VAMOS EXPOR AS FERIDAS E DEBATER (VERDADEIRAMENTE) OS PROBLEMAS E SOLUÇÕES DA IMPUNIDADE QUE ASSOLA A SOCIEDADE BRASILEIRA
Por Flávio Werneck, Diretor Jurídico do Sindipol/DF e Guilherme Delgado, Presidente do Sinpofac (Sindicato dos Policiais Federais no Estado do Acre)
Diante da publicação, pelo Departamento de Polícia Federal, da constituição de um grupo para estudo sobre alterações no Inquérito Policial, no âmbito da “Coordenação de altos estudos de Segurança Pública”, formado apenas por servidores do cargo de Delegado de Polícia Federal (o que demonstra o sectarismo na análise das opiniões) e, tendo acesso a uma pesquisa estatística realizada pelo colega APF Cláudio Luz, com a colaboração da empresa GAUSS (Empresa Júnior de Estatística da Universidade Federal do Ceará), no ano de 2007, sobre a efetividade e eficiência do nosso procedimento inquisitorial, enviamos, frise-se, POR SUGESTÃO DO DEPARTAMENTO, e-mail para aquela coordenação, com algumas considerações.
Não obstante, para total surpresa (sic), não recebemos nem o famoso “aviso de recebimento”, muito menos uma mala direta com os dizeres: “AGRADECEMOS SUA COLABORAÇÃO. SUAS PROPOSTAS ESTÃO SOB ANÁLISE DESTA COORDENAÇÃO.” Então resolvemos compartilhar algumas das informações coletadas pelo colega APF Cláudio Luz (Vice-presidente do SINPEF/CE) para reflexão e debate. Claro, desde já, nos colocando à disposição para maiores esclarecimentos (prometendo não utilizar das supracitadas ferramentas).
Inicialmente, relembramos que o inquérito policial (IP) é um procedimento administrativo, sigiloso, inquisitorial, e, em suma, pré-processual. É o instrumento que formaliza as investigações, compreendendo o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Investigativa para apurar o fato criminoso e descobrir sua autoria.
Diante da apresentação de dados estatísticos o pesquisador pretendeu demonstrar que o atual modelo de instrução do inquérito policial instaurado por portaria e instruído de forma privativa pelo delegado de polícia federal fere princípios constitucionais ao desrespeitar a razoável duração do processo, a efetividade das decisões judiciais e a celeridade e economia processuais.
É válido salientar que a pesquisa estatística proposta sobre a persecução penal se deu no âmbito dos inquéritos policiais instaurados por portaria na Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal no Estado do Ceará e com competência firmada à Justiça Federal – Seção Judiciária no Ceará. Com isso não foram inclusos na pesquisa os inquéritos instaurados por prisão em flagrante ou portaria para apurar crimes de competência da Justiça Estadual ou Justiça Eleitoral.
Estabelecido o âmbito material dos estudos, definiu-se que a pesquisa atingiria os inquéritos instaurados nos anos de 1999 e 2003, por já terem sido instaurados há 8 anos e 4 anos (à época da pesquisa), respectivamente. Estes já tramitaram por um tempo adequado à sua conclusão, com vistas a evitar a impunidade pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, com a conseqüente extinção da punibilidade.
Confessamos que ficamos impressionados (e não pensem que é tarefa simples, para um EPF, ficar abismado com dados estatísticos sobre o inquérito). Vamos apresentar alguns deles:
1) A priori o levantamento feito nos anos base 1999 e 2003 sobre o quantitativo e a amostra:
COMENTÁRIO: PARA O CÁLCULO DAS AMOSTRAS DAS POPULAÇÕES DE 1008 IPs INSTAURADOS NO ANO DE 1999 E 983 IPs INSTAURADOS EM 2003, RETIRADAS DE FORMA ALEATÓRIA SIMPLES E SEM REPOSIÇÃO, EM AMBAS AS POPULAÇÕES, FOI UTILIZADA A FÓRMULA PARA CÁLCULO AMOSTRAL ELABORADA POR WILLIAN G. COCHRAN. AOS QUE ARRISCAREM QUESTIONAR ESSES DADOS, SALIENTAMOS QUE PODE-SE AFIRMAR COM 95% DE CONFIANÇA QUE AS AMOSTRAS CALCULADAS SÃO SIGNIFICATIVAS EM RELAÇÃO ÀS SUAS RESPECTIVAS POPULAÇÕES.
2) Última movimentação em sede Policial:
COMENTÁRIO: FRISAMOS NOVAMENTE QUE A PESQUISA DEU-SE EM 2007. PORTANTO, NO ANO DE 1999 AINDA TRAMITAVAM, NA ESFERA POLICIAL, 3% DOS IP’s (MUITO PROVAVELMENTE, QUASE TODOS PRESCRITOS). NO ANO DE 2003 TEMOS 27% COM PEDIDO DILATÓRIO DE PRAZO (OU SEJA, APÓS 04 ANOS DE TRAMITAÇÃO, 01 EM CADA 04 IPs AINDA “PRECISA” DE PRAZO). ISSO DEMONSTRA A MOROSIDADE DO SISTEMA EXISTENTE LEVANDO À INEFICÁCIA.
