Em oito anos, 15.803 pessoas foram presas pela Polícia Federal em 1.251 grandes operações de combate à corrupção e ao narcotráfico, entre outros crimes. Apesar do número recorde de detenções preventivas — boa parte delas relaxada depois pela Justiça —, as autoridades de segurança da área federal chegam ao fim do governo Lula às voltas com problemas centrais no combate à violência: a vulnerabilidade das fronteiras e o intenso comércio de armas pelo crime organizado.
— A questão das fronteiras ficou para a agenda do próximo governo — reconhece José Vicente Tavares, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estudioso da segurança pública no país.
A promessa de fechar as fronteiras ao narcotráfico e, em menor escala, ao contrabando de armas, surgiu na campanha de 2002, como um contraponto às dificuldades enfrentadas na área pelo expresidente Fernando Henrique Cardoso.
Em seu discurso de posse, em 2 de janeiro de 2003, o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, classificou de inaceitável o poderio do narcotráfico de coibir o direito de ir e vir e até de decretar toque de recolher em alguns morros do Rio à revelia do Estado.
A partir dali, o governo aumentou o efetivo da Polícia Federal e triplicou os investimentos em segurança pública.
Mas, ainda assim, drogas continuam chegando em escala industrial às grandes cidades brasileiras, e agora também às pequenas. Tentáculos do crime organizado baseados na Bolívia e na Colômbia abastecem 100% da cocaína consumida no Brasil. Do Paraguai, segundo a própria PF, vem 70% da maconha absorvida pelo mercado nacional.
Recentemente, o crack, um substrato da cocaína, esteve a ponto de ser classificado como epidemia pelo Ministério da Saúde, tamanho é o estrago que vem fazendo na sociedade brasileira, principalmente na população de baixa renda.
O problema é tão grave que acabou sendo um dos poucos temas da segurança pública a entrar no debate eleitoral.
O candidato do PSDB, José Serra, acusou o governo de negligenciar as fronteiras. A presidente eleita, Dilma Rousseff, rebateu com alusão aos Vants (Veículos Aéreos Não-Tripulados).
Mas ela estava apontando para uma medida futura. O contrato para a compra de 12 Vants, projeto portentoso que consumirá de R$ 654 milhões, foi assinado este ano. Mas as primeiras aeronaves só devem chegar ao país em janeiro.
Aviões israelenses de guerra, os Vants têm lentes superpoderosas que permitirão melhorar a ação dos fiscais.
O investimento é alto, mas críticos do governo, como o sociólogo Cláudio Beato, da Universidade Federal de Minas Gerais, acham que não será suficiente.
— Estamos vendo lá nos Estados Unidos, que têm uma muralha nas fronteiras e, mesmo assim, não controlam a entrada de drogas — disse Beato.
Oito anos depois de seu discurso de posse, Thomaz Bastos não acha que as fronteiras brasileiras estejam desguarnecidas.
Ele chegou à conclusão de que o flagelo das drogas exige uma solução internacional pensada pela ONU. Bastos entende que só a descriminalização das drogas pode fazer frente ao caixa, cada vez mais robusto, do narcotráfico. Mas a medida teria que ser adotada por vários países ao mesmo tempo: — Acredito numa solução em que todos os países se envolvam. Acho que a opção dos EUA de guerra às drogas não deu certo em lugar nenhum.
O governo começou a administração da segurança pública a todo vapor, com o antropólogo Luiz Eduardo Soares à frente de uma reformulada Secretaria Nacional de Segurança Pública. Mas Soares acabou trombando com o então ministro da Casa Civil José Dirceu e deixou o governo em meio a denúncias de que teria contratado a mulher para executar serviços da secretaria. Com a saí- da de Soares, o governo viu murchar a ideia de reforma geral e unificação das polícias civis e militares.
O sucessor de Luiz Eduardo Soares, o delegado Luiz Fernando Corrêa, diretor da PF, entendeu que essa batalha estava perdida. Para Corrêa, a reforma das polícias passaria pela criação de uma rede de ensino superior para policiais e gestores de segurança. A padronização dos currículos e a convivência na academia seriam os meios possíveis para diminuir conflitos entre as instituições policiais.
— As polícias continuam sem conversar.
Em São Paulo, chegaram a trocar tiros.
Lamentavelmente, vejo um novo ministro (José Eduardo Cardozo) falando as mesmas platitudes — critica o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O governo também criou a Força Nacional para socorrer estados em situação de descontrole da violência e, a partir do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), lançado em 2008, passou a distribuir bolsas de R$ 400 para policias, bombeiros e agentes penitenciários. Com o projeto Territórios da Paz do Pronasci, o governo lançou as bases das bem-sucedidas, até agora, Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio. Recentemente, as Forças Armadas ajudaram as polícias do Rio na invasão dos complexos da Penha e do Alemão, e o Exército participará da ocupação nas duas áreas.
Nada disso tirou o Brasil do ranking dos países com os mais altos índices de homicídios. A taxa de assassinatos por 100 mil habitantes caiu 28,5 em 2002, último ano do governo Fernando Henrique, para 25,2 em 2007, conforme o Mapa da Violência do Instituto Sangari.
Mesmo com tendência de queda, considerada importante, o mapa coloca o Brasil entre os seis países mais violentos do mundo. O ranking é liderado por El Salvador, Colômbia, Ilhas Virgens e Venezuela, países com renda per capita bem inferior à do Brasil.
— Como diria o ministro Thomaz Bastos, na questão da segurança pública não existe um tiro de canhão. Tudo isso é um processo — afirma o ministro da Justiça Luiz Paulo Barreto.
O governo contabiliza a seu favor a criação do Conselho Nacional de Justiça, ponta de lança de combate à corrupção no Judiciário, e a instituição do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Inclui na lista encontros anuais de autoridades na Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro) e a construção de quatro presídios federais, que estavam previstos desde 1984. Mas essa é outra promessa que não chegou a ser cumprida.
No primeiro mandato, Lula prometeu construir cinco presídios federais. O prazo para inauguração era 2006. Ainda falta construir a quinta unidade, prevista para o Distrito Federal.
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