Por: Valdomiro Nenevê
Lamentavelmente as polícias, como um todo, vem sofrendo desgastes que dificilmente retroagirão no sentido de readquirir aquela aura que sempre tiveram como agentes da lei e em defesa dos cidadãos honestos. Não que os desonestos não tenham direito à proteção do estado, mas, diante da desobediência do contrato social aprovado adredemente pela sociedade devem reparar seu erro e a reprimenda deve ser proporcional à infração, sem exageros, até porque não deixa de pertencer à raça humana diante das vicissitudes. Mas, a ninguém é dado o direito de “desconhecer a lei” – é o sistema de freios e contrapesos.
Indubitavelmente que existem desigualdades sociais em nosso país, talvez uma das razões para o aumento da criminalidade. Todavia, querer passar a mão na cabeça de quem entra, voluntariamente, no círculo do ilícito penal, quiçá naqueles mais ofensivos ao corpo social, é uma demonstração de falência do nosso sistema, ou seja: existem muitos equívocos que precisam de reparos, até porque a sociedade é dinâmica e os “modus operandi” dos crimes se aperfeiçoam cada vez mais. Então, a sistemática da prevenção e repressão não pode quedar-se inerte.
O Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República editaram uma portaria interministerial com novas diretrizes sobre uso da força e de armas de fogo por parte das polícias da União, compostas pela Força Nacional de Segurança, Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e agentes penitenciários federais. A medida entrou em vigor desde 03.01.2011, quando foi publicada no Diário Oficial da União. O objetivo é tentar reduzir o número de mortes em ações policiais.
Entre as principais mudanças na conduta policial está a proibição do tiro de advertência e de atirar contra pessoas que esteja em fuga e desarmada, mesmo que esteja de posse de arma de menor potencial de risco. O disparo de arma contra veículos que tenham furado um bloqueio policial está proibido e o ato de apontar arma durante uma abordagem deve ser criteriosa. O documento não vale, a princípio, para as corporações estaduais e municipais, como as polícias civil e militar e as guardas civis.
Em 1946, a Organização das Nações Unidas criou o Comitê de Direitos Humanos responsável pela redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que conseguiu expressar uma visão de mundo, até hoje atual, desejada pela comunidade internacional. A questão dos direitos humanos no Brasil é delicada e a situação foi precária durante toda a ditadura militar (1964-1985) e se mantém até hoje. Entre os abusos mais comuns estão tortura ou excesso de força policial e execuções sumárias. O massacre do Carandiru (1992) é considerada a maior violação dos direitos humanos na história recente do país, tendo vitimizado 111 detentos do Presídio de Carandiru.
A preocupação do Ministério da Justiça em conjunto com a Secretaria de Direitos Humanos através dessa portaria é legítima, sem dúvida. Mas, no que tange às recomendações de como se devem proceder as polícias da União, a meu ver, é desnecessária. Essa preocupação já vem de longa data e a Polícia Federal, por exemplo, já foi aprovada com louvor em qualquer teste sobre essa matéria. Os cursos superiores ministrados na Academia Nacional de Polícia, seja no preparo de novos policiais, seja nos cursos de reciclagem, dão ênfase permanentemente nesse sentido. Prova disso, em qualquer operação efetuada pelo órgão, ou em ações isoladas por parte de seus agentes, em caso de prisões, os direitos constitucionais são respeitados plenamente. Aliás, ao preso é fornecida uma guia com a assinatura da autoridade policial informando quem os prendeu e quais direitos possui e poderá utilizados quando bem lhe aprouver.
Quando, meu Deus, houve disparos por parte dessa força federal contra veículos que porventura “furaram” algum bloqueio? Aliás, no caso específico de barreira, todas as estratégias e medidas necessárias no afã de se evitar que haja fuga, seja pessoal ou de veículo, são debatidas à exaustão. A isso se dá o nome de organização e competência.
Se a preocupação também é no sentido de diminuir as mortes “desnecessárias patrocinadas por policiais”, as quais até podem ocorrer em algum quadrante desta nação, podem ficar tranquilos. Infelizmente, nas operações da Polícia Federal, ultimamente, tem-se notícias de que muito mais policiais tombaram, grandes e honrados companheiros, do que meliantes. A Polícia Federal só mata por extrema necessidade. Engraçado: não ficamos sabendo de nenhuma autoridade que representa os direitos humanos que devotassem qualquer apoio, ou ao menos uma visita, aos familiares de policiais federais mortos em serviço.
Essa portaria é uma afronta a todos os Policiais Federais. Vai ser um golpe contra essa instituição que tanto preza pelo respeito a todas as pessoas e que combate com galhardia qualquer tipo de discriminação. Caso ocorra algum excesso por parte de algum servidor, o autor vai responder administrativa e penalmente. Aliás, a Corregedoria da PF é muito atuante e não tolera atos que desabonem a instituição. Externamente, a Procuradoria da República é implacável. Combater os excessos não é defeso , embora, por “estas bandas”, sejam desnecessários.
O novel ministro da Justiça, Excelentíssimo José Eduardo Cardozo, intelectual e professor de direito, além de ter exercido vários mandatos, poderia rever qual a real intenção dessa portaria. Na polícia federal ela é deveras redundante. O temor dos policiais, embora não se manifestem publicamente, é no sentido de uma desmoralização jamais vista. Sem falar que muitos, senão a maioria dos servidores, ficarão desmotivados e isso vai ser ruim para a PF, para todos nós e para o Brasil. Qualquer policial federal em são consciência sabe qual o momento exato e em que proporção deve proceder. Até parece que querem transformar o policial em algo mecânico, robotizado e sem nenhum juízo de valor. A quem isso interessa? Não à sociedade civil organizada e ordeira. Pode ser, quem sabe, para algum político com ideologias esquerdizantes.
Se existem excessos na polícia, seja federal ou estadual, obviamente que tem que ser combatido. Mas, repito: na PF podem ficar despreocupados. A menos que estejam querendo transformar esses destemidos policiais em “BANANA” – Pessoa sem energia, sem vontade própria, palerma. Isso não podemos admitir.
*Valdomiro Nenevê é Agente de Polícia Federal, bacharel em direito, lotado na DELEMIG/SR/DPF/PR. Está há 11 anos na PF e esteve por 11 anos na Polícia Civil.
Fonte: Agência Fenapef
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