por Alexandre Sally
Veja a entrevista com o diretor jurídico do SINDPOLF/SP, Alexandre Sally, sobre os abusos no Processo Administrativo Disciplinar
SINDPOLF/SP – O que significa esse processo?
Sally – Para apurar possíveis infrações de natureza funcional, ou transgressões disciplinares, cometidas por seus funcionários, a Administração Pública se utiliza de instrumentos previstos em lei, obedecendo a um ritual próprio para o apuratório. Um desses instrumentos é o Processo Administrativo Disciplinar, comumente chamado de “PAD”, ou “PD”. Da instauração desse Processo poderá resultar a aplicação de penalidades contra o servidor faltoso, ou o arquivamento do procedimento, no caso de inexistência do cometimento da falta, por exemplo.
SINDPOLF/SP – Como o PAD é conduzido na PF?
Sally – Por uma Comissão Permanente de Disciplina, composta por três servidores estáveis, que devem se comportar de forma imparcial, embora composta por membros da Administração. Eles não devem buscar a simples punição, mas, o oportuno e justo apuratório, sem tendência de julgamento, seja para o lado do servidor, ou para a Administração.
SINDPOLF/SP – Mas não é isso o que acontece?
Sally – Infelizmente, o que se vê, na maioria dos casos, na Polícia Federal, é a mentalidade retrógrada e ultrapassada de que, uma vez insaturado um PAD, fatalmente terá que resultar em qualquer penalidade, mesmo que seja de advertência, ou seja, a simples existência de PAD já significa a aplicação de punição contra o servidor, ao seu final.
SINDPOLF/SP – Mesmo quando não se encontra provas?
Sally – É a “famigerada” transgressão denominada “trabalhar mal”. Quando a Comissão não encontra provas ou argumentos suficientes para punir o servidor, entende que ele trabalhou mal, posto tratar-se de interpretação meramente subjetiva. Isso foge da imparcialidade necessária para dar validade e segurança jurídica ao ato produzido.
SINDPOLF/SP – Qual é a forma de “distribuição” dos casos para essa Comissão?
Sally – Veja, na Superintendência de São Paulo existem Comissões formadas integralmente por três Delegados. Questiono por que um Agente ou um Escrivão de Polícia não pode ser processado por uma Comissão formada pelos seus pares, ou seja, um Agente, por Comissão de Agentes, Escrivão, por Comissão de Escrivães, e assim sucessivamente. Da forma como existe hoje, um Agente se submete a um PAD levado a efeito por três Delegados. E, frize-se, muitas vezes um ou mais Delegados sequer tem o mesmo tempo de experiência, ou “de casa”, do servidor acusado.
SINDPOLF/SP – E no caso de uma transgressão cometida por um delegado?
Sally – Um Delegado jamais é processado por Comissão formada por Agentes ou Escrivães ou Peritos ou Papiloscopistas, mas somente pelos seus pares, Delegados, e mais antigos que o acusado. Essa forma de atuação transforma a área Disciplinar do Departamento de Polícia Federal numa espécie de “República dos Delegados”.
SINDPOLF/SP – Como a Administração deveria proceder?
Sally – A imparcialidade busca evitar o cometimento de arbitrariedades e abusos contra o servidor. A Administração tem a obrigação de apurar o fato buscando elucidar de forma livre de vícios ou tendências, para chegar a uma conclusão isenta, que pode ser pela responsabilização do acusado ou pela inexistência do fato, ensejando seu arquivamento, por exemplo.
SINDPOLF/SP – Mas não é isso que acontece na prática?
Sally – O que vemos é algumas Comissões agirem de forma a buscar punição a qualquer custo do servidor, cerceando a defesa do acusado, dificultando acesso às provas, extrapolando limites estabelecidos em Portaria instauradora, e, quando se confrontam com uma defesa efetivamente forte e contundente, entendem essa atitude como uma afronta ao cargo que ocupam, pois ofende a vaidade de alguns, e não como o livre, legal e sagrado exercício do direito constitucional de defesa.
SINDPOLF/SP – O objetivo não seria defender ou auxiliar o servidor?
Sally – A comissão passa, além de defender interesses da Administração Pública, de forma deturpada, uma vez que esse interesse é pelo apuratório justo e sem vícios, a defenderem também suas posições hierárquicas utilizando o PAD como instrumento de manipulação para mandar o recado de “quem é que manda” ou “não se meta comigo” ou, ainda, “coloque-se no seu lugar”. Isso sepulta a imparcialidade de forma definitiva e deplorável.
SINDPOLF/SP – Mas o servidor não pode pedir socorro ao Judiciário?
Sally – Infelizmente, é muito mais fácil cometer-se uma injustiça contra o servidor do que esse servidor corrigir a injustiça, que, fatalmente, se fará na esfera Judiciária, que é por demais demorada. A velha história: “vai buscar seus direitos na Justiça”. E é assim porque, na maioria dos casos, o servidor desiste do Judiciário. A Administração, na figura de alguns de seus administradores, prefere causar um prejuízo ao servidor a privá-lo desse prejuízo preventivamente.
