A Polícia Federal apreendeu os seis computadores da Casa Civil de onde teriam saído os dados dos gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A busca foi feita ontem à tarde pelo delegado Sérgio Barboza Menezes, que preside o inquérito sobre o vazamento das informações. Ele também conversou com funcionários da pasta para saber sobre o funcionamento do sistema que armazenou as despesas do governo passado e como as planilhas foram organizadas. Os equipamentos serão periciados por técnicos da Superintendência da PF no Distrito Federal a partir de hoje. Barboza Menezes não precisou de mandados pelo fato de a Casa Civil ter liberado o acesso e pela razão de os equipamentos serem públicos.
Menezes ainda trabalha com informações preliminares e não deverá, pelo menos nos próximos dias, tomar nenhum depoimento de servidores da Casa Civil. Entre eles, a secretária-executiva da pasta, Erenice Guerra, braço direito da ministra Dilma Rousseff e que teria sido a responsável por ordenar o levantamento de dados sobre os gastos de FHC e da mulher dele, Ruth Cardoso. A convocação é para saber quem tinha acesso aos dados. A linha mais importante da investigação, entretanto, é saber a quem interessava vazar o dossiê e qual foi a pessoa beneficiada com isso. Se for servidor público, também responderá uma ação administrativa, que será sugerida pela comissão de sindicância que tem até o próximo dia 24 para apurar quem fez o dossiê.
Ao mesmo tempo que investigará pelo menos seis funcionários da Casa Civil, a PF vai analisar os computadores, sendo cinco deles notebooks, de onde teriam saído o vazamento. Na avaliação de policiais, a perícia deverá durar pelo menos 15 dias, caso seja dado prioridade dentro da superintendência, que contará com a ajuda de analistas do Instituto Nacional de Criminalística (INC).
Acesso
Para investigadores, os equipamentos são os principais caminhos para a PF chegar não apenas a quem vazou as informações, mas também em quem teve acesso aos dados. Com isso, a apuração vai mostrar também, mesmo isso não sendo o motivo do inquérito, quem montou o dossiê.
O governo preferiu investigar apenas o vazamento de informações sigilosas, uma forma de evitar que outro tipo de apuração se aproximasse de servidores ligados à Dilma. A ministra diz que os documentos fazem parte de um banco de dados organizado nos últimos meses. Porém, com a publicação pela imprensa de uma reprodução de acesso aos computadores da Casa Civil, o Palácio do Planalto não teve outra saída a não ser mandar a PF apurar. Se isso não ocorresse, o inquérito teria que ser aberto de qualquer forma, por causa da veiculação de uma informação sigilosa e por um pedido do deputado Raul Jungmann (PPS-PE).
O delegado Barboza Menezes não quis falar com a imprensa durante todo o dia de ontem. Um procedimento que ele também adotou durante a investigação do mensalinho, o inquérito que apurou dinheiro recebido pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti por um dono de restaurante.
Os colegas de Polícia Federal indicam duas qualidades no delegado Barbosa Menezes que tranqüilizam e preocupam o Palácio do Planalto. Menezes evitar falar de suas apurações, o que dificulta o vazamento e a exposição de funcionários graúdos do governo. Porém, conduz suas investigações de forma independente.
FHC CRITÍCA APURAÇÃO
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que é um erro a Polícia Federal investigar apenas o vazamento do dossiê sobre os gastos do seu governo. “Isso é grave”, criticou. “O dossiê é uma chantagem. Isso é que deveria ser investigado”, afirmou, defendendo em seguida o fim do sigilo sobre gastos da Presidência: “Os gastos do governo não devem ser secretos, não há razão”. Questionado sobre a possibilidade de a PF não investigar a elaboração do dossiê, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, disse que acha “muito difícil” que a PF “com a autoridade e a credibilidade que tem”, não vá além daquilo que foi ontem “anunciado nas páginas dos jornais”. “Eu não sei como separar as duas coisas. É o mesmo processo, que se inicia com a construção seja desse banco de dados, seja desse dossiê, e culmina com o vazamento dessas informações”, declarou o governador de Minas, Aécio Neves.
