Fonte: Assembléia Legislativa de Minas Gerais
Restringir a apuração das infrações penais à competência privativa das Polícias Federal e Civil. Esse é o teor da Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC) 37/11, de autoria do deputado federal Lourival Mendes (PTdoB/MA), que tramita na Câmara dos Deputados. A PEC foi tema do Debate Público Apuração Penal e Direitos Humanos, promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na manhã desta segunda-feira (8/4/13), no Plenário da Casa. O presidente da Comissão, deputado Durval Ângelo (PT), deixou claro que a reunião foi um ato em repúdio à proposta. Segundo ele, o propósito do debate foi, exatamente, fortalecer uma série de atos contrários à aprovação da emenda, manifestações essas que estão sendo realizadas em todo o País.
De acordo com Durval, a PEC traz uma visão equivocada do que deve ser um inquérito policial, dentro do Estado Democrático de Direito. Para ele, a proposição é um atentado à democracia e, por isso mesmo, o Parlamento mineiro, com a anuência do presidente, Dinis Pinheiro (PSDB), é contrário a ela.
Na abertura do Debate Público, Durval Ângelo leu uma carta enviada pelo Sindicato dos Delegados de Polícia de Minas Gerais (Sindepominas) e pela Associação dos Delegados da Polícia Civil de Minas Gerais (Adepolc), protestando contra o formato do debate, uma vez que as duas entidades, favoráveis à aprovação da PEC 37/11, não foram convidadas para compor a mesa. O deputado explicou que o “não-convite” foi proposital, uma vez que a reunião não se destinava a discutir a viabilidade da proposta, e sim repudiá-la. Mas ponderou que a Comissão de Direitos Humanos está aberta a debater o tema com os delegados em audiência pública no futuro.
Segundo o parlamentar, além de intervir de forma abusiva na atribuição investigativa do Ministério Público (MP), a PEC 37/11 traz restrições também à atuação de outras entidades do Poder Público, como o próprio Legislativo. Isso porque as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) perdem a prerrogativa da autoridade policial em suas investigações. Durval lembrou ainda que o sucesso da maioria das investigações que resultaram em punições a crimes contra os direitos humanos, em Minas, contaram com a participação do MP. Por fim, o deputado enfatizou que, de fato, há erros e desvios nas atuações do MP e de outros órgãos e entidades que realizam atividades investigativas, mas que a PEC 37 pretende punir os acertos.
Também claramente contrária ao teor da proposição, a promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e Apoio Comunitário, Nívia Mônica da Silva, disse que esse debate a fez repensar conceitos sobre o MP e o sistema de Justiça do País.
A promotora abordou o medo, ressaltando que é o temor das ações investigativas do MP que tem levado a ações como essa que resultou na PEC 37/11. Para ela, é importante saber transformar o medo em ação produtiva, que não venha prejudicar a sociedade. Extinguir o poder investigativo do MP é, na via oposta, um prejuízo. O poder de investigação do órgão, de forma alguma, visa a substituir a polícia, disse ela, acrescentando que há momentos em que o MP é imprescindível. “A História e a prática mostram isso”, destacou. Ademais, conforme determina a Constituição de 1988, uma das atribuições do MP é exercer controle da atividade policial e, segundo a promotora, no Brasil, a cada 5 horas, um delito de violação de direitos humanos é causado por um agente público. “Sem poder para investigar, como o MP poderá trabalhar nesse tipo de caso?”, questionou Nívia.
Nívia também citou uma oficina que a Promotoria realizou recentemente, com organizações não-governamentais (ONGs), para a formação de agentes contra a tortura e que, ao final da atividades, criou uma carta. Tal documento aborda a questão da PEC 37/11 e traz argumentos jurídicos, focados em Direito Internacional, jurisprudência nacional, bem como pareceres reconhecidos no mundo, todos recomendando que o poder de investigação também seja exercido pelos órgãos independentes, como o Ministério Público. De acordo com a promotora, diversos órgãos nacionais e internacionais já manifestaram apoio ao teor do documento. A Comissão de Direitos Humanos da ALMG aderiu, assim como o Comitê Estadual de Direitos Humanos, a Justiça Global, a Pastoral Carcerária e a Anistia Internacional, entre outros. Nívia fez questão de enfatizar que são inúmeras as razões para, em vez de se tentar excluir, buscar-se ampliar esforços na investigação e punição de crimes.
