Ricardo Brito
Em depoimento à comissão de inquérito, Fausto de Sanctis diz que não cogitou “monitorar qualquer pessoa com prerrogativa de foro”
O juiz paulista Fausto de Sanctis, responsável pelo inquérito da operação Satiagraha, negou ontem, em depoimento à CPI dos Grampos, ter autorizado qualquer escuta telefônica contra o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes. “Eu, em nenhuma hipótese, cogitei ou admitirei monitorar qualquer pessoa com prerrogativa de foro, leia-se desembargador de tribunal e ministro do STF. Eu nunca fiz isso e nunca farei. Essa é a verdade, acreditem ou não”, afirmou o juiz.
Entretanto, Sanctis admitiu que depois de ter decretado a segunda prisão do banqueiro Daniel Dantas recebeu um telefonema da vice-presidente do Tribunal Regional Federal de São Paulo, desembargadora Suzana Camargo. Segundo o juiz, a desembargadora lhe disse ao telefone que essa segunda prisão deixou o ministro Gilmar Mendes “irado”. O magistrado negou que tenha conversado com ela sobre grampos telefônicos no STF, conforme foi veiculado na imprensa. “Esse diálogo não ocorreu”, disse.
O magistrado também rejeitou ter dado qualquer permissão para que arapongas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) participassem de quaisquer investigações em curso na 6ª Vara Criminal Federal. “Não, nunca (permiti). Não estou falando da Satiagraha, longe disso, mas não”, declarou o juiz paulista. “Não, desconheço”, completou o titular da 6ª Vara Criminal Federal.
É possível que hoje, dia em que Daniel Dantas deve depor à comissão, seja votada a convocação do diretor da Abin, Paulo Lacerda, para que ele explique tal participação nessa operação. O ministro Joaquim Barbosa, do STF, concedeu ontem direito para que Dantas, investigado, permaneça em silêncio diante dos parlamentares da CPI.
Dados cadastrais
O magistrado admitiu que, ao permitir o acesso de dados cadastrais de operadoras telefônicas de um investigado alvo de grampo legal, os delegados e policiais podem obter informações dos registros telefônicos de interlocutores do suspeito. Por exemplo, disse, um investigado “A” fala com um interlocutor “B” muitas vezes ao telefone e a polícia acaba tendo acesso aos registros de todas as chamadas feitas por B. Esse ponto gerou polêmica no depoimento. “Há sim o acesso do histórico de chamadas”, afirmou o juiz.
Assim como boa parte dos integrantes da comissão, o relator da CPI, deputado Nelson Pelegrino (PT-BA), discordou do entendimento do juiz paulista. “Eu penso que a bilhetagem só pode ser autorizada em procedimento específico”, afirmou. “Não se pode combater o crime à margem da lei”, criticou o deputado Raul Jungmann. De Sanctis sustentou que esta é uma “conduta que está sendo adotada em todo o país”.
Durante o depoimento de mais de quatro horas, o juiz paulista foi evasivo na maioria das perguntas feitas sobre a Operação Satiagraha por força da Lei Orgânica da Magistratura (Loman). “Diante disso, estou vedado a emitir qualquer opinião sobre a operação”, afirmou. No entanto, Sanctis disse que concorda em repassar à comissão o inquérito da operação.
O juiz paulista afirmou ser contra a proposta de se limitar o tempo legal para realizar escutas telefônicas. A legislação atual permite que se façam escutas telefônicas com autorização da Justiça por 30 dias, prorrogáveis por igual período. Mas comumente, segundo ele, os juízes autorizam escutas por anos. “O limite imposto pode comprometer sensivelmente o limite da investigação”, declarou.
O magistrado citou os trabalhos desempenhados pela 6ª Vara Federal, da qual é titular, para rechaçar a idéia de que há uma banalização das escutas telefônicas autorizadas. Segundo ele, dos 842 inquéritos em curso sob sua jurisdição, somente 21 deles têm escutas telefônicas autorizadas — isto é, ínfimos 2,43%. Do total de inquéritos que passaram pela 6ª Vara, 12,82% viraram ação penal. No caso dos inquéritos que tiveram escutas telefônicas, 47% geraram ações penais.
De Sanctis disse que seu “trabalho tem incomodado muita gente”. “Tudo isso não passa de tentativa de me desqualificar”, afirmou. “As partes quando se manifestam (fora dos autos) é para me destruir moralmente”, criticou.
SILÊNCIO A DANTAS
O ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu ontem liminar para que o ex-presidente da Brasil Telecom Humberto Braz seja posto imediatamente em liberdade até o julgamento definitivo do habeas corpus. Já o ministro Joaquim Barbosa, também do STF, concedeu liminar garantindo ao banqueiro Daniel Dantas o direito de ser assistido por seu advogado e de comunicar-se com ele durante depoimento à CPI do Grampo, marcado para hoje. Também foi garantido a Dantas o acesso aos documentos nos quais haja referência ao seu nome, além da possibilidade de “exercer o seu direito ao silêncio, excluída a possibilidade de ser submetido a qualquer medida privativa de liberdade ou restritiva de direitos em razão do exercício de tais prerrogativas processuais”.
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