Fonte: Jornal GGN – Blog Luiz Nassif
Aprovação da MP 657 aconteceu em meio à eleição, rompendo acordos e revoltando as demais categorias da instituição
Jornal GGN – A aprovação da Medida Provisória 657/14 pelo Senado na última terça-feira (11) acendeu um debate sobre a obscuridade do processo que levou os ministérios sob comando da presidente Dilma Rousseff (PT) a romper com acordos e esvaziar grupos de trabalho formados com a intenção de reestruturar a carreira dos servidores da Polícia Federal. Editada às pressas, a MP deixou de lado as demais categorias que formam a PF – escrivães, agentes e papiloscopistas – para beneficiar apenas e subitamente os delegados da corporação.
“A partir do momento que a presidente sancionar a MP – o texto aguarda até o início de dezembro pela rubrica de Dilma – ela só vai fortalecer um modelo de segurança pública que prejudica a sociedade, e fortalecerá um cargo que concentrará informações de investigações importantes e que poderão – não estou dizendo que vão – usá-las de maneira imprópria”, disse ao GGN o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federal (Fenapef), Jones Leal.
A MP consiste em pelo menos três pontos que foram elogiadas pelos delegados:
– Estabelece que o diretor-geral da PF deverá ser escolhido pelo presidente da República entre delegados de classe especial, tornando, portanto, o cargo máximo na corporação privativo aos delegados mais experientes – Na prática, a escolha já vem ocorrendo sob esse critério há alguns anos.
– Determina que o concurso público para entrar no cargo de delegado deve exigir o diploma de bacharel em Direito e experiência jurídica ou policial de três anos;
– Obriga que a OAB acompanhe todas as fases do concurso público de delegado.
À parte os motivos para contestar o teor da MP, a Fenapef coloca em xeque, principalmente, o modo como o governo Dilma encampou o processo. Há meses, os ministério do Planejamento e Justiça vinham discutindo com as diversas categorias da Polícia Federal a reestruturação da carreira. Esse trabalho, segundo Leal, teve início antes das eleições presidenciais e tinha o prazo de 150 dias – até o final de novembro – para apresentar resultados. Mas, em meio à disputa acirrada pelo Palácio do Planalto, a MP foi editada e enviada ao Legislativo para ser votada em tempo recorde.
“Nós somos contra porque acordamos com o governo que nenhum instrumento legal, nenhuma medida provisória, nenhum projeto de lei seria encaminhado antes da conclusão dos grupos de trabalhos que estão em andamento. E esses grupos de trabalho têm o prazo final estabelecido em 30 de novembro. Ou seja, o que foi acertado era que antes do fim das eleições, nada seria feito até a conclusão desses grupos”.
Argumentos contra
Na visão de Leal, a MP 657 prejudica a Polícia Federal como um todo principalmente por dificultar a mudança estrutural necessária à revitalização da segurança pública do país.
Em um ofício distribuído no Senado antes da votação da MP 657, as associações de âmbito nacional dos Procuradores da República, dos membros do Ministério Público, dos Procuradores do Trabalho e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios declararam que são contrários à MP pelos seguintes argumentos:
1- A tramitação da matéria foi acelerada e houve pouca discussão. “A MP foi editada no dia 14 de outubro. Sua Comissão Especial foi instalada no dia 29 de outubro e o relatório foi apresentado e aprovado no dia 30 de outubro. Agentes, peritos, escrivães e papiloscopistas não foram ouvidos.”
2- É inconstitucional por não ser “urgente e relevante”, pois o artigo 62 da Constituição determina que medidas provisórias devem ter esse caráter. “A reestruturação dos cargos do Departamento de Polícia Federal não atende a esses critérios”.
3 – Fortalece um modelo de investigação obsoleto. “A opção por um procedimento investigatório judicialiforme – como o inquérito policial – não leva ao aprimoramento do combate ao crime. Considerando apenas os inquéritos policiais para o crime de homicídio, por exemplo, a estimativa atual é de que apenas de 5% a 8% sejam esclarecidos pela polícia no Brasil – percentual que é de 90% no Reino Unido, 80% na França e 65% nos Estados Unidos”.
“Para investigar bem não é preciso cursar Direito. Quem atua na área criminal sabe que o inquérito policial é composto em sua maioria de atos burocráticos, como ofícios, despachos, mandados, análises jurídicas e carimbos. Prioriza-se a formalidade em lugar da apuração dos fatos”, endossaram.
Para Leal, a medida provisória tem como objetivo alçar os delegados à carreira jurídica e, dessa maneira, abrir janela para que a categoria possa demandar a discussão da PEC 240/2013, que versa sobre funcionários de carreira jurídica receberem até 90,25% do salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
“No primeiro dia de Medida Provisória, os deputados desengavetaram uma PEC, formaram uma comissão e pleitearam os 90,25% para os delegados. Ou seja, essa MP não tem nada de bom para a sociedade. Estamos retroagindo no tempo, reforçando uma segurança pública do tempo do império português”, disparou o presidente da Fenapef.
Motivação política?
Em meados de outubro, após o Executivo ter editado a MP que seria enviada ao Congresso, o agente federal Carlos Alberto de Mello escreveu um artigo no qual sustenta que “os vazamentos da Operação Lava Jato causaram tamanho estrago na campanha da presidente Dilma que ela se viu forçada a publicar a MP 657/2014. Uma ação que agradou aos delegados da Polícia Federal e provocou uma virada no jogo político: iniciou-se o vazamento de trechos de depoimentos envolvendo o partido do candidato oposicionista (o PSDB) no escândalo.”
No mesmo texto, o agente lembra que a Folha de São Paulo publicou na edição do dia 14 de outubro a fala de Fernando Francischini (Solidariedade) sobre o assunto. Teria dito o deputado delegado que o governo teve que editar uma MP às pressas, “porque sabia que ia ser uma pancadaria. Botamos o governo de joelhos”.
Para Leal, a forma como a MP foi encaminhada dá sinais de que houve alguma pressão de ordem política e motivação eleitoral por trás das decisões. “Não temos na história uma Medida Provisória tão célere como esta, que já está na mesa da presidente desde ontem (12/11). Alguma coisa me parece estranha. Não temo como afirmar o que aconteceu, mas a gente se baliza nas palavras do deputado Francischini”, comentou.
Para o juiz de direito do Paraná Sergio Bernardinetti, a MP não apresenta nenhuma grande novidade, pois apenas versa sobre o que já é de conhecimento, de prática e constitucional. Além disso, não prejudica as demais categorias, que terão oportunidade de discutir vantagens próprias com o governo federal. “Exceto por essa grande conquista, no sentido de ser o Diretor-Geral necessariamente um DPF, a MPV 657/2014 nada fez além de dizer o óbvio. Não pode ser motivo de desunião das classes policiais”.
“Todos estes cargos, seja de delegado, de escrivão, de agente, são acessíveis a todos os brasileiros, mediante concurso público. Quem quiser ser escrivão, presta o concurso para escrivão. Quem quer ser delegado, presta concurso para delegado. Cada um tem suas atribuições, suas prerrogativas e sua parcela de autonomia, com absoluta interdependência.”
“(…) Nosso sistema Constitucional não permite, sob pena de grave desvio de função, a movimentação horizontal entre carreiras distintas. Não é uma questão de vaidades, de valores, ou de capacidade. É uma questão de legalidade”, explicou.
A OAB de São Paulo emitiu uma nota favorável à MP.
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