Polícia Federal apura quem são os autores do monitoramento de Gilmar Mendes. Procurador-geral acha difícil encontrar culpados
Uma das linhas de investigação da Polícia Federal em torno das escutas clandestinas no gabinete do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, deverá ser a checagem das centrais telefônicas dos prédios da corte e do Senado. Ontem, o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, determinou a abertura de inquérito para apurar quem são os autores e os motivos do monitoramento do ministro. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) também abriu uma sindicância para investigar se os grampos foram feitos por um de seus agentes, conforme denúncia da revista Veja, no fim de semana.
Antes mesmo da decisão da PF, o Ministério Público Federal já havia se manifestado pela investigação. O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, afirmou que não havia, ainda, indícios sobre os autores das escutas clandestinas. “Não há indicação de quem fez, muito menos suspeita de que tenha partido de alguém com prerrogativa de foro”, afirmou o procurador. “Nenhuma instituição séria tomaria iniciativa de promover atos tão acintosos para a ordem nacional”, acrescentou Antonio Fernando, defendendo uma apuração rigorosa. “A única coisa certa é a de que há transcrição de diálogo que foi verdadeiro e que houve gravação.”
A PF ainda não tem nenhum indício de como foi feita a gravação da conversa entre Gilmar Mendes e o senador Demostenes Torres (DEM-GO). Mas vai trabalhar, a partir da abertura do inquérito, com a hipótese de escuta ambiental e telefônica. Nos dois casos, há a possibilidade de o crime ter sido cometido por um profissional, segundo avaliam delegados especialistas na área. A hipótese mais provável é que a escuta tenha sido telefônica e não nos gabinetes dos dois interlocutores.
Ordem judicial
Os investigadores vão trabalhar com a possibilidade de o grampo ter sido colocado nas centrais telefônicas do Senado ou do STF, um dos meios mais utilizados nesse tipo de crime. “Quando há ordem judicial, as empresas de telefonia são obrigadas a liberar os números. Como não é esse o caso, as centrais podem ter sido o meio usado para o grampo ilegal”, afirma um delegado Federal especialista no tema. Segundo ele, com isso é possível fazer a escuta inclusive nos ramais das duas autoridades.
Desde que o sistema passou de analógico para o digital, diminuíram-se as possibilidades de escutas, principalmente nas caixas telefônicas residenciais. Mas também aumentaram os aparelhos de grampo clandestinos, como a chamada maleta, um dos mais sofisticados equipamentos
Ontem, o dia todo foi de reuniões entre as diversas partes envolvidas. Corrêa esteve cedo com o ministro da Justiça, Tarso Genro, e depois os dois se encontraram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O diretor da Abin, Paulo Lacerda, conversou com seu superior, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Félix, que descartou o envolvimento de Lacerda com os fatos.
Sem prerrogativa para investigar
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi criada para assessorar o presidente da República em casos envolvendo a segurança nacional, mas não tem prerrogativa para fazer investigação, uma tarefa exclusiva da Polícia Federal. Na maior parte das vezes, as informações transmitidas são de caráter preventivo. A Abin atua em atividades de inteligência e contra-inteligência, mas não pode fazer escutas telefônicas, ao contrário da PF.
Quando assumiu a direção da Abin, o delegado Federal Paulo Lacerda defendeu no Congresso a criação de uma legislação para dar poder à agência de fazer monitoramento telefônicos com autorização judicial. No debate, que não chegou a se aprofundar, entrou também o diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, que opinou contrário ao tema. Na Câmara e no Senado, o assunto também não teve prosseguimento.
A obrigação da Abin é antecipar fatos e situações ao presidente, mas nos últimos anos isso nem sempre aconteceu. Ao contrário, a instituição acabou se envolvendo nos próprios problemas que teria que levar ao Palácio do Planalto. Uma de suas obrigações é avaliar as ameaças, internas e externas, além de planejar e executar ações, inclusive sigilosas, para obter e analisar dados para a produção de conhecimentos destinados ao presidente. Teoricamente, os profissionais da instituição não podem utilizar o conhecimento em benefício próprio.
A agência é ligada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, mas dois dos três dos diretores que por lá passaram durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eram funcionários de carreira. Lacerda, que deixou a direção da Polícia Federal em setembro do ano passado, foi indicado para o cargo pelo próprio Lula.
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