Fonte: Agência ANEPF
Por Ricardo Alexandre Wisnievski
O Juiz Federal a 2º Vara da Seção Judiciária em Sergipe – Ronivon de Aragão decidiu favoravelmente ao Mandado de Segurança (Processo: 0800346-59.2014.4.05.8500) impetrado por Escrivães e Agentes da Superintendência da Polícia Federal naquele Estado, “trancando definitivamente” Processo Administrativo Disciplinar instaurado em desfavor daqueles Policiais Federais, por entender, aquele juízo, que não cabe aos servidores acusados “arcar, com seu próprio dinheiro (o qual deve ser destinado ao seu sustento e da sua família) com uma
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Sergipe
2a Vara
PROCESSO N°
0800346-59.2014.4.05.8500S.
CLASSE:
MANDADO DE SEGURANÇA.
PARTES:
EDUARDO FEITOSA FONSECA e OUTROS.
SUPERINTENDENTE REGIONAL DA POLÍCIA FEDERAL E OUTRO.
SENTENÇA TIPO “A” (Resolução nº 535/2006-CJF).
EMENTA:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. DIÁRIAS. ART. 58, DA LEI Nº 8.112/90. SERVIÇO A SER REALIZADO EM LOCAL DIVERSO DA SEDE FUNCIONAL. AUSÊNCIA DE DISCRICIONARIEDADE. PROCESSO DISCIPLINAR POR ALEGADO DESCUMPRIMENTO DE ORDEM DE SERVIÇO. DESCABIMENTO. ILEGALIDADE DO ATO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA.
I. Indevida a exigência, por parte da Administração, do cumprimento de ordem de serviço a ser realizada em outro ponto do território nacional, sem que pague antecipadamente, na forma da lei, diárias destinadas a indenizar as parcelas de despesas extraordinárias com pousada, alimentação e eventual locomoção urbana;
II. Nesse aspecto, não há falar em discricionariedade da Administração, restando plenamente vinculado o administrador ao quanto disposto no normativo acima transcrito, porquanto o citado dispositivo não deixa margem a qualquer ponderação acerca da conveniência ou oportunidade para a realização do ato;
III. Não se pode exigir do servidor, a serviço em outro ponto do território nacional (ou exterior), que arque com o ônus que é da Administração, conforme previsão legal expressa, sobretudo constrangendo-o a ser submetido a procedimento administrativo disciplinar, numa completa inversão de valores;
IV. Concessão da segurança.
1 – RELATÓRIO.
Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por Eduardo Feitosa Fonseca, José Adalberto dos Santos, Ismar Montenegro, José Carlos da Silva Bispo, Ronaldo Rodrigues Lima, Isaías Santos Vilela, Achiles Lima Mâcedo, Élcio Garcia Gomes, Rodrigo Veloso da Silva Muniz, Luis Ferdinand Mendes Rocha, José Almildo Ferreira e Sandro Almeida Silva Figueiredo em face de suposto ato praticado pelo Superintendente Regional da Polícia Federal em Sergipe e do Presidente da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, objetivando, em sede de liminar, sejam suspensos todos os atos, inclusive seus efeitos, do processo administrativo disciplinar nº 01/2014 junto à 1ª Comissão de Processo Administrativo Disciplinar da Superintendência Regional da Polícia Federal em Sergipe e, neste período de suspensão, que os servidores não tenham em seus cadastros funcionais qualquer impedimento de cumprimento de missão fora do domicílio.
Aduzem ser agentes e escrivães da Polícia Federal em Sergipe e, em 17/08/2013, deveriam cumprir mandados judiciais no Estado de Alagoas, esclarecendo ser comum a referida designação para missões naquele Estado.
Alegam que o deslocamento do servidor prescinde de pagamento de diárias que visam a custear alimentação, hospedagem e transporte, o que não vem ocorrendo, na prática, nas Ordens de Missão em cumprimento junto à Superintendência Regional de Alagoas.