SINDPOLF/SP – Como, por exemplo, a instauração de PAD já prescrito?
Sally – O servidor é submetido a uma injusta, ilegal e desnecessária desmoralização de sua vida funcional, com a publicação da existência desse PAD no Boletim de Serviço. Ocorre que o correto é apurar-se quem foi o servidor que deu causa a prescrição, sendo esta conduta, inclusive, orientação da Advocacia-Geral da União, mas PADs instaurados com essa finalidade são praticamente inexistentes. Eu mesmo nunca vi no Boletim de Serviço PAD nesse sentido. O Administrador (sentido amplo) que der causa à ocorrência da prescrição deve ser punido, após conseqüente instauração de PAD, e o servidor que sofreu o constrangimento do PD prescrito, pode e deve buscar a reparação judicial por danos morais, e patrimoniais, que porventura existirem.
SINDPOLF/SP –Todo servidor público está sujeito a ter sua vida funcional devassada?
Sally – É preciso ficar atento a isso. Se não for justa a instauração, por um PAD, seja o Policial Federal, o Diretor-Geral, Superintendente, Ministro da Justiça, Administrativos, enfim, todos aqueles que exercem qualquer função pública, estão sujeitos à uma devassa, bastando que qualquer pessoa denuncie os abusos porventura cometidos por esses servidores.
A partir daqui inicia a continuação da reportagem publicada na 2ª Edição do Jornal Expresso Federal
SINDPOLF/SP – É a transgressão capitulada como “negligenciar no cumprimento de ordem legítima”?
Sally – Esse é um dos exemplos. Para os representantes da Administração, a interpretação é no sentido de que basta a simples existência de uma lei vigente (ordem legal) e que o servidor negligencie seu cumprimento. Ora, essa não é a vontade da Lei e, com certeza, não foi a vontade do legislador. Se interpretarmos dessa maneira, então fumar nos locais inapropriados, ultrapassar um sinal vermelho, sair com viatura (sem urgência) ou carro particular do estacionamento em pequeno trecho na contra-mão para evitar trânsito (como ocorre na SR/SP), ou outras condutas semelhantes, seriam passíveis de punição. Até mesmo o fato do Superintendente Regional apresentar as informações em Mandado de Segurança além dos 10 (dez) dias que a Lei determina, então o sujeita a responder a um PAD e, conseqüentemente, sofrer alguma penalidade.
Essa transgressão sofre a demonstrada e equivocada interpretação apenas para poder transformar-se em mais um elemento de coação nas mãos daqueles que abusam dos direitos do servidor. A “ordem legal” a que se refere a norma diz respeito a ordem ditada e emanada pelo superior hierárquico do servidor.
SINDPOLF/SP – Qual o prazo legal para interposição de recurso pela defesa do servidor?
Sally – Existe um caso de um Policial que, apesar de haver um parecer unânime (03 Delegados) pelo arquivamento do PAD, foi surpreendido por uma suspensão de 14 ou 16 dias, o que resulta em desconto pecuniário de seu salário. Esse servidor, por Lei, tinha 30 dias para interpor Recurso Hierárquico. Um direito do servidor onde tal prazo deveria ser obedecido pela Administração, para, uma vez decorrido sem interposição do referido recurso, aí, sim, promover a punição imediata. Mas a Administração não respeitou o prazo e promoveu a punição imediatamente do servidor, descontando os valores correspondentes de seu salário. Ora, sob a ótica da interpretação dos representantes da Administração, esta não é, também, uma situação de “negligenciar no cumprimento de ordem legítima”? Afinal, o recurso é um direito do servidor e poderia ser acatado ou não.
SINDPOLF/SP –E quando há argumentos contra a Administração? Qual o procedimento da Comissão?
Sally – Existem situações em que determinada Comissão Processante, ante a fato, supostamente contrário ao servidor acusado, que surgiu no apuratório, extrai cópias e remete para a Corregedoria para providências. Mas, curiosamente, quando surge no apuratório indícios que podem voltar-se contra a Administração, este fato é ignorado. Além do mais, existe a situação de uma mesma Comissão Disciplinar, diante de fato semelhante, em PADs distintos, contra servidores distintos, entender essa mesma situação de forma conflitante. Por exemplo, a prescrição ocorrida em ambos os PADs, em um caso a Comissão declara essa prescrição, noutro, sequer menciona. Ora, tratamento diferenciado para “clientes” diferenciados.
SINDPOLF/SP – Mais uma vez falta a necessária imparcialidade.
Sally – E ainda, para fugir de certas formalidades legais, determinada Comissão que está cuidando de apuratório de suposto plágio de servidores em monografia por ocasião de Curso Especial de Polícia, conduz PAD onde os servidores, ao invés de serem legalmente notificados, são “convocados pra prestar esclarecimentos”, como se não fossem acusados. Ora, o PAD é instrumento certo e determinado em que se acusa formalmente um servidor. Se há dúvidas quanto a autoria, jamais será instaurado um PAD, mas, sim, sindicância apuratória, que é meio preparatório para o PAD.
