Carlos Carone e
Raphael Veleda
Com a ajuda de poderosas lentes de satélites, a ação de grileiros é vigiada de perto pela Polícia Federal. Cada vez mais, o cerco se fecha contra os homens que fazem parcelamentos irregulares em terras da União localizadas no Distrito Federal. A Área de Proteção Ambiental (APA) do Planalto Central, que engloba 40% da área do DF, também é alvo das investigações da PF. Dos cerca de 300 inquéritos instaurados na Delegacia de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico (Delemaph), 159 deles, ou 53% do total, são relacionados à criação de condomínios irregulares.
Desde a criação da delegacia, em 2004, policiais e peritos criminais federais trabalham para mapear as ocupações, identificar quem são as pessoas responsáveis pela venda de lotes e dimensionar o impacto ambiental causado pela construção de casas em áreas de proteção.
Investigações da PF apontam que a Área de Relevante Interesse Ecológico Parque Juscelino Kubitschek (Arie JK) é uma das mais afetadas pela grilagem no DF. A região, que tem 2,3 mil hectares – equivalente a 2.787 campos de futebol – está na APA do Planalto Central.
A Arie JK é importante, ainda, por se tratar da principal região protegida situada no maior aglomerado urbano do Distrito Federal, formado pelas cidades Taguatinga, Ceilândia e Samambaia. Em dois anos, foram elaborados 31 laudos periciais, todos parte de apenas um inquérito relacionado a invasões e danos ambientais causados pelas construções irregulares.
Manancial
A preocupação dos federais faz sentido. A Arie JK está situada na bacia do Rio Descoberto, maior manancial de fornecimento hídrico do DF, responsável pelo abastecimento de 61% da população de 11 cidades, além de fornecer água para o Sistema Integrado Santa Maria/Torto, abrangendo Plano Piloto, Lago Sul e Cruzeiro.
Policiais da Delemaph costumam investigar a ação dos grileiros e toda transação que envolve a compra e venda dos lotes dentro da Arie JK. O trabalho de mapeamento é feito com a ajuda de pessoas que vivem próximas à região. Relatórios sobre a atividade criminosa são enviados para o Ministério Público Federal.
Trabalho de campo
O trabalho de campo feito por peritos criminais federais do Departamento de Geoprocessamento do Instituto Nacional de Criminalística (INC) da PF mostra que o núcleo rural Taguatinga – com 32 hectares – foi parcelado em cem lotes com tamanhos variáveis de 600, 800 e 1.000 metros quadrados. Os lotes menores foram vendidos por grileiros a R$ 25 mil cada um. A venda de cem lotes equivaleria, portanto, a um faturamento de R$ 2,5 milhões que, corrigidos a juros mensais de 0,5% durante dois anos, equivalem a uma quantia de R$ 3.129.052,05.
Para acompanhar o avanço da invasão fundiária no DF, a Polícia Federal usa imagens de satélite, arquivos de empresas como a Terracap, fotos aéreas e até imagens do Google Earth – serviço de imagens de satélite em alta definição.
Segundo o perito criminal federal Paulo Sérgio de Carvalho Dias, a maioria dos danos na Arie JK é decorrente das atividades de parcelamento irregular do solo ou de extração mineral sem a devida recuperação ambiental. “Em diversos pontos das áreas periciadas há indícios de desmatamento para retirada de madeira, formação de pastagens, além de cascalheiras desativadas”, disse.
O perito relatou que nas encostas onde houve desmatamento é possível observar processos erosivos, agravados pelo trânsito de veículos, animais e pessoas. “De forma geral, a remoção da vegetação nativa na porção central da Arie JK foi mais intensa que no extremo oeste, que teve um processo de ocupação mais brando”, explicou.
Parcelador difícil de encontrar
Denúncias feitas pelo Ministério Público Federal, autuações do Ibama ou ligações anônimas também ajudam a Polícia Federal a conduzir as investigações. Segundo a delegada-chefe da Delemaph, Fernanda Rocha Pacheco Santos, o mais importante, nem sempre, é o problema individual de cada casa irregular. “Nosso objetivo é descobrir quem foi o parcelador inicial para responsabilizá-lo pelos danos ambientais previstos em lei”, afirmou ela.
A delegada lembrou que, em grande parte dos casos, não é fácil chegar aos responsáveis pelo parcelamento dos lotes porque os terrenos mudaram de mãos várias vezes. “Em lugares como Vicente Pires temos vários inquéritos porque não foi um único grileiro que vendeu os lotes”, explicou.
Os laudos produzidos pelos peritos da PF apontam que os parcelamentos irregulares se encontram ao longo da Arie JK, concentrando-se em três pontos principais. O primeiro fica próximo do Setor de Mansões de Taguatinga. No local, estritamente residencial, edificações continuam sendo construídas, sendo que nas chácaras 24, 25, 27, 28, 28-B e 29 existem parcelamentos irregulares com casas evidenciando maior poder aquisitivo com um ou dois pavimentos, água de poço, energia, telefone, telhas de cerâmica, piso, muro, paisagismo, esquadrias de madeira, garagem e pintura. Os lotes são caracterizados por serem terrenos maiores e urbanizados.
Favelização
Em Ceilândia, no Setor Habitacional Pôr-do-Sol, próximo da área do Pró-DF, formaram-se parcelamentos irregulares de pequenas áreas com casas de alvenaria e tijolos expostos ou com reboco, telhas de fibrocimento, com energia, telefone, água de cisterna, caixa d'água, esquadria e porta metálica e com pouca ou nenhuma urbanização.
Além desses dois parcelamentos irregulares, os laudos dos peritos federais registraram a existência de barracos, princípios de favelização, em diversos pontos da Arie JK, principalmente próximo aos parques Saburo Onoyama e Boca da Mata, embaixo de viadutos das vias de transposição, e próximo do limite da poligonal, nas áreas adjacentes ao Setor P. Sul e a expansão de Samambaia.
Reparação de danos
Segundo o superintendente do Ibama no DF, Francisco Palhares, mesmo com a grande quantidade de inquéritos policiais e ações instauradas, é possível liberar o licenciamento ambiental. “No caso do Pôr-do-Sol, por exemplo, o governo local precisa decretar que a área é de interesse social. Um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) está sendo realizado e o GDF terá de reparar os danos antes de ter a licença. Vai custar caro”, adiantou.
Outra atividade irregular que compromete consideravelmente a qualidade ambiental da região que engloba a APA do Planalto Central é a existência de depósitos de lixo e entulho. Em diversos pontos no interior e nas margens da Arie JK é possível detectar a presença de lixões, como próximo ao setor P Sul, e também a ocorrência de acúmulo de entulho de obras, como nos fundos das quadras residenciais de Taguatinga.
De acordo com o perito criminal da PF Paulo Sérgio Dias, essas situações são particularmente perigosas não somente pelos riscos de contaminação do solo e da água, mas também devido à possibilidade de proliferação de doenças. “Muitas pessoas precisam conviver com ratos, moscas e baratas. Ainda há objetos que podem oferecer perigo aos moradores como vidros e pregos ou por atraírem animais peçonhentos como aranhas e escorpiões”, disse o perito criminal.
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