Manifestando apoio às palavras da promotora, o coordenador Estadual do Ministério Público Eleitoral (MPE), Edson de Resende Castro, ressaltou a experiência das apurações, no âmbito da investigação eleitoral, enfatizando a importância disso na garantia da lisura do processo eleitoral. Segundo ele, a quase totalidade dos casos de corrupção eleitoral, sonegação fiscal, improbidade administrativa e afins vem sendo apurados pelo MPE. Sem esse trabalho, destacou, haveria prejuízo imediato para a própria democracia, pois os impactos seriam desastrosos e prevaleceria a impunidade no processo eleitoral. Manter o poder investigativo do MPE é, portanto, essencial para democracia, garantiu. Ele questionou “a quem interessa que o processo eleitoral se prive dessa lisura? Quem teme o MP?” Por fim, afirmou: “Aqueles que nada devem, que são lícitos, não têm por que desejar que essas investigações sejam coibidas”.
William dos Santos, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), ressaltou que a PEC é a retirada de atribuições que a Constituição de 88 instituiu para o Ministério Público. Com a Constituição em punho, ele citou algumas dessas funções, entre as quais: promover ação penal; promover inquérito civil e ação civil pública; exercer controle da atividade policial, requisitar diligências investigatórias e instaurar inquérito policial. Para ele, a PEC 37 mostra que há interesses em colocar um freio na atuação do MP, porque ele pode intervir em atuações, cargos, mandatos e afins.
Mobilização – Ao contrário do que propõe a PEC, o Ministério Público deve estar cada vez mais integrado com a Polícia Civil e com a Polícia Federal. É a opinião do deputado federal Gabriel Guimarães (PT/MG), que classificou a reunião como um ato em defesa de um trabalho conjunto, que tem conseguido um resultado harmonioso. Ele se comprometeu a participar do esforço de mobilização da bancada petista na Câmara dos Deputados para derrubar a PEC.
Para o vice-presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Estado de Minas Gerais, Cristian Ribeiro Guimarães, a proposta perpetua um modelo de investigação “comprovadamente ineficiente”. Ele apresentou dados estatísticos que dão a dimensão da impunidade no País. De acordo com o policial, apenas entre 5% e 8% dos casos de homicídio no Brasil são solucionados. Em países europeus, esse índice passa dos 80%. Outro dado alarmante mostrado por ele indica que cerca de 90 mil de um total de 150 mil inquéritos sobre assassinatos ocorridos antes de 2007 ainda não foram concluídos.
“Essa PEC nos remete à condição jurídica de Quênia, de Uganda e da Indonésia, países sem qualquer tradição de formação jurídica e de combate ao crime”, lamentou o procurador-chefe da Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais, Adailton Ramos do Nascimento. “Será que Itália, França e Alemanha não servem de exemplo para os autores dessa PEC?”, questionou ele, que classificou a proposta como uma “nau de insensatos”, que não sabe o rumo que vai tomar. Nascimento acrescentou que gostaria de encontrar algum argumento que justifique a aprovação dessa proposta.
Já o procurador de Justiça e presidente da Associação Mineira do Ministério Público, Nedens Ulisses Freire Vieira, a PEC 37 é “um retrocesso absurdo e inaceitável no processo investigativo brasileiro”. Segundo ele, a sociedade precisa de um trabalho harmonioso entre as polícias e o Ministério Público. Vieira vê com preocupação o desinteresse da população com relação a essa PEC e defendeu maior conscientização sobre o risco que ela representa para a segurança pública brasileira. Quanto a isso, o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Carlos André Mariani Bittencourt, garantiu que o Ministério Público em todo o Brasil está mobilizado, realizando atos em diversos Estados em repúdio à PEC 37. Ele questionou se somente as polícias Civil e Federal teriam estrutura suficiente para apurar todos os crimes eleitorais, de sonegação fiscal, improbidade administrativa, financeiros, contra a vida e outros. “Será que esse modelo seria mais eficiente do que se as investigações fossem partilhadas com os demais órgãos?”, questionou.
Debates – Membros de movimentos sociais, pastorais e similares também se manifestaram contrários à Emenda. Somente uma delegada, Maria Alice Faria, diretora de Mobilização do Sindepominas, expressou opinião diferente. Ela ressaltou que foi à reunião munida de argumentos jurídicos e constitucionais para expor o posicionamento. Porém, ressaltou, sentiu que o momento seria inadequado, dado já estar definido o posicionamento da Casa. A delegada questionou o debate, afirmando que ele se apoiou num único argumento, dizendo estar presente não apenas como representante de classe, mas como cidadã. Enfim, disse aguardar uma oportunidade mais adequada para discutir de forma clara e imparcial.
Durval Ângelo reafirmou que o propósito da atividade foi realizar um ato contrário à PEC 37/11, ressaltando que a “Comissão de Direitos Humanos sempre tem lado, e isso sempre está bem claro, como neste caso”. Antes de encerrar o evento, ele informou que as notas taquigráficas e uma manifestação oficial de repúdio à proposta, assinada por todos o deputados estaduais, será enviada à presidente Dilma Roussef, a ministros e também ao Congresso Nacional.
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