Parecer de psicólogas, contestado por outros especialistas, sugere imobilização de presos em todos os casos
A Polícia Federal recorreu à psicologia para defender o direito ao uso de algemas, prática limitada por súmula do Supremo Tribunal Federal (STF) de agosto. Um parecer das psicólogas Miriam Regina Braga e Mariana Neffa Araújo Lage, da Academia Nacional de Polícia, adverte sobre “a impossível missão imposta ao policial” de avaliar em que situação elas devem ou não ser usadas.
As duas argumentam que as pessoas são imprevisíveis em momentos de estresse, como na hora de uma prisão. Com citações a diversos estudos, concluem que “uma padronização de procedimento é a opção mais adequada, tornando o ato de algemar em todas as situações a mais segura para todos envolvidos”. O parecer foi pedido pelo Setor de Ensino Operacional da Academia Nacional de Polícia do Departamento de Polícia Federal.
O trabalho é contestado. Talvane de Moraes, psiquiatra há 45 anos, que lida com a psiquiatria forense no Rio, acha que as duas generalizaram uma situação para defenderem uma tese “consentânea com o local onde trabalham”.
As psicólogas citam o cientista Hans Selye para mostrar que em situações de estresse a pessoa “faz o que for necessário para sua sobrevivência”. Essa reação é chamada de “síndrome geral de adaptação”. Segundo a dupla, “a primeira fase dessa síndrome é a reação de alarme, quando o corpo libera adrenalina e inicia uma variedade de mecanismos psicológicos para combater o estresse e permanecer
Depois de outras citações, elas lembram que “fortes emoções acompanham a reação ao estresse, como terror, medo, ansiedade, ira e raiva”. Destacam que a reação pode ser provocada por fatores físicos, “como no caso de um ataque direto, quanto psicológico, como em um evento que é interpretado como ameaçador à integridade física, moral ou psicológica da pessoa, seja essa ameaça real ou imaginada”.
As psicólogas afirmam que a reação “está circunscrita biologicamente no organismo de todo ser humano”. “Faz parte da evolução das espécies e ocorre diante de situações interpretadas como ameaçadoras”, detalham, no parecer. E concluem pela “impossibilidade de uma previsão acertada do comportamento de uma pessoa, de sua reação diante de uma situação de estresse agudo como no momento de uma prisão”. Lembram que o próprio policial vive uma situação de estresse para defenderem, como conduta padrão, o uso das algemas.
‘COLCHA DE RETALHOS’
Tanto Moraes como Palomba acham um erro a generalização. “Elas pegaram dados científicos e fizeram uma colcha de retalhos para justificar o uso das algemas sempre, quando deve ser uma excepcionalidade, não a regra”, contesta Moraes. “Elas fazem citações doutrinárias, nem todas pacíficas, levam para um patamar de situação patológica de estresse e tiram suas conclusões. Não concordo. Tem casos e casos e o policial, por ser policial, tem de ter a capacidade de mensurar se aquele indivíduo vai ter esta ou aquela reação e quando usará a algema”, diz Palomba.
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