Fonte: Correio Braziliense
Apesar de o recesso branco ser inconstitucional, parlamentares viajam e publicam fotos em redes sociais
Oficialmente, o recesso não existe. A Constituição diz que, sem votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), nenhum parlamentar pode sair de férias. Mas o senador Ciro Nogueira (PP-PI) não perdeu tempo. No último dia 19, logo após os congressistas debandarem do Congresso, ele postou foto, em uma rede social, de uma colorida caipivodca, com um convite aos eleitores: “Querem? É de tangerina!”. Um seguidor respondeu que adora suco, e o senador respondeu: “Esse tem um pouco de vodca”.
Assim como Nogueira, vários deputados e senadores deixaram os corredores e os plenários do Congresso vazios nas últimas semanas e viajaram para pontos turísticos do Brasil e do mundo, tendo assegurado o polpudo contracheque de julho, sem nenhum desconto. Nem mesmo as manifestações populares de junho inibiram os parlamentares a tirarem a licença ilegal, e muitos registraram, sem constrangimento, as viagens em redes sociais.
A Constituição diz que o Congresso só tem a pausa de 15 dias no mês de julho quando a LDO do ano seguinte é votada e aprovada. Mas tanto no plenário da Câmara quanto no do Senado, os parlamentares aprovaram requerimentos para que não ocorram sessões nas Casas até 31 de julho, uma ferramenta não prevista na Constituição.
Na prática, sem reuniões deliberativas, os parlamentares ficaram livres do desconto na folha de pagamento. Como não há recesso oficial, porém, os prazos para vencimento de medidas provisórias e textos com urgência constitucional continuam contando — deixando o risco de algumas caducarem nos dias de lazer, antes do retorno das atividades.
No dia 19, uma tarde de sexta-feira útil, Nogueira curtia um casamento regado a caipivodca. A cerimônia foi o ponto de partida das férias iniciadas no mesmo dia. Ao lado da mulher, a deputada Iracema Portella (PP-PI), e de duas filhas, o casal embarcou para Nova York, nos Estados Unidos. “Férias com as filhas e o maridão, perfeitas!”, postou Iracema em uma rede social de fotografia. Segundo a assessoria de imprensa da deputada, ela estava “incomunicável” e não poderia falar com a reportagem. Já a assessoria de Nogueira não retornou os contatos do Correio.
Bariloche
Maurício Quintella Lessa, deputado do PR-AL, foi esquiar em Bariloche, na Argentina. Todo empacotado para se proteger contra o frio, postou várias fotos dele e da família na neve, em poses aventureiras. Desde a partida, tudo foi registrado em redes sociais. Reunido à mesa com a família, ele comemorou a “primeira parrillada (churrasco) em Bariloche”. E avisou aos eleitores: “Ficamos até o dia 30”. A assessoria do deputado disse que “não estava entendendo o motivo da reportagem” e, depois de informar que tentaria entrar em contato com o parlamentar, não retornou aos telefonemas.
O deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ) também aproveitou julho para viajar e visitou a Turquia. Nas redes sociais, publicou fotos e comentou fatos da política local: “Logo no primeiro dia, uma visita inevitável, até porque o hotel fica perto. De fato, uma aberração querer acabar com o parque”, escreveu, referindo-se ao Parque de Giza. O governo de Istambul pretendia fechar o parque definitivamente, mas houve manifestações, que culminaram em choque com a polícia local. “ O fato de preferir não ficar em Brasília ou no Rio nesse período pouco produtivo e ir ao exterior não me diferencia de nenhum outro parlamentar”, alegou ao Correio.
No dia 16, parlamentares do PMDB reuniram-se em um jantar para celebrar o fim do semestre. Durante a comemoração, a bancada entendeu que seria melhor tomar cuidado com as fotografias “de feriado”. A ideia era evitar serem flagrados divertindo-se no exterior ou descansando na praia. A recomendação não foi seguida pelo próprio presidente da sigla, o senador Valdir Raupp (RO), que foi à Índia. Quem postou foto da viagem foi o filho do peemedebista. Antes do recesso, Raupp comentava nos corredores do Senado que estava preocupado com a possibilidade de o recesso ser adiado, porque já havia planejado a mesma viagem outras vezes e acabou frustrado por diferentes motivos. Desta vez, porém, resolveu enfrentar o imprevisto e deixar o impedimento da Constituição para trás. “A felicidade não está em viver, mas em saber viver. Não vive mais o que mais vive, mas o que melhor vive”, escreveu Valdir Raupp Filho sobre foto tirada com o pai em frente ao túmulo de Mahatma Gandhi, parafraseando o pacifista.
O senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) optou por um destino nacional. Foi para a Ilha de Comandatuba, na Bahia. Com a mulher ao lado, disse, em uma rede social, que estava aproveitando um dos “cinco dias de folga”, no último dia 23, para uma caminhada na praia. A foto foi apagada minutos depois de o Correio entrar em contato com a assessoria de imprensa do senador. Oliveira informou que ficou na ilha entre 19 e 21 de julho e já está em Palmas.
Para Rui Tavares Maluf, cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política (Fesp), o descaso dos parlamentares com a Constituição é “abusivo”. “Em momento de tensão social, com as manifestações pelas ruas revelando um desagrado com homens públicos, vemos os congressistas ignorando a LDO, que é a mãe de outras leis orçamentárias e, por isso, muito importante para a população. Essa questão é tratada de maneira muito aquém do que a gente espera de quem lida com a decisão de como o dinheiro público será gasto.”
LDO
» O relatório preliminar do Projetode Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2014 precisa ser votado na Comissão Mista de Orçamento, mas até agora não há acordo
Royalties para educação e saúde
» A Câmara votou a proposta que destina 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde. O texto seguiu para o Senado, onde foi modificado, e voltou para análise dos deputados. Eles começaram a revisão, mas, sem acordo, deixaram para concluí-la depois do recesso
Minirreforma eleitoral
» O relatório do deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que pretende afrouxar, entre outras coisas, as regras de doação e financiamento para campanha com validade já para 2014, está pronto, mas não pôde ser votado porque a proposta dos royalties tranca a pauta. O texto ainda precisa passar pelo Senado
Reforma política
» O pedido da presidente Dilma Rousseff para que o Congresso aprovasse a convocação de plebiscito com efeitos para 2014 não vingou. A Câmara priorizou a criação de um grupo de trabalho que vai elaborar um texto a ser submetido a referendo nas próximas eleições. O PT ainda promete apresentar projeto em agosto para retomar a ideia inicial de Dilma
Corrupção como crime hediondo
» A matéria foi aprovada no Senado e havia a promessa para que passasse pela Câmara antes do recesso, mas não entrou na pauta
Marco civil da internet
» A proposta que regulamenta o funcionamento e o trânsito de dados na rede foi considerada prioritária pelo governo desde que surgiram denúncias de que o Brasil foi alvo da espionagem americana. Não houve, porém, acordo sobre o texto
Foro privilegiado
» O fim do benefício dado aos parlamentares está na pauta da Câmara e do Senado, mas encalhou no lobby dos magistrados
Comments are closed.