Caminhos da investigação
O inquérito aberto pela Polícia Federal para apurar o vazamento dos documentos sobre os gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deve seguir os seguintes meios:
A quem interessava
Na avaliação de policiais, o primeiro caminho é saber a quem interessava vazar o dossiê com as contas de FHC e sua mulher, Ruth Cardoso
Quem tinha acesso
Todas as pessoas que tinham acesso aos computadores da Casa Civil deverão ser investigadas e, no mínimo, terão que prestar depoimentos à Polícia Federal
Quem recebeu
A apuração deverá verificar se a pessoa que recebeu o documento era o verdadeiro interessado no dossiê ou se o fez apenas como intermediário de terceiros
Quem se beneficiou
Em seguida, a apuração deverá seguir em torno de quem levou vantagem com o vazamento. Se a mesma pessoa entregou o documento à imprensa ou terceiros
Computadores
Talvez seja o principal caminho que a Polícia Federal vai seguir: analistas da PF observam que uma perícia pelo INC nos computadores poderá revelar todo o caso em poucos dias
Dados sigilosos de Lula abertos
Leandro Colon
Da equipe do Correio
O Palácio do Planalto parece ter perdido o controle de documentos que tratam dos gastos sigilosos da Presidência da República com o cartão corporativo. Depois da divulgação de um dossiê com despesas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, informações consideradas secretas sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começam a circular pelos corredores do Congresso.
São pedidos de autorização para liberação de dinheiro e prestação de contas de funcionários do Gabinete de Segurança Institucional, a maioria tripulantes do avião presidencial. Dados que confirmam a guerra de informação entre governo e oposição em torno da crise sobre o uso dos cartões corporativos.
Um ofício assinado em 13 de setembro do ano passado por Carlos Eduardo Martins, assessor para Assuntos de Aeronáutica no GSI, pede a autorização de US$ 50 mil (hoje, algo em torno de R$ 85 mil) para o tenente-coronel André Luiz Fonseca e Silva gastar na viagem do presidente Lula entre 24 e 25 daquele mesmo mês a Nova York na Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento foi enviado ao diretor de Planejamento, Orçamento e Finanças da Presidência, Gilton Saback Maltez, que assinou seu recebimento no mesmo dia.
O dinheiro foi liberado e dois aviões usados: um considerado vip, com Lula, e outro com os demais passageiros. Desse valor adiantado ao servidor, R$ 30.543 foram devolvidos em 27 de setembro por meio de uma Guia de Recolhimento da União (GRU). O restante, R$ 50 mil, foi gasto, sendo que cerca de R$ 19 mil com a comida dos passageiros, incluindo sanduíches, pizza, peixe, porco, gelatina e 200 chicletes. Só a aeronave de Lula, com 23 passageiros e 14 tripulantes, consumiu R$ 9 mil reais em alimentação no vôo. Numa viagem para Zurique de
No documento que pede a liberação de dinheiro, a Aeronáutica argumenta que os valores são necessários para pagar taxas aeroportuárias, apoio de solo, entre outras coisas. Procurada pela reportagem, a assessoria do Gabinete Institucional afirmou que não comentaria o assunto porque esses gastos são considerados “sigilosos”.
Vic Peres
Parte dessas informações foi lida ontem pelo deputado Vic Pires Franco (DEM-PA) no depoimento do ministro-chefe do GSI, Jorge Armando Félix, à CPI dos Cartões. O parlamentar quis saber por que despesas com alimentação do avião presidencial estão sob segredo. “O que o presidente comeu, o que bebeu é sigiloso?”, afirmou. Félix se irritou com a indagação. Argumentou que esses dados podem se enquadrar no caráter de segurança nacional.
A base aliada do governo na CPI protestou contra o deputado. Questionou-o sobre a origem das informações. Na opinião do líder do Planalto na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), isso chega a ser uma “espetacularização” do banco de dados do governo.