Discorrem que, comumente, os servidores se deslocam da Regional no Estado de Sergipe para cumprimento de missões em localidades diversas da sua sede funcional, sem receber as diárias, tendo que arcar com os seus próprios recursos, com todas as despesas da missão e que incumbem à Administração. Ou seja, há uma completa inversão das obrigações, pois a Pública Administração não cumpre com os seus atos, delegando aos seus servidores obrigações que não lhe cabem, precipuamente as financeiras.
Por conta disso, na Ordem de Missão nº 069/2013, que deveria ser cumprida em 17/08/2013, os servidores que estavam designados, (muitos eram voluntários para aquele ato), acabaram por não viajar, em razão de que as diárias não foram depositadas antecipadamente, a maioria, inclusive, porque não dispunha de dinheiro para aquela finalidade.
Aduzem que a missão não estava caracterizada como de urgência ou emergência, para que se justificasse a dispensa de depósito prévio de diárias aos servidores vinculados a ela, conforme se comprova pela vasta documentação em anexo. Por outro lado, alegam que, em nenhum momento, ainda que sem o pagamento dos referidos valores, os servidores deixaram de promover os atos necessários para o desenvolvimento da Ordem de Missão nº 069/2013, até o dia programado para a viagem.
Em contrapartida, os servidores foram surpreendidos com notificações para responder a Processo Administrativo Disciplinar, por suposta transgressão aos art. 43, incisos XX, XXIV e XXVI da Lei 4.878/65.
Discorrem que instaurado referido processo, verificou-se a insuficiência de fatos para corroborar a capitulação do inciso XXIV, do art. 43 da Lei 7.878/65, prosseguindo o processo administrativo disciplinar somente em relação aos incisos XX e XXVI do referido diploma legal.
Com a inicial, junta a procuração e os documentos.
A liminar foi indeferida.
A União requereu o deferimento de prazo para contestar, o que restou indeferido (ID 4058500.76697).
Notificada, a autoridade impetrada apresentou informações e documentos, defendendo a legalidade do ato impugnado, requerendo a denegação da segurança.
Intimada, a parte impetrante manifestou-se oportunamente.
Remetidos os autos ao MPF, foi proferido parecer, pugnando pela extinção do feito sem resolução do mérito em relação ao Presidente da Comissão Permanente de Disciplina e, no mérito, a denegação da segurança.
É o relatório.
2 – FUNDAMENTAÇÃO.
2.1. Da legitimidade passiva do Delegado de Polícia Federal Nilton Cézar Ribeiro Santos, Presidente da Comissão Permanente de Disciplina.
Descabe a alegação de ilegitimidade passiva do Delegado de Polícia Federal, Nilton Cézar Ribeiro Santos, uma vez que é responsável direito pela Comissão Permanente de Disciplina, a quem incumbe dar o devido andamento ao feito administrativo objeto da presente lide, de forma a rejeitar a referida preliminar.
2.2. Mérito.
O ato combatido pelo presente mandamus, a teor da inicial, consubstancia-se na instauração do processo administrativo disciplinar nº 01/2014 junto à 1ª Comissão de Processo Administrativo Disciplinar da Superintendência Regional da Polícia Federal em Sergipe.
Tal procedimento visa à apuração de falta consubstanciada em suposto descumprimento, por parte dos impetrantes, de ordem de superior hierárquico, exarada na Ordem de Missão Policial n. 069/2013-DRCOR/SR/DPF/SE, emitida em 13.09.2013.
Tal falta teria resultado do fato de não se apresentarem, em 19.09.2013, na circunscrição da Superintendência de Polícia Federal em Alagoas para deflagração de operação policial, condutas que, em tese, se amoldam às transgressões disciplinares previstas nos incisos XX, XXIV, do art. 43, da Lei n. 4.878/65:
Art. 43. São transgressões disciplinares:
[…]
XX – deixar de cumprir ou de fazer cumprir, na esfera de suas atribuições, as leis e os regulamentos;
[…]
XXIV – negligenciar ou descumprir a execução de qualquer ordem legítima;
Entretanto, a parte impetrante alega ser indevida a exigência, por parte da Administração, do cumprimento de ordem de serviço a ser realizada em outro ponto do território nacional, sem que pague, na forma da lei, diárias destinadas a indenizar as parcelas de despesas extraordinárias com pousada, alimentação e locomoção urbana.
