Vestindo cuecas recheadas de dinheiro e abusando de bordões provocativos, militantes de partidos da esquerda radical tomaram a Esplanada ontem, levando o “Fora, Lula” às ruas pela primeira vez desde o início da crise. Segundo a Polícia Militar, cerca de 12 mil pessoas estiveram no protesto – o dobro do registrado no ato de terça-feira, também contra a corrupção, mas a favor do governo.
Sem poupar o presidente, os manifestantes de ontem foram até o Palácio do Planalto, mas Lula não estava lá para ouvir o recado. Por volta de 9h, ele viajou para a Bahia. Sua ausência foi tratada com ironia. “Lulinha, mas quem diria, ficou com medo e fugiu para a Bahia”, gritavam os manifestantes. Foram poucos os funcionários que se aproximaram das paredes envidraçadas do Palácio para conferir a marcha. Diante da sede do governo, ouviam-se um coro de vaias e o slogan: “Olê, olê, olê, olá, fora, Lula”, puxado pelo PSTU. Em meio ao coro dos desiludidos, o músico brasiliense André Pedra desabafava: “Sou do partido dos trouxas e dos traídos. Vim vestido de padre, porque isto aqui virou o quinto dos infernos”.
A marcha saiu da Catedral de Brasília por volta de 9h30. A primeira parada foi em frente do Ministério do Trabalho, onde as críticas se voltaram para o ex-dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e hoje ministro, Luiz Marinho. Enquanto o Congresso discutia a votação do salário mínimo, nas ruas, os manifestantes se exaltavam: “Quem tem dúvida de que a CUT é um braço do governo? Está aí a prova. Senhor Marinho, isso é um abuso”, disparava um locutor anônimo, visivelmente irritado.
O humor também tomou a Esplanada. Os manifestantes trouxeram malas cheias de dinheiro, máscaras com os pivôs do escândalo, roupas de presidiário, um varal de cuecas e um boneco gigante com o rosto de Lula e um nariz de Pinóquio.
Wellington Pereira, que veio do Espírito Santo, desfilava um paletó estampado com a bandeira americana. “Sou um caipira vestido de Tio Sam. Esta é a caricatura do governo Lula”, filosofou. Nos cartazes e faixas, a decepção com o governo era flagrante e as referências a Lula, nada lisonjeiras. O nome do presidente aparecia na maior parte das faixas escrito “Lulla”, com dois Ls pintados de verde e amarelo, como nos protestos contra o ex-presidente Fernando Collor, no auge da crise que o derrubou.
O protesto de ontem foi convocado pela Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), mas quem apareceu mesmo foram os partidos políticos. PSTU e PSol levaram a maior parte dos manifestantes para o ato. Mas o Prona, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o PPS e o PDT também estavam presentes. As críticas à corrupção, a exigência de punição dos culpados e a desilusão com o governo os uniam. Mas quando a palavra era impeachment, vinham as diferenças.
Congresso
Mais radicais e em maior número, os militantes do PSTU assumiram um “Fora todos”. Foi deles que partiram os versos mais irônicos sobre o governo. “Ô Lula, eu já sabia, Marcos Valério é o seu PC Farias” e “Ô Lula, que traição, tirar do povo para botar no cuecão”. O partido defende a queda de Lula e também de todo o Congresso. A bancada do PSol compareceu em peso e a senadora Heloísa Helena (AL) foi tratada como “presidenciável”. O partido quer Lula fora do Palácio e defende um plebiscito sobre seu mandato. Mais moderados, os militantes do PDT não acham que é hora para impeachment. Nem mesmo a Conlutas tem clara sua posição a respeito do futuro de Lula no poder.
A marcha durou cerca de quatro horas e foram registradas três detenções, segundo a Polícia Militar. Dois cariocas e um menor de Brasília foram presos por desacato à autoridade. A PM ficou em alerta quando, em um princípio de confusão, jovens punks discutiram com militantes do PSTU sobre sua posição na marcha. Vestidos de preto e segurando faixas com slogans anárquicos, os punks tomaram a dianteira da multidão.
CUT e UNE
O protesto de ontem também serviu de palco para a reação às críticas tecidas na véspera por integrantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pela União Nacional dos Estudantes (UNE), que acusam a ala mais radical da esquerda de agir em conluio com a direita para derrubar Lula. “Ficou claro na manifestação de ontem (terça-feira) que os caras-pintadas viraram caras pálidas”, provocou o deputado João Fontes (PDT-SE). E a senadora Heloísa Helena também deu o seu recado. “Eles foram histericozinhos e arrogantes ontem (terça-feira), intolerantes com a gente. Mas são eles que estão muito bem. Muito bem financiados pelo Palácio do Planalto. Não precisam ficar nervosinhos, pois a Esplanada é grande”.
A manifestação se encerrou com mais um ato simbólico. Em frente do Congresso, manifestantes incendiaram um boneco vestido de petista e uma bandeira do PT. Segundo o presidente do PSTU, Zé Maria, os custos do ato contra o governo foram bancados por sindicatos regionais ligados à Conlutas. Integrantes de alguns sindicatos chegaram a rachar, do próprio bolso, os valores da viagem até Brasília, garantiu Zé Maria.
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