Por Adriano Salles Vanni
Não é preciso esgotamento mental para concluir que o Estado, quando estimula a associação de alguém a réptil, está agredindo sua dignidade
Para Al Ries, guru norte-americano do marketing contemporâneo, marketing não é uma batalha de produtos, é uma batalha de percepções; estrategicamente, o mais poderoso conceito é representar uma palavra na mente.
A Polícia Federal, em seu atual estilo de investigação, ganhou tal batalha. Rótulos esdrúxulos incutem nas mentes expressões que passam a ser muitas vezes o único elemento da incriminação de supostas quadrilhas.
A representação na mente começa com o vocábulo “operação”, que tem sinônimo insosso: cumprimento de mandados judiciais.
Isso apenas inaugura o artifício.
Àquela expressão acrescenta-se outra, depreciativa e infamante, que, adotada pela mídia e pelos julgadores, lança o inimigo ao mais baixo degrau da dignidade humana, associando-o a insetos, a vermes, a répteis e a outros seres repugnantes.
As elucubrações para criação do vocábulo adequado são férteis: operações sanguessugas, gafanhotos, vampiros, chacais, anacondas e lacraias são exemplos. Além desses, inspirados na fauna, estigmatizam também: Pinóquio, Sodoma, piratas, metástase, Al Capone, “longa manus”, cara de pau.
E para desmoralizar instituições e empresas: operação Têmis, Narciso, castelo de areia…
Mas a rotulação é lícita? Não, pois infringe a Constituição Federal, cujo art. 1º, III, erigiu a dignidade humana a princípio basilar do Estado brasileiro. E não é preciso esgotamento mental para concluir que o Estado, ao estimular a associação de alguém a réptil, a verme ou a inseto, agride de modo vil sua dignidade.
O adjetivo também avilta, dissimuladamente, o princípio fundamental da presunção de inocência.
Referências a animais e a seres desprezíveis incitam a execração e a condenação pública antecipadas.
Ademais, enquanto o particular pode fazer tudo o que a lei não proíbe, a administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize.
E lei nenhuma autoriza tal prática.
Mas por que perdura essa flagrante ilegalidade? Por agraciar com importante bônus os agentes da persecução penal, influenciando juízes e tribunais. Se para um lado há bônus, para o outro, reduzido a verme, resta apenas ônus, o ônus da prova da inocência.
Os rótulos são corriqueiramente registrados nas ementas dos tribunais, muitas vezes sob acusações surreais, influenciando as decisões judiciais. Em certo julgamento de habeas corpus, diante de pedido de vista, alertou-se: “Mas esse é o caso da operação…”!
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) editou recomendação para que juízes evitem adotar esses esdrúxulos batismos. Mas é pouco, sendo preciso jurisdicionalizar a questão para que as cortes brasileiras decidam sobre sua legalidade.
Por fim: é leviano afirmar que os advogados se insurgem contra os abusos nessas operações por interesses financeiros, pois atingem pessoas abastadas. Ao contrário! Sob o enfoque financeiro, fecundo seria se essas operações se multiplicassem por dez, pois na mesma proporção se multiplicariam os clientes abastados.
ADRIANO SALLES VANNI é advogado criminalista.
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