Vinte e cinco anos depois de sua fundação, o PT chorou ontem diante das confissões do publicitário que ajudou a construir a imagem do partido e do hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva na campanha vitoriosa de 2002. Ao chegar de surpresa para depor na CPI dos Correios, onde era aguardada apenas sua sócia Zilmar Fernandes, Duda Mendonça ajudou a agravar a crise e complicar a situação do presidente ao revelar que, por orientação do empresário Marcos Valério, abriu uma conta nas Bahamas para receber R$ 10 milhões referentes a dívidas da campanha de 2002. Admitiu diversos crimes para receber ilegalmente repasses do PT via valerioduto, num grande esquema de lavagem de dinheiro e de caixa dois envolvendo inclusive a campanha presidencial de Lula. Valério reagiu dizendo que a conta já existia e desafiando Duda para uma acareação. A oposição falou abertamente em impeachment pela primeira vez no plenário, onde deputados da esquerda do PT choraram. Em reunião no Planalto com os ministros Márcio Thomaz Bastos, Antônio Palocci, Dilma Rousseff, Ciro Gomes, Jaques Wagner e Luiz Dulci, o presidente, com os olhos marejados, se disse traído: “Estou com o peito doendo. A gente não precisava estar vivendo isso. Nunca participei de arrecadação de campanha”. Lula decidiu abrir o sinal de TV da Radiobrás para a fala que fará hoje na reunião ministerial.
Petistas e valerioduto usaram esquema em paraísos fiscais
O aparecimento do publicitário Duda Mendonça ontem na CPI dos Correios sem aviso prévio e as revelações surpreendentes sobre a existência de uma conta nas Bahamas para receber pagamentos do empresário Marcos Valério de Souza por serviços prestados ao PT caíram como uma bomba no meio político. Após passar dias negando que tivesse recebido qualquer centavo de Valério, o publicitário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na campanha de 2002 assumiu o comando do depoimento que seria de sua sócia, Zilmar Fernandes. Entre lágrimas, contou o caminho do dinheiro do caixa dois transferido pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e por Valério para a conta Dusseldorf, que diz ter aberto a pedido do empresário.
Dizendo que resolveu acabar com seu pesadelo, Duda contou que, para receber do PT uma dívida de R$ 11,5 milhões das campanhas que fez em 2002, entre elas a do presidente, foi obrigado, em 2003, a abrir uma conta no exterior, na qual foram depositados cerca de R$ 10,5 milhões. Os integrantes da CPI, inclusive os governistas, ficaram perplexos e já listaram os crimes que teriam sido cometidos na operação: lavagem de dinheiro, crime contra a ordem tributária por sonegação fiscal, crime contra o sistema financeiro e crime eleitoral da campanha de 2002, que ainda não estaria prescrito.
– O que é triste é que a cada dia chega mais perto do presidente Lula – afirmou o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR).
Por faxes enviados pela SMP&B Propaganda e divulgados ontem mesmo à comissão, Duda mostrou que os depósitos foram provenientes de quatro instituições: BAC Florida Bank, Banco Rural Europa S/A, Israel Discount Bank of New York e Trade Link. E admitiu ser sorte ter os comprovantes para ratificar sua versão.
– Não quero ficar de santinho ou hipócrita. Não tinha mais poder de decisão. Ou abria a conta no exterior ou levava o cano – justificou Duda, admitindo que sabe que terá de pagar pelo seu erro fiscal, mas pelo menos poderá dormir em paz. – Hoje vou conseguir dormir. Daqui para frente o problema é dos meus advogados.
Delúbio pediu que não houvesse notas
Ao enfatizar sua trajetória profissional, Duda repetiu diversas vezes que só agiu dessa forma porque precisava pagar a seus fornecedores:
– Meu dinheiro é limpo. Minha empresa é séria. Não ganho nada ao receber o dinheiro por fora.
Para abrir uma conta no exterior, Duda disse que procurou o BankBoston, que teria lhe orientado a criar uma empresa em Bahamas, um paraíso fiscal. Abriu uma offshore batizada Dusseldorf. Em favor dessa empresa Valério teria mandado depositar R$ 10,5 milhões. Duda admitiu que não emitiu notas fiscais relativas aos pagamentos no exterior, nem pelos R$ 1,4 milhão que teriam sido sacados em dinheiro por sua sócia na agência do Banco Rural na Avenida Paulista, em São Paulo, nem pelos R$ 3,8 milhões pagos diretamente pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares ou intermediários.
