Fonte: Diário da Manhã
Proposta que tramita no Congresso prevê união de polícias e Ministério Público para conduzir procedimentos investigativos. Apesar de gerar controvérsias, projeto é visto como avançado
Um projeto de lei que está em tramitação na Câmara Federal promete muita discussão entre juristas e especialistas em segurança pública e já gera controvérsias. O PL 7.402/14 regulamenta as investigações policiais e do Ministério Público, extinguindo o atual modelo de inquérito policial brasileiro.
A alteração que essa medida provoca na legislação penal e processual penal promete desburocratizar as investigações policiais e aplicar a pena mais rapidamente a condenados, além de colocar policiais e membros do Ministério Público como partes corresponsáveis pela elucidação de crimes. “O projeto é um grande avanço por dar maior celeridade às investigações e colocar polícias e Ministério Público em atuação conjunta”, comenta a advogada Eliane Faria.
O projeto foi elaborado por uma equipe formada por policiais de campo, com ampla experiência em produção de provas e uma equipe multidisciplinar de juristas e membros do Ministério Público. O resultado foi uma proposta que, se implementada, colocará o Brasil em pé de igualdade com os EUA, França e Alemanha, em termos de modelo de investigação, e pode ser o começo do fim do falido, burocrático e anacrônico modelo brasileiro.
Hoje um delegado instaura um inquérito para investigar qualquer crime, produz as provas, realiza as diligências, relata o inquérito e o remete ao Judiciário. Se o membro do Ministério Público o considera insuficiente requer seu retorno para a autoridade policial para complementar. Enquanto isto o tempo vai correndo a favor de quem supostamente cometeu o crime. Mas, o pior é que quando o inquérito chega do Judiciário todo o procedimento terá de ser repetido pelo juiz que preside o feito. É como se não tivesse adiantado nada todo o trabalho da autoridade policial.
O Ministério Público também pode instaurar um inquérito criminal e apurar a denúncia de crimes. Pode interceptar ligações telefônicas, quebrar sigilos bancários e fiscais. Pode até requerer prisões, conduções coercitivas e realizar buscas e apreensões. Tudo isto pode embasar denúncias criminais que se tornarão ações penais. Ou não. Até porque MP e polícias, tanto as civis como a poderosa federal, inúmeras vezes praticam lambanças processuais gigantescas que acabam por invalidar tudo o que foi feito e garantir a impunidade.
Proposta
O deputado federal Zequinha Marinho (PSC/PA), presidente da Comissão de Legislação Participativa, fundamentou a matéria com base nas conclusões alcançadas no seminário jurídico “Persecução Criminal – O modelo ideal”, realizado em 03/09/2008 e organizado pelo Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal – SindiPOL/DF e que resultou no PL 7.402/14.
Mesmo no âmbito da Polícia Federal, a fogueira das vaidades e a mania de brigar por tudo quanto seja assunto necessário ou não já produziu zonas de atrito. A Associação Nacional dos Escrivães de Polícia Federal – ANEPF, entidade que representa os Escrivães de Polícia Federal em todo o Brasil, divulgou uma nota de repúdio para contestar outra nota de repúdio divulgada pelos delegados da Polícia Federal. Os escrivães da PF, dentre outras quizilas, não querem que os delegados se arvorem a dizer que têm “carreira jurídica”, por entenderem que a eles é defeso apenas “cargo” e que em seu entendimento “a tríade jurídica para os operadores do direito se faz entre juiz, promotor e advogado, abrangendo, é claro, suas carreiras equivalentes”. Enquanto isto o crime campeia solto.
Avanço
Para a advogada Eliane Faria, a proposta representará um avanço significativo para fazer cumprir a legislação penal e poderá servir de combate à criminalidade. “Vejo com bons olhos o projeto, uma vez que a desburocratização sempre traz benefícios à sociedade que anseia por uma investigação rápida e eficaz. O que é bom e funciona deve ser copiado e seguido, e este modelo de união de forças (Polícia e do Ministério Público) já se mostrou válido em outros países, o que nos dá segurança em aderir a essa formatação”, comenta.
Eliane lembra ainda ser “fato incontestável que precisamos de mudanças em nosso atual sistema de investigação” e que o crescimento da violência e a dificuldade em se chegar aos autores dos crimes e contravenções são provas claras disso. “Dessa forma, a atuação direta do Ministério Público nessa fase trará mais subsídios para uma atuação mais completa e dinâmica”.
Críticas
O professor Pedro Sérgio dos Santos, doutor em Direito Penal e diretor da centenária Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, tece algumas ponderações sobre o modelo proposto para as novas investigações. Ele esmiuçou o projeto e lançou dúvidas sobre situações pontuais. “Por exemplo, há um instante em que o projeto cria um conflito sobre investigações conjuntas do MP e da autoridade policial que precisa ser dirimido”.
Ele se refere à disposição de que “nos casos de apuração conjunta, iniciada em entendimento entre a autoridade policial investigante e o membro do Ministério Público ou em acordos de cooperação, o requerimento de medias cautelares e a determinação de diligências deverão ser decididos em conjunto e assinados por ambas as autoridades, sendo dispensado, neste caso, a oitiva do Ministério Público”.
“E quando não houver acordo entre as partes, MP e polícia, quem resolve a pendência, o Poder Judiciário? E quando o investigado for membro do MP ou da polícia?”, questiona. Pedro Sérgio estima que precisará haver muita discussão sobre temas altamente nevrálgicos como o Controle Externo da Atividade Policial e a falta de transparência que pesa sobre investigações, presunção de inocência e a ação de defensores públicos.
Gustavo Monteiro Rigo é delegado da Polícia Civil de Goiás e estudioso do tema segurança pública e atividade policial. Sua primeira visão sobre o PL do deputado Zequinha Marinho é que ele atende mais a interesses sindicais e corporativos, que necessariamente os anseios da sociedade. “Sob o ponto de vista processual, o projeto não apresenta nenhuma mudança significativa no nosso atual modelo de investigação criminal. Afigura-se mais como um compêndio de regras já existentes do que necessariamente uma inovação jurídica. No que tange à investigação policial, a modificação foi basicamente terminológica, trocando-se o termo 'inquérito policial” por 'procedimento investigatório policial”, considera.
O delegado faz outra observação crucial, lembrando que o projeto ressuscita a figura do “delegado calça-curta”, ao permitir que agentes ou escrivães pratiquem atos privativos de delegados concursados, como requerimentos à Justiça ou conduzam inquéritos.
“Além de representar uma verdadeira teratologia jurídica, esse nefasto projeto de lei não atende os reais interesses da sociedade, pois torna a autoridade policial mais suscetível de ingerências políticas, enfraquecendo o combate à corrupção e ao crime organizado”, avalia. Gustavo observa que há uma outra medida importante tramitando no Congresso visa justamente conferir ao delegado de polícia maior autonomia e independência no exercício de seu trabalho.
“A Proposta de Emenda Constitucional nº 293/2008 dará suporte para investigar, sem represálias políticas, os crimes do colarinho branco e outras formas de prática criminosa”, finaliza.
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