Fonte: Correio Braziliense
Servidora do Senado que acusou de “bisbilhoteiro” cidadão que checou salário dela é condenada pela Justiça a fazer doação a entidade assistencial
A divulgação dos salários dos servidores públicos na internet, determinação imposta pela Lei de Acesso à Informação desde maio do ano passado, teve mais um capítulo judicial na última semana — com direito a vitória da transparência e da cidadania. Além das denúncias anônimas que chegaram à Controladoria-Geral da União (CGU), de suposto enriquecimento ilícito de servidores públicos federais, feitas graças à publicação online dos contracheques, agora uma decisão na Justiça deu voz a um cidadão que acessou o salário de uma servidora do Senado e foi ofendido por ela na sequência.
A funcionária da Casa Legislativa só soube quem acessou os seus dados porque o site do órgão exige o preenchimento de um cadastro por parte do interessado. Assim, na intranet da instituição, o funcionário consegue visualizar o nome, o CPF, o e-mail e o endereço do cidadão que fez a consulta — o mesmo ocorre na Câmara. Um dia depois de ter o vencimento acessado, a funcionária entrou em contato com o cidadão que fez a consulta por e-mail — conforme o Correio mostrou em outubro do ano passado — e o chamou de bisbilhoteiro.
Weslei Machado, servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi quem consultou a remuneração da servidora do Senado e se sentiu ofendido. Ele entrou com duas ações 11 dias depois de ter travado uma discussão por e-mail. Uma ação cível de caráter indenizatório, por danos morais, e uma criminal por injúria, que previa pena de 1 a 6 meses de detenção. Na segunda audiência de conciliação, realizada na última segunda-feira, já que na primeira não houve acordo, Machado propôs que a funcionária doasse 10% do salário para uma entidade de caridade, medida que ela aceitou depois de consultar o advogado. Assim, os dois processos foram arquivados. Procurada pela reportagem, ela disse que não comentaria o caso.
De acordo com Machado, durante a audiência, a servidora do Senado chorou depois de ter aceitado a proposta, mas não disse qualquer palavra.
Quem falava por ela era o advogado, “educado e pacífico”, segundo Machado. A expectativa do funcionário do TSE é que a medida cause efeito prático devido ao caráter educativo que a ação pode provocar. “Creio que serve como uma prevenção geral, com poder educativo a todos. Há ainda uma questão pedagógica para aqueles que conhecerem a história pensarem duas vezes antes de ofender alguém. Temos de respeitar alguns valores que o país tem”, acredita.
Pelo acordo, a taquígrafa do Senado terá de desembolsar, em no máximo 60 dias, pouco mais de R$ 1,5 mil para comprar bens de natureza diversa ao Serviço de Estudos e Atenção a Usuários de Álcool e outras Drogas do Hospital Universitário de Brasília (HUB). A servidora terá de entrar em contato previamente com a instituição para verificar quais os itens que deverão ser doados.
“Eu não queria o dinheiro. Mesmo que ela fosse condenada a pagar, eu o doaria. Na época, queria olhar a remuneração de um analista e o nome dela chamou a minha atenção. Fiquei perplexo com a conduta dela depois do último e-mail que encaminhei, porque houve restrição ao direito de liberdade de expressão e porque ela integra o Senado, que aprovou a lei (de Acesso à Informação)”, conta. Machado acha que ela reconheceu o erro ao aceitar o acordo. Evangélico, casado e pais de duas filhas, ele atua ainda como professor de direito constitucional e eleitoral e já publicou 14 livros sobre o assunto.
E-mail
No dia 4 de outubro do ano passado, a servidora do Senado encaminhou um e-mail para ele questionando se havia interesse público saber quanto ela ganhava e chamando a atitude de “bisbilhotice”. Minutos depois, Weslei respondeu o e-mail argumentando que a Lei de Acesso à Informação garantia o direito de fiscalizar, como cidadão, o contracheque dos servidores públicos. Em seguida, a servidora do Senado chamou-o de “fofoqueiro” e “bisbilhoteiro”. Em menos 20 minutos, Weslei respondeu de novo, “exigindo respeito e urbanidade no tratamento”. Disse que apenas estava exercendo um direito conferido por uma lei elaborada pelo próprio parlamento ao “qual você integra”.
Machado ainda ressaltou que o demonstrativo é público e que ele contribui para o pagamento da remuneração. “Com o meu suor e do resto da sociedade brasileira, bancamos a manutenção de seu status remuneratório. Por essa razão, tenho direito de fiscalizar e acompanhar mensalmente a correição dos recursos públicos destinados a V. Sra.”, escreveu no e-mail.
Portais dão acesso à informação
O que a Lei permite ao cidadão?
– A lei, sancionada em novembro de 2011 e regulamentada em maio do ano passado, obriga os órgãos públicos a divulgar os salários dos servidores na internet. Qualquer cidadão pode consultar a remuneração dos funcionários públicos por meio do Portal da Transparência, site que disponibiliza os dados de quase 1 milhão de servidores ativos e aposentados do Executivo, e nas páginas das instituições dos demais poderes. Além disso, a lei determina que as entidades têm de prestar qualquer tipo de informação solicitada pelo cidadão em, no máximo, 30 dias — exceto em casos de dados pessoais e informações classificadas como sigilosas.
Que tipo de informação é acessível?
– Além dos salários e das remunerações eventuais (como gratificação, férias etc.), o cidadão tem acesso ao cargo de qualquer funcionário público. No Portal da Transparência, ainda é possível ver quando o servidor tomou posse.
Como o cidadão pode acessar os salários?
– Basta entrar no Portal da Transparência e clicar em “servidores” para ter acesso à remuneração dos funcionários do Poder Executivo, incluindo o contracheque da presidente da República e ministros de Estado. No Legislativo, Câmara, Senado e Tribunal de Contas da União (TCU) disponibilizam os vencimentos de seus funcionários nas suas páginas eletrônicas, assim como as instituições do Judiciário, incluindo o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça
O que devo informar?
– Nos sites dos órgãos do Judiciário e na página do Executivo (Portal da Transparência), o cidadão não precisa fornecer nenhum dado pessoal para ter acesso às remunerações dos servidores — o mesmo ocorre com o site do TCU, do Legislativo. Porém, no Congresso Nacional, a situação é diferente. As páginas eletrônicas da Câmara e do Senado obrigam o cidadão que deseja consultar a remuneração de algum funcionário a preencher um cadastro informando o nome completo, CPF, endereço, CEP e e-mail. O cadastro tem de ser preenchido sempre que um nome for consultado.
Alguns sites que divulgam os salários dos servidores:
Portal da Transparência www.portaldatransparencia.gov.br
Câmara http://www2.camara.leg.br/transpnet/consulta
Senado http://www.senado.gov.br/transparencia/servidores/consulta_individual.asp
STF http://www.stf.jus.br/portal/remuneracao/pesquisarRemuneracao.asp
STJ http://www.stj.jus.br/webstj/transparencia
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