 anos de idade, nada sabia sobre o funcionamento do órgão, apenas que a Delegacia onde fui lotado teria um ou dois delegados liderando uma grande equipe de agentes e um ou dois escrivães. Sim, era assim que fazíamos polícia naquela época, com cerca de 150 a 200 inquéritos policiais para dar andamento, com poucas e velhas máquinas de escrever.
Foi a partir disso, sem salários decentes, sem viaturas sofisticadas, sem armas modernas, sem comunicação eficaz, sem recursos financeiros, sem equipamento de auxilio técnico algum, sem isso, sem aquilo etc, mas com um ideal, uma vontade de fazer polícia e de servir à sociedade, com espírito de corpo. Assim formamos as bases do que veio a ser a Polícia Federal, admirada no País nos dias de hoje.
Isso durou até o ano de 1988 (ano da promulgação da atual Constituição Federal), que marcou o início do fim. Foi nessa ocasião que as bases do fim foram escritas, quando uma parcela das forças policiais formada por delegados de polícia abdicou de todas as prerrogativas das policias, em troca da famigerada isonomia salarial com as carreiras jurídicas. Ali se estabeleceu a traição histórica nos organismos policiais.
No DPF, passamos a ter salários inferiores ao valor do desconto da contribuição previdenciária dos delegados, que já naquela época procuravam nos iludir, dizendo: “Fiquem calmos que estamos cuidando da situação de vocês”.
Aguardamos por anos, sem que nada fosse feito por eles. Foi nessa época que as raízes do movimento sindical foram fincadas e que trouxeram um pouco de estima para continuarmos a lutar.
A única coisa que recebíamos da classe dirigente eram perseguições e retaliações disciplinares. Ainda assim, lançamos as bases de praticamente todas as ações que engrandeceram a Polícia Federal. Nada foi criado por delegados e, sim, por aqueles que labutavam nas dificuldades e dali tiravam as idéias inovadoras. Dentre elas, destaca-se a área de inteligência policial, criada e estruturada exclusivamente por escrivães, agentes e papiloscopistas (EPAs). Os delegados só vieram a se interessar pelo assunto quando vislumbraram visibilidade e possibilidades de promoção pessoal.
Conquistamos a maioridade com o nível superior e passamos a ser invejados. À época, um dos membros do Conselho Superior de Polícia escreveu uma “pérola”: “Somos contra o nível superior, pois o nosso país terá dificuldades em oferecer quadros suficientes para a Polícia Federal”. Como podem ver, coisas absurdas não são privilégio dos dias atuais.
Enquanto os delegados ficavam alheios às investigações, trancados em seus gabinetes, éramos requisitados pelo Poder Judiciário e Ministério Público para explicar as investigações da Polícia Federal em juízo.
A chamada classe dirigente passou a emitir instruções normativas, portarias e todo tipo de norma para diminuir a nossa importância e criar uma ilusão de supervalorização do cargo de delegado (vide “Manual de Planejamento Operacional”). Com essas normas, os delegados passaram a se autopromover, às custas do nosso suor.
Formou-se um “clubinho”, onde delegados trocam favores uns com os outros para escrever em seus assentamentos funcionais quem coordenou ou executou tal número de operações. Ficou assim: te convido para executar a minha operação e tu me convidas para executar a tua. Tiraram todos os EPAs das chefias de equipes, justamente para colocar o maior número de delegados em evidência, sugando o trabalho alheio.
Enquanto isso, continuamos a planejar e executar grandes operações policiais, com dezenas de agentes trabalhando de forma exaustiva, sem dias de descanso, sob a “coordenação” de um delegado, trabalhando alguns minutos durante dias úteis. Isso tudo porque ainda acreditávamos que poderíamos conquistar o nosso reconhecimento, trabalhando lado a lado, resguardadas as exigências legais das atribuições exclusivas dos delegados, previstas em lei.
Enquanto buscávamos nossa melhoria de condição, descobrimos que éramos boicotados e combatidos pelos delegados junto ao Governo Federal, sob os mais incríveis argumentos. Falavam de quebra de hierarquia, mas se esqueceram que no passado um EPA de classe especial já ganhou salário equivalente ao de um delegado de primeira classe e não se tem notícia de qualquer ato de quebra de hierarquia por isso.
Não queremos ser delegados. Não queremos presidir inquéritos, nem o queremos mandar em delegado. Então, porque essa perseguição às nossas pretensões?
Hoje, ainda, alguns delegados tentam apelar para nossos princípios: “- Vocês vão acabar com a Polícia Federal”. Ao mesmo tempo, continuam a emitir um sem número de normas para nos rebaixar.
Dá para acreditar que nos dias de hoje, em delegacias do interior do Rio Grande do Sul, um EPA é “supervisionado” por QUATRO delegados? Antes que alguém me chame de “maluco”, já vou explicando. É sabido que em nossas descentralizadas existem setores de delegacias onde está lotado apenas um EPA responsável pelo setor. Naturalmente, esse EPA é subordinado e supervisionado pelo delegado chefe da Unidade e pelo delegado substituto. Criaram mais a função de delegado supervisor e delegado supervisor substituto. É o fim do mundo mesmo, pois estamos em 2012.
Tudo isso tem explicação Nos últimos 10/12 anos, o número de delegados foi inflado de forma incrível e hoje eles estão com um número ínfimo de IPLs per capta (em algumas unidades chega a 30 ou 40, enquanto da Polícia Civil é de 3 mil a 4 mil). Aí tem delegado que não tem o que fazer. Por isso, se criam essas maluquices, tornando todos superiores hierárquicos aos EPAs.
Em 1981, tínhamos uma relação de 30 agentes para cada delegado. Hoje são 2,5 agentes por delegado. Aí está explicada a estratégia de dar fim às atribuições da Polícia Federal, em troca da priorização do IPL e do cargo de delegado.
Os delegados falam em carreira jurídica, mas se apossam de funções de chefia, que não são jurídicas, com a única finalidade: de extinguir essas atividades. Para entender melhor o assunto, vale a pena pesquisar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), em tramitação no Congresso Nacional, defendida pela Polícia Rodoviária Federal com o apoio da ADPF, que cria a Policia Judiciária da União e a Polícia Federal Ostensiva.
Poderia escrever dezenas de páginas sobre a situação, mas cada um que já passou ou está vivenciando o nosso problema também pode acrescentar muito mais sobre o assunto.
Com certeza, estamos lutando a última batalha da última guerra. Ou nós conseguimos acabar com essa situação e adquirimos reconhecimento funcional e salarial, ou então é o fim.
Mas se chegarmos a essa situação, antes de apagarmos as luzes, devemos procurar os parlamentares e os membros do Ministério Público Federal de todo o País, para relatar o que está ocorrendo no DPF.
Não nos enganemos. Nossas chefias estão realizando muitas reuniões, nas quais ao invés de se procurar soluções para o problema estão editando novas INs, Portarias etc, ainda mais retrógadas e fomentadoras de ódio.
No futuro, quando alguém for estudar como foi o extinto Departamento de Polícia Federal, vai encontrar a fórmula exata para destruir uma instituição respeitável.
Nivio Boelter Braz, agente de Polícia Federal, servindo o País há mais de 31 anos na instituição. Bacharel em Ciências Contábeis (1983) e em Direito (1987). (Publicado no site da Fenapef)
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