Há anos, a Prefeitura, com a colaboração do governo do Estado, vem procurando sem êxito acabar com a cracolândia, uma chaga aberta no centro da cidade, como parte dos planos de revitalização do bairro da Luz. Muita coisa foi feita para dar nova vida à região, tornando-a um polo cultural, com as obras de conservação e restauração da Estação da Luz e da Estação Sorocabana, que hoje abriga a Sala São Paulo, sede da Orquestra Sinfônica do Estado. No entorno estão a Pinacoteca do Estado, o Museu da Língua Portuguesa e o Memorial da Resistência, no local do antigo Dops. Mas, quanto à segurança da área, o máximo que se conseguiu até agora foi delimitar a cracolândia a um trecho de 300 metros da Rua Helvetia, que se transformou em verdadeiro antro de viciados em crack, onde não podem passar pedestres, automóveis e nem mesmo o caminhão de coleta de lixo. Naquele pedaço de rua, apinhado de barracas e cortiços lacrados pela Prefeitura, mas invadidos ou depredados, a droga rola solta, representando um risco que pode descambar para um surto de violência de grandes proporções, o que urge evitar.
O problema não é só de segurança, mas de saúde pública, como a Prefeitura reconhece. Em agosto, o secretário municipal de Saúde, Januário Montone, afirmou que o novo projeto para a região compreenderia “centros de acolhida”, clínicas onde os dependentes de drogas poderiam ser tratados. Os planos não saíram até agora do papel, assim como a integração com o Judiciário para a internação compulsória daqueles considerados adictos. A ação pela Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça deveria começar em outubro, mas a estrutura desejada ainda não foi montada.
Um programa improvisado pode comprometer os resultados, mas a questão já é suficientemente grave para que seja feita uma mobilização nacional para um combate efetivo ao crack. O problema não se limita à cidade de São Paulo, onde é tão visível, nem ao Estado, mas se dissemina pelo País todo. Uma enquete feita pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) revelou que 63,7% das 4.000 prefeituras de todos os Estados que responderam ao seu questionário disseram que a circulação de crack e outras drogas se tornou um grande entrave para o bom funcionamento de seus sistemas de saúde; 58,5% informaram que se veem diante de ameaças sérias à segurança por causa do crack; e 44,6% afirmaram que sua rede de assistência social também se ressente com o que já classificam de epidemia.
Em inúmeros casos, as escolas não são devidamente protegidas e milhões de jovens brasileiros estão hoje expostos às drogas de todos os tipos, muitas vezes vendidas em pontos bastante conhecidos, o que está diretamente relacionado ao aumento da violência. Entre os principais problemas detectados na pesquisa realizada pela CNM está a crescente incidência de estudantes armados nas escolas. Por ser mais barato, o óxi (mistura de pasta de cocaína, querosene e cal virgem), vendido em pedra, é cada vez mais usado por trabalhadores rurais, especialmente nos canaviais.
Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, considera que a União e os Estados estão sendo omissos no combate ao crack e no atendimento aos viciados, que acaba sob a responsabilidade dos municípios, sobrecarregados de gastos com a saúde por causa da droga. Pode haver algum exagero, mas é verdade que os Estados e o governo federal se restringem à repressão ao tráfico, a cargo das Polícias Militar e Federal. Essa ação é indispensável e não resta dúvida de que muito se pode avançar por meio de um melhor monitoramento das extensas fronteiras brasileiras.
Verifica-se, porém, que vêm sendo negligenciadas as questões de saúde e de educação, relacionadas ao vício. Não há uma política nacional antidrogas abrangente, capaz de unir os esforços dos governos em todos os níveis, bem como da sociedade e das famílias, para prevenir os efeitos devastadores do consumo de crack e outras substâncias tóxicas, que geram tanta violência e podem comprometer a saúde e a capacidade produtiva das novas gerações.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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