Impende consignar que a autoridade impetrada, notificada a apresentar informações, não rebateu as alegações dos impetrantes, no que diz respeito ao não pagamento antecipado dos valores relativos às diárias referidas. Limitou-se a invocar a ilegitimidade passiva do Presidente da 1ª Comissão Permanente de Disciplina da SR/DPF/SE e a legalidade da instauração do procedimento combatido, face ao não cumprimento da ordem de serviço.
Ora, na dicção do art. 58 da Lei 8.112/90, o servidor que, a serviço, afastar-se da sede em caráter eventual ou transitório para outro ponto do território nacional ou para o exterior, fará jus a passagens e diárias destinadas a indenizar as parcelas de despesas extraordinária com pousada, alimentação e locomoção urbana, conforme dispuser em regulamento.
A norma insculpida é clara, não deixando margem a dúvidas.
Por outro lado, não se pode exigir do servidor, a serviço em outro ponto do território nacional (ou exterior), em localidade diversa da sua sede funcional, que arque com o ônus que é da Administração, conforme previsão legal expressa, sobretudo constrangendo-o a ser submetido a procedimento administrativo disciplinar, numa completa inversão de valores.
Neste sentido, colaciono o seguinte julgado:
ADMINISRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DIÁRIAS. ART. 58, DA LEI Nº 8112/90. PAGAMENTO ATRASADO. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. RESSARCIMENTO DAS CUSTAS. HONORÁRIOS. – A teor do art. 58, caput e § 1º, da Lei nº 8112/90, alterados pela Lei nº 9527/97, as diárias têm natureza indenizatória pelas despesas realizadas pelo servidor com alimentação, hospedagem e locomoção ao se deslocar, temporariamente, da sua sede funcional, a serviço da Administração. – Se as provas constantes dos autos são suficientes a demonstrar que o servidor público deslocou-se por diversas vezes da sua sede funcional para exercer atividades profissionais no interior do Estado, no Município de Surubim-PE, há que lhe serem pagos os valores relativos às diárias a que faz jus. – O réu, apesar de ter conhecimento de que as propostas por ele apresentadas como matéria de defesa não coincidiam com as vindicadas pelo postulante, utilizou esses documentos como prova do pagamento das diárias requeridas, incidindo, portanto, em litigância de má-fé, a teor do art. 17, incisos I, II e V, do CPC, por deduzir defesa contra fato incontroverso, alterar a verdade dos fatos e proceder de modo temerário. – Multa por litigância de má-fé mantida em 1% sobre o valor da causa, eis que dentro dos parâmetros legais impostos pelo art. 18, caput, do CPC. – A isenção do pagamento de custas concedida às autarquias federais, por força do disposto no art. 8º, § 1º, da Lei nº 8620/93 e da Lei nº 9289/96, não as desobriga do encargo de reembolsar as despesas antecipadas pela parte autora. – Juros de mora à base de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação, porquanto esta ocorreu ainda na vigência do Código Civil de 1916. Somente nos casos em que a citação se der na vigência do novo Código Civil é que se utilizará a SELIC como taxa de juros de mora, a qual inclui, também, em seu bojo, o critério de atualização monetária. – Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.
(AC 200283000137506, Desembargador Federal José Maria Lucena, TRF5 – Primeira Turma, DJ – Data: 25/02/2005 – Página: 677 – Nº: 38.)
Nesse aspecto, não há falar em discricionariedade da Administração, restando plenamente vinculado o administrador ao quanto disposto no normativo acima transcrito, porquanto o citado dispositivo não deixa margem à qualquer ponderação acerca da conveniência ou oportunidade para a realização do ato.
Frise-se que, no caso, não houve situação de emergência e nem se trata de serviço desempenhado em período superior a 15 (quinze) dias, para efeito de mitigar-se a regra do pagamento antecipado das diárias.
