MARIA CLARA PRATES
DO ESTADO DE MINAS
Quase dois meses depois da troca de comando do Departamento de Polícia Federal (DPF) e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ficou claro que a mudança fez parte de uma jogada estratégica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O movimento, segundo uma fonte ligada ao Palácio do Planalto, foi conduzido pessoalmente pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. A transferência do delegado Paulo Lacerda resolveu dois problemas do governo. O primeiro, a incapacidade da Abin de produzir informação que antecipasse as inúmeras crises vividas pela administração petista. O segundo, o incômodo freqüente que as últimas operações da PF, sob o comando de Lacerda, vinha causando no meio político, em ações que não pouparam ministros, governadores, senadores, desembargadores e nem mesmo um irmão do presidente.
Prestigiado, Lacerda deixou a Polícia Federal com 75,5% de credibilidade junto à população, em primeiro lugar entre instituições como Exército, Justiça, entre outras, segundo pesquisa da Associação dos Magistrados do Brasil, do mês passado. Lacerda assumiu a Abin com poderes para promover sua reestruturação e direito de reivindicar até mesmo autorização para fazer escutas telefônicas. Para comandar a PF, foi escolhido o delegado federal e sindicalista Luiz Fernando Corrêa, da confiança do ministro da Justiça Tarso Genro, que comandava a Secretaria Nacional de Segurança Pública. Mais jovem, assumiu o cargo com discurso ensaiado: pôr fim à “pirotecnia” das operações da PF. Em 60 dias, desmontou a estrutura central de poder do departamento, num jogo que já chegou até às superintendências estaduais.
Crise
Uma semana antes da mexida, a ministra Dilma Rousseff chamou Lacerda para uma conversa reservada no Palácio do Planalto. A preocupação da ministra, de acordo com assessores, era saber se a PF investigava, mais uma vez, pessoas próximas ao presidente. Mantendo seu estilo discreto, o chefe da corporação apenas confirmou a informação, sem detalhes. “Tenho um inquérito”, teria se limitado a responder. No dia da busca e apreensão na casa do irmão de Lula, Genival Inácio da Silva, o Vavá, durante a operação Xeque-Mate, o presidente foi informado da ação dos federais com poucas horas de antecedência, conforme relato do próprio ministro Tarso Genro, encarregado de dar a notícia ao chefe.
Um mês antes, Lula ouvira queixas dos líderes da base aliada de seu governo, irritados com a divulgação de informações pela PF sobre a Operação Navalha, que apurou fraudes em licitações.A investigação acertou em cheio o ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau (PMDB), suspeito de receber propina de uma empresa beneficiada pelo esquema. Pressionado, deixou o cargo, mesmo sem comprovação do seu envolvimento.
Apesar dos choques, a credibilidade conquistada durante quatro anos à frente da PF tornava quase impossível descartar Lacerda do governo. Isso provocaria especulações sobre uma possível interferência do Planalto no combate à corrupção dentro da máquina estatal. Assim, melhor foi aproveitá-lo na produção de informações para consumo interno com a reformulação da Abin.
Rumos claros
Lacerda apenas engatinha na nova função, que assumiu há menos de um mês, mas as mudanças na condução da PF já são evidentes. Sob o comando de Luiz Fernando Corrêa, os presos ilustres não são mais expostos. A operação Persona, desencadeada há duas semanas para conter fraudes e sonegação fiscal estimada em R$ 1,5 bilhão, já aconteceu sob as novas diretrizes e, apesar do escândalo, ganhou tons bem mais suaves. As que se seguiram também. As imagens da ação policial se restringiram a locais de busca e apreensão e homens vestidos de pretos ao lado de viaturas. Elas foram produzidas pela equipe da assessoria de comunicação da própria corporação, e as fotos e informações foram repassadas aos jornalistas em entrevistas coletivas.
Troca de Comando
As mudanças na Polícia Federal sob o comando do delegado Luiz Fernando Corrêa vão muito além do estilo mais discreto nas operações. A PF passa por uma verdadeira revolução interna, com a substituição de todos os postos de comando, na estrutura central e nas superintendências. Corrêa deu a tônica de sua administração já no discurso de posse. Anunciou que delegados mais jovens ocupariam postos-chave. Reconheceu que a geração de delegados de Lacerda – que ocupava os cargos de direção – deu uma grande contribuição, mas foi duro: “Esta geração se exauriu”. Gerou mal-estar, mas não encontrou resistência.
De fato, os novos chefes da PF são jovens, na faixa dos
Zampronha foi comunicado de que deveria deixar o cargo 48 horas depois da divulgação pela imprensa do relatório do inquérito que apurou a existência de caixa 2 nas eleições para o governo de Minas, em 1998. Um dos investigados pelo delegado foi novamente um ministro, o das Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia. Para seu lugar, foi indicado o delegado federal Paulo Tarso Teixeira, considerado um policial exemplar e competente. O que causou estranheza foi a pressa. O substituto de Zampronha só pode assumir o cargo em dezembro, já que está fazendo o Curso Superior de Guerra, no Rio de Janeiro.
O diretor Luiz Fernando Corrêa confirma estar promovendo uma renovação na PF, mas diz respeitar os compromissos assumidos por Paulo Lacerda. Ele garante que não está preocupado em afastar da sua administração os colaboradores do antecessor e que “a substituição é normal” na troca da direção geral. “Não existe a estrutura do Paulo Lacerda ou minha. Existe uma polícia que deve trabalhar”, afirma.
Exceção
Mas nem todos os compromissos assumidos por Lacerda antes de sua saída foram honrados por Corrêa. Há situações inusitadas. O delegado Mário José de Oliveira Santos, nomeado pela administração anterior para a coordenação-geral da Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE), não conseguiu nem se sentar na cadeira. Ele era superintendente de Mato Grosso e foi convidado por Lacerda para a DRE. Enquanto providenciava a mudança, Corrêa assumiu e lhe comunicou que já tinha um outro nome
para seu lugar, o delegado Paulo de Tarso Gomes. Mário José esteve à frente da operação Xeque-Mate, que envolveu Genival Inácio da Silva, irmão de Lula. A operação visava reprimir a ação de empresários que exploravam os caça-níqueis. (MCP)
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