3) No tocante aos “Crimes de colarinho branco”, no ano de
4) Inquéritos instaurados por portaria em 1999 com o status de relatados e suas respectivas sentenças judiciais:
COMENTÁRIO: NÃO ENTRAREMOS NO MÉRITO DO OCORRIDO EM 1999. FAREMOS APENAS UMA ANÁLISE MATEMÁTICA ELEMENTAR: DE CADA 100 IPs RELATADOS, APENAS 22 TÊM A DENÚNCIA ACEITA PELO MPF. DOS QUE TIVERAM A DENÚNCIA ACEITA, QUASE A METADE (44,2%) TIVERAM COMO SENTENÇA A ABSOLVIÇÃO OU A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. AINDA NO CAMPO MATEMÁTICO, A CADA 100 IPs RELATADOS, 63 DELES SÃO ARQUIVADOS OU TÊM A DENÚNCIA REJEITADA!
5) Inquéritos instaurados por portaria em 2003 com o status de relatados e suas respectivas sentenças judiciais:
COMENTÁRIO: NOVAMENTE, VERIFICA-SE UM ELEVADO ÍNDICE (57,1%) DE IPs QUE SÃO ARQUIVADOS OU TÊM A DENÚNCIA REJEITADA. NOVAMENTE, APENAS EM 22 ENTRE CADA 100 IPs OCORRE A DENÚNCIA POR PARTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Parafraseando o autor do estudo, APF Cláudio Luz, percebemos que:
“a análise mais importante e impactante refere-se à quantidade de inquéritos por portaria relatados que são diretamente arquivados: 62,5% em 1999 e 57,1% em 2003. As razões jurídicas que fundamentam a grande maioria das decisões de arquivamento são:
1. Incapacidade de apurar a materialidade delitiva;
2. Impossibilidade de identificação da autoria do crime, e;
3. Extinção da punibilidade pela prescrição – artigo 107, inciso IV, CPB.
Todas estas situações estão relacionadas à condução da investigação criminal. É um dado relevante que mede a ineficiência da apuração na fase pré-processual. O que pode justificar tal situação? Como isso passa despercebido pelos gestores dos órgãos de polícia judiciária? Não estamos afirmando, frise-se, que qualquer inquérito deverá necessariamente resultar em uma condenação. A grave constatação é que sequer é possível chegar a uma decisão de mérito – isto, sim, previsto pelo ordenamento jurídico e almejado pela sociedade.”
Vamos resumir os dados acima coletados em pouquíssimas linhas: O trabalho investigativo/policial vem sendo INUTILIZADO pelo atual modelo de instrução, que tem como peça principal o Inquérito Policial que está FALIDO, IMPOTENTE E INOPERANTE. Exige mudanças drásticas. É óbvio que ele é uma das fontes principais da sensação de impunidade e aumento dos índices de violência e criminalidade no Brasil. O país clama por mudanças efetivas e eficazes que apresentem uma persecução criminal viável e operacional.
Com mero teor ilustrativo, retirando o foco apenas da SR/CE e visando dar maior abrangência aos dados já apresentados, colacionamos fração do Despacho do Juiz Tourinho Neto, no autos do Processo nº 2006.01.00.037870-7/AC – TRF1 (chegamos à conclusão que não existiria motivo para apresentar referido documento em sua íntegra para evitar constrangimentos desnecessários pois o relator cita nomes e datas apresentando o real andamento do Inquérito em sede policial):
“…….
3 – De prorrogação em prorrogação já são passados mais de 05 (cinco) anos e as investigações não terminaram.
4 – A imputação feita, segundo a Portaria, aos indiciados está prevista no art. 319 do Código Penal e do art. 90 da Lei 8666/93. Ao crime do art. 319 do Código Penal , “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa em lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal” é cominada a pena de 3 (três) anos a 1 (um) ano. A prescrição, levando-se em conta a pena máxima, prescreve em 4 (quatro) anos – v. art. 109,V, do Código Penal. O crime descrito no art. 90 da Lei 8.666, de 21/06/1993 tem pena prevista de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de detenção. Se formos considerar a pena mínima de 02 (dois) anos, a prescrição se operou. Se a pena máxima – o que é difícil de vir a ocorrer – a prescrição dar-se-á em 8 (oito) anos. Daqui a 3 anos. Isto ocorre em quase todos os Inquéritos. De quem é a responsabilidade da impunidade que passa em nosso país? Todos dizem que é do Judiciário, mas, como se vê, não é.
5 – Pede o Delegado(……..) prorrogação de prazo para a conclusão do inquérito – não diz quantos dias precisa. O Ministério Público, já cansado de tanto pedido de prorrogação, não sugere prazo nenhum. Concedo 60 (sessenta) dias. Não vai dar em nada, pois um dos crimes já está prescrito: e quanto ao outro, se houver denúncia e condenação, temos a prescrição pela pena in concreto………” (grifo nosso)
A Jurisprudência acima nos esclarece que os dados coletados pela “pesquisa Gauus” apresentada não é endêmica. Muito pelo contrário. Vem se tornando praxe no andamento dos Inquéritos e só corrobora a necessidade urgente, gritante, de novo modelo de persecução criminal no Brasil. Temos uma proposta: Vamos deixar de lado as vaidades e pseudo-poder e buscarmos uma solução conjunta que venha substituir o procedimento falido (IP)? Que dê a resposta adequada e necessária aos crimes que hoje desfalcam os cofres públicos e aviltam toda a sociedade com a sensação de impunidade? Será que vamos continuar estanques no tempo, atrelados ao passado e aos poderes “delegados” por um ordenamento que não apresenta os resultados e os objetos necessários as reais necessidades deste país.
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