Advogados questionam declaração de Tarso no Supremo
Vasconcelo Quadros
O acesso ao conteúdo do inquérito sobre a Operação Boi Barrica por um recurso dos advogados do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), chocou os policiais que trabalhavam nas investigações. A polícia federal temia que o precedente colocasse em risco o segredo de outras operações que, igualmente em segredo, tinham como alvo grupos envolvidos em suspeitas de desvios de recursos públicos federais. Um hábeas corpus, concedido pelo Superior Tribunal de Justiça em fevereiro deste ano, permitiu que os advogados de Sarney retirassem cópia integral de tudo que havia sido apurado, mas o feitiço acabou virando contra o feiticeiro.
A divulgação, na semana passada, de áudios recolhidos durante a operação devassou a própria família Sarney. Todos os diálogos em que o presidente do Senado aparece discutindo a nomeação do namorado da neta, de março a abril do ano passado, captados pela escuta autorizada, ocorreram em datas anteriores ao momento em que os advogados receberam as peças do inquérito. Uma fonte da PF explicou ontem que se é difícil falar em vazamento, mais complicado ainda é apontar um responsável pela divulgação do conteúdo. Além do segredo de justiça decretado pelo próprio Judiciário no inquérito, os advogados de Sarney conseguiram quebrar também o sigilo com que a polícia trabalha.
Com os áudios contendo os diálogos, seguiu junto uma montanha de extratos telefônicos, bancários e fiscais demonstrando uma ampla movimentação financeira operada a partir da São Luiz Factoring, uma das empresas do grupo, administrada pelo empresário e filho do senador, Fernando Sarney. Até que os advogados tivessem acesso aos autos, os dados que chegaram à polícia apontavam que a São Luiz, então ignorada pelos órgãos de controle, movimentara nos últimos cinco anos mais de R$ 100 milhões em operações não declaradas ao Fisco. O problema é que o mesmo conteúdo ficou nas mãos da polícia federal, Ministério Público federal, Justiça federal e também no STJ. A dificuldade em apontar a origem da divulgação é a peça de um novo confronto envolvendo Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o governo, alimentada pela declaração do ministro da Justiça, Tarso Genro, atribuindo o vazamento à defesa de Sarney.
“É inconcebível que uma declaração dessa gravidade, feita por uma autoridade do porte do requerido (o ministro), possa ficar solta no ar, conspurcando todos os advogados, quando é notório que o tipo de vazamento realizado, uma vez mais, tem nítido caráter incriminatório e jamais partiria de advogados”, reagiu a OAB ontem, no texto de uma representação contra Genro protocolada no Supremo Tribunal federal. O recurso é assinado pelo presidente da entidade, Cezar Britto, e pelo secretário-geral, Alberto Zacharias Toron.
Genro deverá pedir informações à polícia federal sobre o trajeto das investigações até a divulgação dos diálogos. Segundo o ministro, o recurso dos advogados de defesa teria a finalidade de desviar o foco das investigações com a divulgação de peças da investigação e, ao mesmo tempo, produzir fatos para comprovar a inocência. O efeito mais forte do habeas corpus foi o salvo conduto que impediu a prisão de Fernando Sarney.
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