Edson Luiz
Da equipe do Correio
Em meio a discussões sobre cortes no orçamento e na esteira da descoberta de diversos escândalos envolvendo recursos da União, a Polícia Federal passará a acompanhar, online, todos os processos de licitações e liberações de verbas feitas pelo governo. A partir de março, um software desenvolvido pelo serviço secreto britânico vai buscar indícios de irregularidade nesses processos. Quando detectados, deverão gerar a abertura imediata de inquéritos. Hoje, muitas fraudes são descobertas pelas auditorias da Controladoria-Geral da União (CGU) depois de a prestação de serviço ou a obra ter sido concluída, o que dificulta a recuperação do dinheiro desviado.
Também serão monitoradas emendas feitas por parlamentares ao Orçamento da União cuja destinação seja uma única empresa, por determinado período. A PF estima que, com o novo sistema, uma investigação que atualmente leva em torno de um ano será concluída em três meses. A decisão de usar o sistema foi tomada em função do elevado volume de recursos desviados que não retornaram aos cofres públicos nos últimos anos.
De acordo com o chefe de Doutrina de Inteligência Policial da PF, Emmanuel Balduino de Oliveira, o software I2 fará um trabalho de prevenção. “Seu funcionamento será semelhante ao que faz hoje uma operadora de cartões de crédito: quando observa uma operação atípica, logo suspende o cartão”, explica o delegado. “Nosso sistema agirá no momento em que é acionado um dispositivo de alerta, quando houver atuação fora dos padrões.” Para fazer o acompanhamento, a PF estará interligada ao banco de dados da CGU, que armazena informações atualizadas dos processos licitatórios em andamento no governo federal.
Antes dos EUA
A Brasil será o quinto país a utilizar esse sistema, que não chegou nem aos Estados Unidos, nação de avançado suporte de investigação. O I2, que faz parte do Sistema Integrado de Inteligência, permitirá identificar, de uma só vez, as ligações telefônicas e a movimentação bancária – com detalhes como montante de recursos e espécie de moeda usada nas transações – e também será usado por outras áreas da Polícia Federal, descentralizando as investigações. “Se for identificado crime de lavagem de dinheiro, mandaremos o caso para a Coordenação de Combate ao Crime Organizado. Se houver sonegação, passamos para a área de Polícia Fazendária”, explica Oliveira.
O sistema da PF vai cruzar as informações sobre fornecedores do governo, contratos, convênios e repasses feitos pela União, identificará quais orgãos participam dos processos e o cronograma do trabalho desenvolvido. Em outra frente, verificará as emendas parlamentares, os valores pagos e os créditos autorizados. Apenas com o número da licitação, o sistema gerará um gráfico que permitirá fazer a fiscalização dos recursos a partir da liberação de uma emenda parlamentar. Os investigadores saberão, por exemplo, se a verba teve como ponto final uma obra realizada por construtora ligada ao autor da emenda.
Para Oliveira, o I2 também vai facilitar análise de documentos apreendidos. Como a PF já terá monitorado todos os bens e papéis ligados à investigação, uma avaliação de documentos que seria feita seis meses vai ser concluída em 10 minutos, com a ativação de alguns comandos eletrônicos. “O policial vai passar menos tempo pesquisando e mais tempo analisando”, observa o delegado. “Estávamos gastando muito tempo em uma investigação de fraudes em licitações.” Ele não revela
os custos do sistema, mas diz que o valor é bem menor do que o volume de dinheiro investigado em operações da PF. É bom que seja. Só em 2007, houve 29 operações que envolveram desvios acima de R$ 3 bilhões.
Estávamos gastando muito tempo em uma investigação de fraudes em licitações
Emmanuel Balduino de Oliveira, chefe de Doutrina de Inteligência Policial da PF
O número
29 operações feitas pela PF em 2007 investigaram desvios acima de R$ 3 bilhões
Acesso limitado
Se a Polícia Federal tivesse instalado o sistema de monitoramento das licitações um pouco mais cedo, casos como o das operações Sanguessuga – envolvendo a compra de ambulâncias – e Navalha – em torno de fraudes em licitações – não teriam ido adiante. Foram essas duas ações da PF, inclusive, que incentivaram investigadores a usar o software I2 em toda a corporação. Até agora, ele era utilizado apenas pela Diretoria de Inteligência Policial. Durante um mês, 47 serão treinados para manusear o equipamento em todo o país. A exemplo do que ocorre com os registros fiscais dentro da Receita Federal, o banco de dados terá acesso limitado na corporação.
“O sistema terá uma auditagem automática que mostra quem o acessou, o número do computador utilizado e se informações foram copiadas”, explica o delegado Emmanuel Balduino de Oliveira. Segundo ele, haverá uma escala de níveis de entrada no equipamento. “Nossa intenção é descentralizar as investigações”, afirma Oliveira, ressaltando que não há risco de vazamentos justamente pela auditagem.
O acesso às informações será dado a agentes das diretorias de Inteligência Policial, Executiva e de Combate ao Crime Organizado, mas poderá ser repassado para o Ministério Público e o Poder Judiciário. Oliveira reforça que a intenção da Polícia Federal é atender também a demandas de governos estaduais. “A idéia é potencializar o combate à corrupção”, explica. Nos últimos três anos, as operações da PF mostraram que a atuação das quadrilhas ultrapassava fronteiras. Na Operação Sanguessuga, por exemplo, o esquema de fraudes era feito por deputados de vários estados, tendo sido iniciado em Mato Grosso.(EL)
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