A Polícia Federal pode acusar o delegado Paulo Lacerda, diretor afastado da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ao fim do inquérito que investiga irregularidades na Operação Satiagraha, que investigou o banqueiro Daniel Dantas. Lacerda cedeu agentes da Abin para ajudar o delegado Protógenes Queiroz, que comandou a ação policial. A PF considera ilegal o envolvimento dos arapongas e pode dizer que Lacerda cometeu usurpação da função pública.
A possibilidade de citação do nome de Lacerda preocupa o Palácio do Planalto. O delegado comandou a Polícia Federal durante todo o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tornou-se uma espécie de símbolo. Tanto da corporação quanto das ações anticorrupção do governo. A cada vez que a oposição dizia que havia escândalos demais em sua administração, o presidente respondia que a diferença era a independência da PF. Lacerda personificou essas ações. A avaliação do governo é que será muito ruim se ele acabar responsabilizado num inquérito policial.
Além disso, Lacerda é um dos homens que mais conhece os bastidores do governo. É um banco de dados sobre assuntos potencialmente comprometedores. O Planalto não quer vê-lo no olho de um furacão político.
O inquérito mais próximo de citar o diretor da Abin é o que investiga o vazamento de informações sobre a Satiagraha. Relatórios feitos pela Corregedoria-Geral da PF em Brasília confirmam que os arapongas a serviço de Protógenes tiveram acesso a elementos da investigação, inclusive ao Guardião, o equipamento de escutas e rastreamentos telefônicos.
O indiciamento de Lacerda é pouco provável, já que não há indicações de que tenha envolvimento na divulgação das escutas e este inquérito é específico. Mas a simples menção de que ele teria cometido usurpação de função pode ser suficiente para impedir que ele retorne ao comando da Abin.
Lula disse a interlocutores próximos que não pretende tomar nenhuma decisão a respeito do destino de Lacerda antes da conclusão dos inquéritos da PF. Ele está dividido. De um lado, diz ter uma dívida de gratidão com o delegado, pelos serviços prestados no primeiro mandato. De outro, ficou muito irritado ao saber que ele autorizou, sem informar o Planalto, o envolvimento de arapongas numa ação da PF. “O presidente não quer demitir Lacerda, mas gostaria que ele pedisse para sair”, diz uma fonte do Planalto.
Lacerda nunca negou que tenha autorizado a participação dos agentes de inteligência na Operação Satiagraha, por solicitação de Protógenes. Investigadores que atuam no inquérito sobre o vazamento dizem que 72 arapongas de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Distrito Federal teriam sido utilizados na ação policial, mas admitem que esse número pode chegar a 100, contando as diversas fases da operação, enquanto que o total de policiais federais não passou de 24. Em depoimentos prestados à Corregedoria da PF, delegados e agentes afirmaram que os espiões faziam trabalho interno e também externo, como o de coleta de imagens de alvos suspeitos.
Auxílio
Em depoimentos prestados à PF, o diretor de Contra-Inteligência da Abin, Paulo Maurício Pinto, também afastado do cargo, afirmou que a cessão de agentes da corporação para auxiliar na Satiagraha, não modificou a rotina da agência. Ele explicou que as solicitações foram feitas de várias formas, inclusive verbais. Paulo Lacerda não foi encontrado para comentar a informação da PF. Porém, técnicos da Abin disseram que os arapongas fizeram trabalho de inteligência e não atuaram em ações policiais, o que descartaria a acusação de usurpação das funções públicas.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, atendeu ontem um pedido do general Jorge Félix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e comandante da Abin. O despacho, acordado entre os dois, diz que a PF só vai abrir os documentos apreendidos em escritórios da Abin na presença de agentes designados pelo órgão de inteligência. A apreensão, feita no bojo do inquérito sobre os abusos na Satiagraha, detonou uma crise. Os arapongas reclamam que no material apreendido há informações secretas, inclusive com a identificação de agentes. Pelo acordo, a Abin terá direito a barrar a inclusão no inquérito de qualquer papel que considere sigiloso.
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Perfil // PAULO LACERDA
Considerado um policial discreto, o ex-bancário Paulo Lacerda ganhou notoriedade na década de 1990, quando conduziu o inquérito do Esquema PC, evolvendo o empresário Paulo César Farias, ex-tesoureiro de campanha de Fernando Collor de Mello à Presidência da República. Porém, sempre exerceu funções não relevantes, até 2004, quando assumiu a Direção-Geral da Polícia Federal. Seu estilo se manteve o mesmo, mas o perfil da corporação modificou, tornando um exemplo dentro do governo, que a partir de 2005 foi protagonista de diversos escândalos, inclusive envolvendo corrupção.
Homem de confiança do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o ritmo empregado pelo delegado na PF lhe trouxe muitos dissabores, principalmente em relação às centenas de operações de grande porte que determinou. Muitas delas atingiram setores do governo e do PT, o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em setembro do ano passado, com a ida de Tarso Genro para o Ministério da Justiça, Lacerda trocou a PF pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), de onde foi afastado em agosto, quando surgiram as suspeitas de que autoridades foram grampeadas clandestinamente por agentes da Abin durante a Operação Satiagraha.
Delegado aposentado, Lacerda era estimado dentro da corporação, mas criou inimigos fora da instituição. Um deles, o banqueiro Daniel Dantas, controlador do Opportunitty, a quem o ex-diretor da PF acusa de ser o responsável por divulgar supostas contas suas no exterior, um fato nunca provado. (EL)
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Memória
A Operação Satiagraha foi deflagrada pela Polícia Federal em 8 de julho. Foram presos o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o investidor Naji Nahas, entre outros. A polêmica sobre o caso começou quando, em menos de 48 horas, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),Gilmar Mendes, concedeu dois habeas corpus a Dantas.
O ex-prefeito Celso Pitta foi um dos presos durante a ação da polícia federal
Detido no dia 8,o banqueiro foi libertado na madrugada do dia 10. Horas depois, voltou a ser preso. E solto novamente em 11 de julho, graças a outro habeas corpus do Supremo. Um dia antes da primeira decisão favorável ao banqueiro, Mendes havia atacado o que chamou de espetaculização das prisões durante a operação.
O presidente do Supremo também não poupou críticas ao juiz federal Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal de São Paulo, que mandou prender o banqueiro duas vezes. Disse que a segunda prisão de Dantas representava uma tentativa de desrespeitar a mais alta Corte do país.
Após as declarações, setores do Judiciário reagiram. Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, que reúne São Paulo e Mato Grosso do Sul, divulgaram um manifesto em apoio a De Sanctis e criticaram a postura de Gilmar Mendes.
Além da polêmica institucional, a Polícia Federal mergulhou numa de suas mais graves crises. A pretexto de participar de um curso interno, o delegado Protógenes Queiroz foi afastado das investigações pela cúpula da corporação. Uma nova equipe de policiais
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