O Juiz de Direito Ruitemberg Nunes Pereira, do 2° Juizado Especial Cível de Brasília, julgou improcedente a ação de indenização, impetrada pelo delegado de Polícia Federal Célio Jacinto dos Santos, coordenador de “Altos Estudos de Segurança Pública”, da Academia Nacional de Polícia (ANP).
A ação contra a Fenapef e o Diretor de Comunicação da entidade, Josias Fernandes Alves, foi motivada pelo artigo “Polícia de Juristas”, publicado na seção “Tribuna Livre” do site da Federação, em maio do ano passado. Embora seu nome nem tenha sido citado no texto, o delegado pediu a compensação a título de danos morais, no valor de R$ 20 mil, e a retirada do artigo do site.
Na sentença, de dez páginas, proferida no último dia 4 de abril, o juiz fundamentou sua decisão nos direitos fundamentais de liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, previstos na Constituição Federal. Também mencionou o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que consagrou esses direitos e a vedação de censura prévia
O magistrado ressaltou em sua decisão que o artigo teve o “nítido propósito de criticar um estado de coisas, que na percepção dos requeridos contrariariam a ordem jurídica nacional, notadamente no que tange à impessoalidade, como um dos princípios fundamentais da administração pública, em relação ao certame questionado”. A decisão também registrou que a crítica formulada no texto “teve caráter objetivo, ainda que eventualmente tenha desagradado ao autor (o que, a propósito, só acontece com as críticas às atuações administrativas num País de democracia jovem como o Brasil)”.
“Trata-se de manifestação, reconhecidamente crítica, que se insere perfeitamente no núcleo de proteção do direito fundamental à liberdade de expressão e de pensamento, ainda que em determinados momentos tenha assumido um tom mais áspero, ao invocar palavras como incompetência, amadorismo, arrogância, trapalhadas, imoralidade e quejandas. Nitidamente, percebe-se que a manifestação teve o firme propósito de criticar a prática administrativa, pelos fundamentos aduzidos, e não o de, como preconiza o Pacto de São José da Costa Rica, fazer “apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”, anotou o juiz.
A decisão refutou a alegação do autor de que o texto teria provocado ofensa aos direitos de personalidade do autor, salientando que se tratou de “pleno e adequado exercício da liberdade de expressão tanto da entidade sindical como do seu representante”. Também rejeitou a pretensão de responsabilidade civil pelo uso de linguagem que o autor considera inadequada, “notadamente porque esta foi empregada no contexto da crítica que se formulara”.
Além de julgar improcedentes todos os pedidos feitos pelo delegado, o juiz aproveitou para lembrar o despotismo ainda impregnado na administração pública, nos seguintes termos: “Cumpre reconhecer que o exercício da crítica às instituições públicas, notadamente em um País que ainda revela traços de autoritarismo em diversos quadrantes de sua administração pública, constitui não apenas o exercício de um direito fundamental, consagrado na Constituição nacional como também em diversos normativos internacionais e supranacionais, mas também constitui um princípio fundamental à própria idéia republicana que orienta o Estado democrático de direito”, anotou o juiz.
Na Polícia Federal, embora não tenha sido mencionada expressamente na sentença, essa herança autoritária se revela no cotidiano das relações de trabalho entre vários delegados e os demais servidores.
Pelo mesmo artigo, o delegado Célio Jacinto, que é membro da diretoria executiva da Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), também representou contra o diretor da Fenapef, pedindo a instauração de procedimento administrativo disciplinar (PAD) e de inquérito policial. O PAD foi instaurado em novembro do ano passado e tramita na Corregedoria-Geral da PF. O inquérito policial ainda não foi aberto, embora haja recomendação da Corregedoria nesse sentido.
A própria ADPF, em nota divulgada na semana passada, manifestou a preocupação com o “desvirtuamento” e a “banalização” da excessiva instauração de processos disciplinares no âmbito da PF, “pelos mais comezinhos motivos”.
“A instituição viu-se lançada de volta no tempo, retornando ao chamado período de exceção, quando era comum se recorrer ao argumento da força, ao invés da força dos argumentos”, criticou a entidade representativa dos delegados, parecendo ignorar que tais atos são decididos pelos próprios delegados dirigentes.
Seria irônico, não fosse confuso, que o protesto venha justamente da entidade dirigida também pelo delegado Célio.
Fonte: Agência Fenapef
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