Muito espetáculo e pouco resultado. Este normalmente é o saldo das operações da Polícia Federal (PF) contra as empresas privadas, que nos últimos anos ocuparam páginas de jornais, celas da PF e a impressão de que estava no fim a impunidade dos crimes de colarinho branco. Segundo o jornal “O Globo” (“Muita ação, pouca condenação”, 20 de julho), das operações contra empresários que se sucederam desde 2005, nenhuma foi julgada, e em várias delas as provas obtidas pela Polícia Federal, em especial as produzidas com escutas telefônicas, foram contestadas ou derrubadas judicialmente. A fragilidade das provas não apenas retiram do banco dos réus indiciados por operações policiais, como tornam mais lentos os processos judiciais.
As deficiências recorrentes das ações policiais e a lentidão do sistema judiciário acabam reduzindo as investigações sobre delitos empresariais à catarse coletiva de ver por uns dias, pela televisão, o empresário ou o executivo de empresa, bem vestido e bem posicionado, atrás das grades; ou fotografado de algemas, com o espocar dos flashes denunciando o registro de sua humilhação para a posteridade. O fato que o espetáculo não denuncia é que, em algum momento no futuro, a fragilidade das provas ou a quantidade de recursos judiciais que um bom e caro advogado pode produzir farão com que esses momentos sejam a única punição para um crime que, de fato, jamais será comprovado ou terá uma sentença definitiva.
A reportagem de “O Globo” mostra que a Operação Cevada, que resultou, em 2005, na prisão de executivos da Shincariol, foi destroçada na Justiça pela anulação de interceptações telefônicas e das conclusões que delas decorreram. Vários réus do processo foram inocentados por conta da invalidação de provas. Das 40 pessoas presas na Operação Persona, que indiciou a Cisco por um suposto esquema de importações fraudulentas de produtos de informática, apenas 16 respondem efetivamente a processo – o que significa que a PF não produziu provas substantivas – e definitivas – acerca do envolvimento de outras 24 pessoas. Diante dos resultados, fica a pergunta: é a cultura da impunidade que tem salvado pessoas envolvidas em escândalo da condenação – e aí seria a Justiça o seu instrumento; ou é a ação da PF que tem o dom de deslegitimar as suas próprias provas?
O juiz Fausto de Sanctis, da 6ª Vara Federal, que autorizou as quebras de sigilo telefônico da Operação Satiagraha e aceitou a denúncia contra o empresário Daniel Dantas e outros envolvidos em supostas fraudes por ele comandadas, constata que as condenações por crimes de colarinho branco, em regra, não têm sentenças com trânsito em julgado – isto é, nenhuma chegou à última instância. “Nos últimos (quatro) anos só vi três execuções. Transitou em julgado e mesmo assim parou”, afirmou o juiz, em entrevista ao “O Globo”. Sem punição, esses crimes tendem a freqüentar a crônica da impunidade, por excesso de possibilidades a recursos de que dispõe uma pessoa com dinheiro para pagar bons advogados. Mas é verdade também que tem contribuído para isso a liberalidade com que a PF tem tratado sigilos, vazado informações e interpretado os dados obtidos por meio desses recursos. Pelo filtro da Justiça não têm passado provas produzidas no inquérito policial, e a fragilidade dessas provas tem sido usada largamente pelos advogados de defesa para retardar ainda mais os processos, que cada vez mais se distanciam de uma sentença definitiva.
Não se questiona o empenho da PF em mudar uma realidade onde apenas as pessoas que dispõem de poucos recursos são punidas por seus crimes. Mas, nesse esforço, a instituição tem atuado como vítima e como algoz: o uso indiscriminado de recursos que devem ser extremos; a exposição de suspeitos que, até o indiciamento, são apenas suspeitos, e não réus; e o vazamento de informações sob segredo de justiça têm neutralizado todo o seu esforço de combate ao crime, quando os inquéritos chegam na Justiça. É preciso tornar os processos judiciais mais céleres, de forma que o cidadão sinta o empenho das instituições de punir criminosos. Mas é preciso que a PF trilhe caminhos estritamente constitucionais para produzir suas provas – e, assim, não ensejar pretextos para adiamentos ou impunidade de culpados, ou ainda para a punição de inocentes.
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