Renato Alves e João Campos
Da equipe do Correio
Dois meses e meio após vir à tona o escândalo da decoração do apartamento funcional da Universidade de Brasília (UnB), o reitor Timothy Mulholland e o decano de administração, Érico Paulo Weidle, foram denunciados à Justiça por improbidade administrativa. Eles são acusados de usar recursos destinados ao financiamento de projetos de pesquisa para mobiliar o imóvel e comprar um carro de luxo. O beneficiário é o reitor.
Cerca de R$ 470 mil foram gastos para mobiliar e decorar o apartamento onde Timothy morava, na 310 Norte. O veículo de uso exclusivo dele consumiu mais R$ 72 mil das pesquisas. A Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), ligada à Fundação Universidade de Brasília (FUB), custeou as despesas (leia Entenda o caso). A destinação do dinheiro é considerada ilegal e imoral pelos ministérios públicos Federal (MPF) e do Distrito Federal (MPDF). Por conta das denúncias, estudantes ocupam desde a quinta-feira da semana passada o prédio da Reitoria da UnB e exigem que o reitor renuncie ao cargo.
Para os procuradores da República e promotores de Justiça do DF, que apresentaram a denúncia à Justiça no começo da noite de ontem, houve desvio de finalidade nas verbas do fundo. “O decano foi denunciado por ter pedido as compras em favor do reitor”, explicou o promotor Ricardo Antônio de Souza, do MPDF. Ele e dois procuradores formam, desde ontem, uma força-tarefa para investigar todas as fundações ligadas à UnB.
A ação contra Timothy e Érico está na 21ª Vara Federal. Não há prazo para que o juiz Hamilton de Sá Dantas analise o processo e decida se aceita ou rejeita a denúncia. O MPF e o MPDF pedem a condenação do reitor e do decano ao ressarcimento do suposto dano causado, à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos por até cinco anos, ao pagamento de multa de até 100 vezes o valor da remuneração recebida pelos dois e à proibição de contratar com o poder público por três anos, além do pagamento de indenização por danos morais. Durante todo o ano de 2006, menos de 10% do gasto com a mobília no imóvel do reitor foram usados na melhoria de infra-estrutura de instalações físicas da UnB.
O ministro da Educação, Fernando Haddad, anunciou ontem que pedirá ao interventor nomeado pela Justiça para comandar a Finatec, Washington Maia Fernandes, que torne público o relatório preliminar sobre os contratos realizados pela instituição. A decisão foi tomada depois que Haddad recebeu, separadamente, um grupo de professores da UnB e Timothy Mulholland. “Ele (o interventor) já trabalha na Finatec há dois meses e me parece razoável saber qual seu julgamento preliminar, se há, até o momento, alguma irregularidade constatada”, defendeu o ministro. Haddad garantiu que não intervirá na crise na UnB: “A universidade tem maturidade suficiente para dialogar e equacionar os problemas que estão ocorrendo”.
Permanência
Timothy foi informado sobre a decisão dos ministérios públicos ontem à noite, quando participava de uma rodada de negociações com um grupo de manifestantes, quatro promotores e um procurador do MPDF. Logo depois, divulgou uma nota oficial: “Recebo a notícia pesaroso, mas com alívio, porque venho sendo julgado na mídia e nos corredores há dois meses sem acusação ou possibilidade de defesa. Agora, finalmente, tenho o direito de conhecer a acusação e de me defender na Justiça, onde meus direitos serão respeitados”. Pela primeira vez desde a ocupação da reitoria pelos estudantes, Timothy se pronunciou sobre a crise na manhã de ontem, durante entrevista coletiva (leia Ponto a ponto).
Ele garantiu que não deixará o cargo a não ser que a Justiça assim o decida. Posição que acirrou o impasse com os universitários: eles se recusam a desocupar a reitoria enquanto Thimothy permanecer no cargo. Com isso, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil entrou no caso para intermediar as negociações e acelerar o fim da ocupação da reitoria.
Uma trégua foi firmada na tarde de ontem, durante o encontro dos representantes dos manifestantes, de professores e da reitoria com o presidente do Conselho Federal da OAB, Cézar Britto. Pelo acordo, validado pela Superintedência da Polícia Federal, a PF não desocupará o prédio à força pelos próximos dois dias. Eles também concordaram em religar a luz e a água do edifício, o que não tinha acontecido até o fechamento desta edição.
Estudantes e professores participam de uma série de encontros hoje e amanhã. Também haverá novas reuniões com o presidente da OAB. Na sexta-feira, todas as partes devem levar suas propostas à reunião do Conselho Universitário (Consuni) — grupo de discussão que inclui, entre outras representações, alunos da UnB e membros da reitoria.
