Fonte: O Globo
Secretário-geral da ONG Contas Abertas critica pagamento integral de salário a parlamentares em período sem sessões plenárias na Câmara e no Senado
RIO – Mesmo em recesso branco, o Congresso Nacional custa aos cofres da União cerca de R$ 1 milhão por hora. Dispensados das sessões deliberativas até o dia 31 de julho pelo acordo, os parlamentares continuarão recebendo integralmente os seus salários de R$ 26.723,13 mesmo sem apresentar projetos ou participar de votações nas Casas. Isto porque a ausência de sessões faz com que os dias não trabalhados não sejam interpretados como falta.
O cálculo feito pela ONG Contas Abertas para obter o custo-hora dos deputados federais e senadores – dos demais serviços prestados ao Legislativo -, estando eles em exercício parlamentar ou não, levou em conta a soma do orçamento da Câmara e do Senado, chegando-se ao montante aproximado de R$ 23,9 milhões por dia. Um “valor exorbitante” na avaliação do fundador e secretário-geral da ONG, Gil Castello Branco, “a ser pago pelos contribuintes” para “um ano de baixa produtividade” dos representantes eleitos.
Este ano tivemos um primeiro semestre com muitos feriados que prolongaram os finais de semana e ainda a realização da Copa do Mundo no país. Parlamentar entrar agora de férias para se dedicar à campanha eleitoral, quando sequer foi votada a Lei de Diretrizes Orçamentárias, é um disparate. Não tenho a menor dúvida que 2014 será um ano com a menor produção legislativa em décadas – arriscou Castello Branco.
Na avaliação dele, o fato de boa parte dos legisladores estarem disputando a reeleição aos cargos atrapalha as atividades nas Casas e ainda torna desleal a corrida eleitoral.
– Não há como comprovar se um encontro com um prefeito no interior de um estado é um compromisso de mandato ou de campanha, logo as atividades são constantemente confundidas. O fato deles poderem concorrer a reeleição estando no compromisso do mandato não torna igual a disputa. Aqueles que concorrem não estando eleitos não contam com as verbas indenizatórias, com verbas para impressos, para transportes daqueles que já ocupam o poder. Evidentemente eles levam vantagem e tendem a se perpetuar, o que prejudica a renovação e a boa percepção dos eleitores – argumentou ele, acrescentando:
– Fica a pergunta sobre o por que de alguns servidores públicos terem de se afastar, de renunciar aos cargos para concorrer a uma vaga enquanto outros não. É um questionamento que deve ser levado em conta. O lógico e certo deveria ser outro a assumir o cargo para que as campanhas não paralisem o Congresso. É o segundo ano seguido que se entra de recesso branco sem que a LDO, que dita as regras orçamentárias, seja votada. É uma situação esdrúxula em que se vota LDO e, ao mesmo tempo, o orçamento, e pela segunda vez consecutiva.
Na avaliação do secretário-geral do Contas Abertas, o quadro é ainda mais preocupante por ser o recesso branco um recurso usado sistematicamente num curto espaço de tempo:
– Todo ano de eleição eles lançam mão disso. Nas eleições gerais, há o interesse direto, que é trabalhar pela manutenção no cargo. Nas municipais, as atividades na Câmara e no Senado ficam prejudicadas por ser do interesse deles trabalhar a base eleitoral, costurar o apoio nas cidades, para ser eleito novamente dois anos depois. Ou seja, o mandato de quatro anos tem dois deles comprometidos.
Já o professor aposentado de Ciência Política da Universidade de Brasília, Otaciano Nogueira, vê o uso do recesso branco como recurso apaziguador válido na gestão de crises.
– O recesso branco existe desde a criação do Congresso Nacional e frutificou no Brasil. É um recurso que deve ser utilizado para épocas em que não há assuntos predominantes, mas o Brasil vive numa gangorra em inúmeras questões. Seu uso é válido e legal, e evita conflitos. Sem atividades no legislativo, não há os embates inerentes aos cargos – avalia Nogueira, que não considera o comparativo da realidade política brasileira com a de outros países um bom termômetro.
– Num país desenvolvido, que tem estabilidade econômica, isso não ocorre porque não há o que ser apaziguado – concluiu.
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