– Foi Delúbio que pediu para que não emitíssemos as notas. A gente não é bobo. Estava claro que era dinheiro de caixa dois. Mas não tínhamos outra opção – acrescentou Duda, que negou ter usado recursos de caixa dois em campanhas de outros partidos, como a de Paulo Maluf, do PP, e do senador Eduardo Azeredo, do PSDB.
Preocupado em poupar Lula, Duda disse que não pode afirmar se o dinheiro recebido informalmente teria pagado dívidas da campanha do presidente, embora tenha sido seu publicitário. Mas admitiu que pagou ternos usados por Lula na campanha.
Namoro com o PT começou em 1998
Duda não soube dizer se os R$ 100 mil recebidos para organizar a posse de Lula também incluíram o terno usado pelo presidente na ocasião. Já Zilmar foi categórica ao negar que algum dia tenha pagado qualquer despesa da primeira-dama, dona Marisa Letícia.
– Garanto que nenhum deles foi um Armani como se noticiou na época, porque terno usado em programa eleitoral não precisa necessariamente ser caro – disse Duda.
Os primeiros contatos de Duda com o PT ocorreram em 1998, quando foi convidado para fazer a campanha de Lula à Presidência, já que o publicitário tinha conseguido eleger Paulo Maluf e depois Celso Pitta prefeitos de São Paulo. O PT, porém, vetou. Em 2001, acabou contratado, por R$ 590 mil, para fazer os programas eleitorais do PT. Em 2002, fechou um pacote de R$ 25 milhões para fazer as campanhas de Lula à Presidência, as de governador de José Genoino (SP) e de Benedita da Silva (RJ) e a do senador Aloizio Mercadante (SP).
Em 2002, o publicitário recebeu cerca de R$ 14 milhões do diretório nacional e dos comitês financeiros das campanhas estaduais, ficando com um crédito de R$ 11,5 milhões que vinham sendo insistentemente cobrados por Zilmar. Apesar da dívida, o publicitário fechou novo contrato com o PT em 2003, por R$ 7 milhões. Foi quando Delúbio disse a Zilmar que estava em busca de alguns empréstimos e logo depois comunicou que os pagamentos passariam a ser efetuados por Valério. O primeiro ocorreu em 23 de fevereiro na agência do Rural em São Paulo.
– Eu me assustei quando recebi o primeiro pagamento em dinheiro vivo. Pensei que receberia um cheque administrativo e fiquei com medo de sair do banco. Mas recebi por necessidade. Pus o dinheiro numa mala e entreguei tudo à tesouraria da empresa – contou Zilmar, que avisou a Duda.
Mesmo achando estranho, Duda disse ontem que não chegou a comentar o assunto com Lula, nem com o então chefe da Casa Civil, José Dirceu. Logo depois, disse, houve o pedido de Valério para que abrisse uma conta no exterior. Apesar disso, Duda fechou novos contratos com o PT em 2004 no valor de R$ 24 milhões para fazer as campanhas à prefeitura em cinco capitais: São Paulo, Recife, Goiânia, Curitiba e Belo Horizonte.
O publicitário chegou a receber no ano passado R$ 10 milhões dos diretórios regionais do PT e seus respectivos comitês de campanha, mas disse que ainda tem R$ 14 milhões a receber.
– Uma parcela de R$ 150 mil vence agora – lembrou, dizendo que, mesmo diante da situação de falência do PT, espera receber o que ainda lhe deve o partido.
Campanha também para filho de Dirceu
No fim do depoimento, Duda admitiu que, em 2004, trabalhou também para a campanha do filho de Dirceu, Zeca do PT, eleito prefeito em Cruzeiro d'Oeste, no Paraná. Mas disse que foi uma ajuda pequena, de cerca de R$ 3 mil, por um jingle e uma logomarca.
Perguntado se recebera de caixa dois também para outras campanhas, respondeu:
– Se negasse estaria faltando com a verdade.
O BankBoston Brasil divulgou ontem à tarde uma nota, de quatro linhas, desmentindo que tenha auxiliado Duda a abrir uma conta nas Bahamas. Na CPI dos Correios, o publicitário afirmou que é cliente do banco há 20 anos em Salvador.
“O BankBoston Brasil não oferece serviços financeiros no exterior. O BankBoston Brasil não tem acesso a movimentações financeiras sobre clientes do BankBoston International em Miami ou de quaisquer outras unidades do BankBoston ou do Bank of America ao redor do mundo”, diz o texto.
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