No que se refere ao primeiro ponto, imperioso destacar que a solicitação de servidores para cumprimento da missão deu-se ainda em 10/09/2013, tendo sido deferida pelo Ministério da Justiça em 12/09/2013, sendo a determinação, no âmbito da Superintendência no Estado de Sergipe, do dia 13/09/2013.
Ora, a missão a ser cumprida seria em 19/09/2013, ou seja, 07 (sete) dias após a autorização dada e 06 (seis) dias depois da determinação expedida no âmbito do DPF/SE, a descaracterizar a alegação de emergência. E, aqui, não se trata de afirmar que a essência da ordem judicial não seria urgente. Frisa-se que a emergência foi descaracterizada, ao transcorrer período de 07 (sete) dias, entre a data da autorização da missão e o dia da sua efetivação.
O lapso de 07 (sete) dias é mais do que suficiente para a Administração Pública formalizar o pagamento antecipado das diárias, não sendo o servidor responsável pelos eventuais entraves burocráticos acaso existentes. Situação de emergência configurar-se-ia se a necessidade de viagem a serviço se desse para o dia seguinte ou em um período de 48 (quarenta e oito) horas.
Mas, não foi essa a situação dos autos, pois a Administração dispôs de um período de 07 (sete) dias para formalizar o procedimento, autuando-o, colhendo as autorizações devidas e procedendo ao pagamento devido aos servidores incumbidos da missão.
Esclareça-se que, mesmo em tais situações – como a de emergência -, mitiga-se a regra, tão somente, quanto ao pagamento antecipado, jamais quanto ao fato de que as diárias são devidas e devem ser pagas ao servidor.
Demais disso, não houve qualquer desobediência e nem insubordinação dos impetrantes, pois não houve insurgência quanto ao cumprimento da ordem de serviço.
Na verdade e tão somente, os impetrantes deixaram de se apresentar ao local do serviço – fora de sua sede de trabalho – e no qual seria realizada a diligência, porque não poderiam arcar, com seu próprio dinheiro (o qual deve ser destinado ao seu sustento e da sua família), com uma atividade que é do interesse do serviço.
Aliás, a admitir a tese da parte impetrada – e que foi corroborada pelo MPF – este juízo estaria derrogando o que dispõe o art. 58 da Lei nº 8.112/90, eis que, doravante, bastará à Administração determinar que seus servidores realizem atividades profissionais fora de sua sede funcional e estes, mesmo sem qualquer pagamento da retribuição indenizatória, seriam obrigados a fazê-lo.
Indaga-se: e os custos com o deslocamento, custos esses que não dizem respeito somente a transporte? Ficarão a cargo dos servidores? E, mesmo que os servidores não possam arcar com tais custos, serão obrigados a tanto?
A resposta é, extreme de dúvidas, negativa, porque, do contrário, inverte-se todo o arcabouço do regime jurídico-administrativo ao qual estão jungidos servidores e, também, a Administração Pública.
3 – DISPOSITIVO.
Ante todo o exposto, CONCEDO a segurança pleiteada, para determinar o trancamento definitivo do PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Nº 01/2014, junto à 1ª Comissão de Processo Administrativo Disciplinar da Superintendência Regional da Polícia Federal em Sergipe, devendo ser excluído, definitivamente, qualquer registro do sistema interno daquela Superintendência de que os servidores impetrantes responderam a este processo administrativo, não podendo implicar infração ou impedimento de vantagens funcionais.
Expeça-se ofício para cumprimento, no prazo de até 05 (cinco) dias, a contar da ciência deste decisório.
São incabíveis honorários advocatícios nesta sede processual, a teor da Súmula nº 512 do Supremo Tribunal Federal e Súmula nº 105 do Superior Tribunal de Justiça.
Custas processuais pela parte impetrada, devendo restituir o que foi antecipado, a esse título, pelos impetrantes.
Sujeita a reexame necessário.
P.R.I.
RONIVON DE ARAGÃO,
Juiz Federal.
Número do processo: 0800346-59.2014.4.05.8500
Comments are closed.