O Serviço de Inteligência da Polícia Federal participará das investigações das 60 execuções cometidas por um suposto grupo de extermínio em três cidades goianas e uma mineira do Entorno do Distrito Federal. Caberá aos policiais federais apurar principalmente a participação de policiais militares e civis de Goiás nos crimes atribuídos à quadrilha, que também é suspeita de envolvimento em roubos de carga e serviços de proteção ilegal a comerciantes.
A intervenção da Polícia Federal é um pedido do ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Ele anunciou a decisão, ontem, antes de embarcar para Buenos Aires (Argentina), onde se encontrará com representantes do governo argentino e da sociedade civil para estreitar a cooperação entre os dois países na área de direitos humanos.
“O que mais nos preocupa é o tempo que esta quadrilha vinha agindo com liberdade. É difícil acreditar que não havia envolvimento de policiais”, ressaltou. Nilmário Miranda decidiu tomar posição sobre o caso após saber dos assassinatos em série no Entorno, por meio das reportagens publicadas pelo Correio Braziliense desde o último dia 21. As matérias mostram a crueldade, a audácia e a diversidade das ações criminosas dos acusados de fazer parte do grupo de extermínio que agia impunemente há pelo menos três anos. Dez homens, todos moradores de Planaltina de Goiás – onde há o maior número de casos em investigação –, estão presos há duas semanas acusados de integrar o bando.
O envolvimento de policiais civis e militares de Goiás é revelado por escutas telefônicas feitas com autorização da Justiça. Os grampos flagraram homens que se dizem PMs oferecendo armas para execuções. Exames de balística também comprovam o uso de armas das polícias Militar e Civil goianas em assassinatos que teriam sido cometidos pelo grupo de extermínio do Entorno. Força-tarefa com cinco delegados e 15 agentes goianos da região, formada para investigar os crimes supostamente praticados pelo mesmo grupo de Planaltina de Goiás, trabalha no cruzamento de informações e busca provas materiais para indiciar os acusados em inquéritos abertos há até três anos.
O ministro explicou que as investigações dos crimes no Entorno continuam a cargo da Polícia Civil de Goiás. “A Polícia Federal entrará com apoio logístico do seu Serviço de Inteligência, como ocorreu no caso do grupo de extermínio do Rio Grande do Norte”, disse Nilmário Miranda. Ele se referiu aos 11 policiais militares do Rio Grande do Norte que foram presos, em abril, acusados de fazer parte de um grupo de extermínio que atuava na capital, na região metropolitana e em municípios vizinhos daquele estado há cerca de três anos. Segundo a polícia e o Ministério Público estadual, eles são suspeitos de ter cometido pelo menos 26 homicídios.
Limpeza
O secretário de Segurança Pública de Goiás, Jônathas Silva, não se incomodou com a notícia da intervenção federal na investigação da matança no Entorno. “Toda ajuda é bem-vinda. Esses casos são nossa prioridade”,afirmou.
Ele disse que está acompanhando a apuração de perto e adiantou que o trabalho da força-tarefa aponta que a ação do bando e o número de crimes cometidos podem ser muito maiores.do.que o descoberto até agora. “As investigações mostram que há raízes profundas, vamos fazer uma limpa.” Jônathas Silva garantiu a prisão e a expulsão de policiais, caso seja comprovado o envolvimento deles com a quadrilha. “Vai todo mundo para rua no ato”, avisou. O secretário ressaltou ainda que Goiás é o estado brasileiro que mais pune maus policiais. Nilmário Miranda confirmou a informação de Jônathas da Silva. Mas nenhum dos dois apresentou os dados nacionais. A Corregedoria Geral da Secretaria de Segurança Pública de Goiás divulgou os números de policiais expulsos das corporações, mas não detalhou os motivos das punições.
Câmara
A ação do grupo de extermínio no Entorno do Distrito Federal também é assunto na Câmara dos Deputados. O vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Luiz Couto (PT-PB), incluirá na pauta da próxima reunião o problema da violência na vizinhança de Brasília. “Essa situação não pode perdurar. Recebemos aqui na comissão denúncias de pessoas desaparecidas ou executadas sumariamente. Há também informações sobre cemitérios clandestinos. E muitos desses crimes são cometidos com a participação.de.policiais”, afirmou.Couto, que atua na Subcomissão de Violência Institucional, acompanha casos em que há envolvimento de autoridades policiais. Ele pretende cobrar do Conselho dos Direitos da Pessoa Humana (CDPH), ligado à Secretaria Especial de Direitos Humanos, compromisso firmado ainda em 2003, quando representante da Organização das Nações Unidas (ONU) visitaram o Brasil. “Firmou-se compromisso de que era preciso criar uma força-tarefa para enfrentar o crime organizado na região. Esse grupo de Planaltina de Goiás e outros que chegam até nós reforçam a urgência de uma intervenção.”
Ousadia dos executores
O deputado federal Luiz Couto (PT-PB) acompanhou o depoimento, na Comissão de Direitos Humanos (CDH), de familiares de pessoas desaparecidas ou assassinadas no Entorno. Alguns relatos, segundo ele, foram prestados em caráter reservado e revelam como o crime organizado, em especial os responsáveis por execuções sumárias, age na região. “No começo, raptavam as pessoas de casa e sumiam com ela, mas a ousadia é tamanha que hoje as residências são invadidas e os assassinatos ocorrem no local.”
Segundo o deputado, a partir do relato de 15 pessoas ouvidas na comissão, os criminosos costumam se apresentar como policiais para invadir as casas. “Alguns se apresentam como tal, mas há policiais de fato comprometidos com a criminalidade no Entorno.” Na avaliação do parlamentar, esse é um dos principais problemas a dificultar a investigação de mortes.
Fonte: Correio Braziliense
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