SINDPOLF/SP – Isso desestimula o servidor a trabalhar?
Sally – Sim, pois da forma como se está atuando basta estar respirando em serviço para se sujeitar a um PAD. Essas interpretações vem ocorrendo de maneira exagerada, exacerbada, “preto no branco”, talvez, até, por inexperiência de vida e/ou de atuação profissional. Mas a vida não é em preto e branco. O direito existe para balizar e auxiliar a interpretação da vontade da lei, que não pode, principalmente no âmbito disciplinar, ser radical, ao ponto de se engessar a Administração Pública, desestimulando o servidor de trabalhar. Esse “preto no branco” está transformando a Polícia Federal numa “indústria” de PADs. Estamos diante de uma “industrialização” de Processos Disciplinares.
SINDPOLF/SP – Como evitar esses abusos?
Sally – O servidor tem que se voltar contra os atos ilícitos cometidos, buscando a responsabilização da Administração Pública e, se o caso, pessoal do representante da Administração que deu causa ao apuratório indevido, para que o mesmo responda pelos atos cometidos. O Jurídico do Sindicato buscará remédios administrativos e/ou judiciais, incansavelmente, para evitar o cometimento de abusos contra o servidor. O Direito visa à segurança jurídica e essa segurança vem com um PAD justo, imparcial, sem vícios. Ademais, o Ministério Público deveria fiscalizar profundamente todos os PADs instaurados e a Advocacia-Geral da União deveria participar ativamente de todos os atos do Processo. E digo mais, se a interpretação a ser utilizada contra o servidor, em relação ao rol das transgressões disciplinares, for para ser de extrema rigidez como vem sendo, essa mesma interpretação será utilizada pelo Sindicato, na defesa dos interesses dos seus sindicalizados, contra esses mesmos Delegados que compõem Comissões de Disciplina, o Chefe do Disciplinar, o Corregedor, o Superintendente, o Chefe de Delegacia, enfim, seja de que cargo for, reverteremos a extrema interpretação contra os Administradores, que deverão ser chamados à responsabilidade e se sujeitar ao PAD, inclusive com remessa ao Ministério Público Federal, com a finalidade de coibir esses abusos, deixando claro que esta não é a postura que queremos adotar, mas não admitiremos de forma alguma o cometimento de arbitrariedades e, se somente este for o meio de “lutar” contra os injustos Administradores, então esta será a Luta.
SINDPOLF/SP – O Sindicato tem que lutar para absolver mesmo quem tem culpa?
Sally – Não. O Sindicato não vai simplesmente lutar para absolver quem tem culpa, mas mesmo esse servidor tem direito a um apuratório onde sejam obedecidos os ditames legais, as garantias constitucionais, e que não se extrapolem os limites de instauração, que evite-se o cerceamento de defesa, que não se conduza o PAD como se fosse um Inquérito Policial anômalo, dentre outros. O Jurídico do SINDPOLF/SP vem atuando, e vai continuar cada vez mais, fortemente para mudar a mentalidade deturpada e abusiva, pois buscamos o processamento justo, sem abusos e sem arbitrariedades, por parte da administração, em obediência ao devido processo legal e às garantias constitucionais. O que se quer é que, se o servidor tiver que ser submetido a um apuratório, este PAD seja o mais imparcial, límpido e transparente possível, para que tanto a Administração quanto seus servidores, possam sair ganhando com a validade ética, moral e legal do instrumento utilizado. Que o PAD seja justo, perfeito e com responsabilidade.
SINDPOLF/SP – Qual o custo de um PAD atualmente?
Sally – O custo de um PAD instaurado pode ultrapassar a cifra de mais de R$ 100.000 (cem mil reais) e, mesmo assim, instauram PADs prescritos, e incorrem em vícios insanáveis que podem resultar na nulidade do feito, desperdiçando dinheiro público. Neste caso, devemos remeter as autoridades que ensejaram esses vícios à Lei de Improbidade Administrativa, respondendo pessoalmente, inclusive com indisponibilidade de seus bens, pelo dano econômico causado ao Órgão Público, devendo haver o respectivo ressarcimento ao erário.
SINDPOLF/SP – Então, o custo também é um fator agravante.
Sally – Queremos afastar o entendimento de que, apenas pela existência de elementos como o custo do PAD e pelo fato de haver tramitando um Processo Penal ou Inquérito Policial contra o servidor, juntamente com o PD, deverá ser aplicada uma pena. Ora, até o trânsito em julgado da ação penal impera o princípio do in dúbio pro reo, pois poderá haver a absolvição do acusado, e quanto ao custo do PAD, a Lei determina um prazo de, no máximo, 140 (cento e quarenta) dias para conclusão do apuratório e, posso afirmar, nenhum, absolutamente nenhum PAD chega à sua conclusão final nesse prazo que, se fosse respeitado, diminuiria o custo do PD para cifras irrisórias.
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