Fonte: Correio Braziliense
Defender a ação da polícia nas manifestações que sacudiram o Brasil no mês passado é tarefa impossível. Houve excessos no uso da força em quase todos os lugares do país, em maior ou menor grau, que resultaram em vítimas com lesões permanentes e mesmo mortes.
Não resta dúvida de que os agentes da lei são mal treinados, mesmo nos locais onde têm salários acima da média nacional. Mas, se fossem bem preparados, a população estaria disposta a considerar suas ações legítimas?
Responder que sim embute certo risco. Não é muito clara entre nós a ideia de que a coerção por parte do poder público integra o jogo democrático. De acordo com o conceito de Max Weber, o Estado detém o monopólio do uso legítimo da violência.
Isso parece pouco aceitável em um país que lutou tanto, e tão recentemente, para se livrar do autoritarismo. Tal dificuldade coloca em evidência mais um item na longa lista de prejuízos herdados do regime militar, que, ao usurpar a força, tirou sua legitimidade.
É diferente, porém, afrontar as leis para combater o poder ditatorial e para pressionar os governos eleitos pelo povo. Certamente temos pela frente um longo caminho de consolidação da democracia. E, para isso, não se pode prescindir da pressão da sociedade, nas urnas e nas ruas. A questão é se devemos ocupar indiscriminadamente a via pública, invadir e depredar prédios públicos.
Manifestantes querem sempre se fazer notar. O limiar de tolerância no Brasil foi tão estendido, porém, que a inconveniência tem de ser cada vez maior para impressionar. Não basta andar pela via pública com faixas e cartazes. É preciso sentar-se no chão e causar muito incômodo. Na semana passada, um grupo de médicos se dizia em protesto pacífico ao tomar o asfalto em frente ao Palácio do Planalto. O esforço da polícia para tirá-los de lá não foi um excesso, mas uma obrigação.
Durante os protestos, cheguei à meia-noite de uma sexta-feira no Aeroporto de Guarulhos. Havia um menino de 10 anos sozinho na sala de desembarque. Esperava havia várias horas a mãe, parada no congestionamento monstro que se criou com o fechamento das rodovias Dutra e Ayrton Senna por manifestantes. O menino não podia, obviamente, contar com a devida assistência da péssima companhia aérea em que viajou. O máximo que os passageiros podiam fazer era tentar acalmá-lo. Seria difícil explicar-lhe que seu sofrimento era necessário para a construção de um país melhor.
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