Colaboraram Paloma Olivetto e Pablo Rebello
Entenda o caso
O Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) começou a investigar os gastos da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Finatec) em agosto de 2007. Nas prestações de contas da entidade ligada à Universidade de Brasília (UnB), havia recibos de postos de combustíveis, restaurantes e de despesas em bares feitas até em finais de semana. Cerca de R$ 450 mil foram usados na decoração do imóvel funcional ocupado pelo reitor da UnB, Timothy Mulholland.
Em janeiro, a Promotoria de Fundações e de Entidades de Interesse Social entrou com ação na Justiça denunciando desvios dos objetivos da fundação, criada para promover o desenvolvimento científico, e pediu o afastamento dos cinco diretores. Em 15 de fevereiro, a desembargadora Nídia Corrêa Lima afastou os diretores da Finatec até sentença judicial definitiva. Ela aprovou o nome de Luiz Augusto Souza Fróes, indicado pelo MPDF para ser interventor da instituição. No dia 20, Fróes foi destituído e Washington Maia Fernandes nomeado em seu lugar.
As denúncias de má gestão dos recursos públicos atingiram também a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico na Área de Saúde (Funsaúde). Há duas semanas, o MPDF iniciou auditoria para apurar gastos que podem ultrapassar R$ 65 mil em festas, canetas Mont Blanc, televisores de LCD e passagens aéreas para a mulher de Timothy Mulholland, Lécia Mulholland, e para familiares do diretor-executivo da Editora UnB, Alexandre Lima, responsável pelo convênio.
A Editora UnB usou dinheiro que deveria ser destinado à melhoria do atendimento à saúde dos povos indígenas para financiar a viagem pelo Japão, Taiwan e Coréia do Sul de ao menos seis pessoas sem vínculos com a UnB. Entre eles, o casal dono da Faculdade Michelângelo, instituição de ensino particular do DF. O grupo fazia parte da comitiva do vice-reitor da UnB, Edgar Mamiya, durante visita aos três países, em outubro de 2007. Cada um dos 11 acompanhantes ganhou R$ 10,5 mil por 15 diárias.
Ponto a ponto – Timothy Mulholland
Invasão
“O prédio está completamente entregue aos estudantes, apesar das ordens judiciais para a desocupação. Isso não é bom. Espero que eles arquem com as responsabilidades de seus atos.”
Saída do cargo
“Fui eleito democraticamente, de forma legal. Do mesmo jeito, só sairei de acordo com a lei. (Sobre o pronunciamento do senador Cristovam Buarque, sugerindo o afastamento) Essa figura não tem situação legal para falar isso ou aquilo.”
Finatec
“As denúncias estão sendo apuradas e investigadas por órgãos competentes. Não podem ser julgadas pela mídia, com notícias soltas sobre o caso. O Estado brasileiro não funciona com base na opinião de massa.”
Apartamento
“(Sobre a compra de móveis e artigos de luxo para a residência do reitor) É uma decisão institucional, não passa pela minha pessoa. Vamos colaborar para que as possíveis irregularidades sejam apuradas no âmbito da lei. Como funcionário da UnB, morava e continuo morando em um apartamento funcional. Mudei para lá depois que a residência estava montada.”
Polícia Federal
“Negociamos com a PF para que a saída dos estudantes seja pacífica. Mas a polícia já alertou (os estudantes) sobre a desocupação. A água e a luz foram novamente cortadas (na segunda-feira) por determinação da polícia, como parte da tática. Não há previsão para a volta dos serviços ou para a entrada da polícia, que pode ocorrer a qualquer momento.”
Serviços prejudicados
“A invasão paralisou os serviços da reitoria. A folha de pagamento dos próprios funcionários, professores, técnicos, estagiários, bolsistas está parada e deve atrasar. O projeto de expansão da UnB, o concurso para contratação de novos professores, os mais de 10 conselhos da universidade, o prazo para os funcionários aderirem ao plano de saúde e a própria reforma da Casa do Estudante estão em xeque com a paralisação. Pedimos que eles reflitam sobre a UnB como um todo.”
Negociação
“Estamos abertos à negociação e já incorporamos diversas reivindicações dos manifestantes. A constituinte para debater questões relacionadas à UnB; a contratação de novos técnicos e professores, serão 900 docentes até 2010; a verba para a reforma da Casa do Estudante já está garantida e deve começar em junho, conseguimos R$ 12 milhões para a construção de uma nova residência estudantil; os prédios do câmpus do Gama e de Ceilândia já estão licitados e o restaurante universitário de Planaltina deve ser inaugurado
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