A secretária Fernanda Karina Somaggio depôs ontem no Conselho de Ética da Câmara. Ao longo de quatro horas, foi pressionada, questionada, contradita, posta à prova de várias formas por deputados do PP, PL e PT. Mas reafirmou sob juramento que, no ano de 2003, quando trabalhou para o publicitário Marcos Valério de Souza, na SMP&B Comunicação, viu e ouviu muita coisa que aponta para a existência do mensalão — esquema de compra de parlamentares denunciado há um mês e meio pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ).
Fernanda Karina contou que Marcos Valério falava diariamente com o tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Era ela quem fazia as ligações. Às vezes para o celular, geralmente para a sede do partido, seja no escritório de São Paulo ou no de Brasília. “Ele viajava sempre para encontrar o Delúbio. Na véspera, havia um saque grande de dinheiro nas contas do Banco Rural”, garantiu.
Delúbio é apontado por Roberto Jefferson como gerente do esquema. Além dele, Fernanda Karina jura que punha Valério ao telefone freqüentemente com o secretário-geral do PT, Sílvio Pereira. E outras vezes, menos comuns, com o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu.
Os saques no Banco Rural, nas vésperas das viagens do chefe, eram feitos por apenas três pessoas, segundo Karina Fernanda: um contínuo chamado “Marquinhos”, o chefe dos contínuos, chamado Orlando, e a assessora da gerência financeira, Geiza Dias. Eles iam ao banco levados pelo motorista Neildo. De volta à empresa, entregavam o dinheiro à gerente-financeira, Simone Vasconcelos, que o separava e guardava numa mala. O próprio Valério carregava a mala a Brasília e distribuía o dinheiro num quarto do hotel Grand Bittar. Fernanda Karina também derrapou e disse que mudou o depoimento na Polícia Federal a pedido do advogado Ruy Pimenta. Questionada se mudaria as declarações de novo, disse: “Sim, mudaria.”
ponto a ponto
CONTATOS
“O Marcos Valério falava com o Delúbio (Soares, tesoureiro do PT, acusado de gerenciar o mensalão) e com o Sílvio Pereira (secretário-geral do PT, apontado como operador do esquema) freqüentemente. Com o Delúbio, ele falava todo dia. Com o ministro José Dirceu, quando ele precisou falar, pediu que eu telefonasse para São Paulo e deixasse recado. Ele retornou.”
TELEFONES
“Eu não lembro para quais números eu ligava. Eles não estão na agenda. Eram anotados numa folha separada. Mas sei que telefonava para a sede do PT, em São Paulo e em Brasília, e para os celulares do Delúbio e do Sílvio. Liguei uma vez para o gabinete do ministro (referindo-se à Casa Civil).”
NEGÓCIOS
“Todos os funcionários (da SMP&B Comunicação) sabem que a empresa tem algum tipo de negócio ilícito.”
SAQUES
“Os boys saíam para tirar o dinheiro. Tinha um boy de confiança chamado Marquinhos. Às vezes, o Orlando, chefe dos boys, ia. A Geiza (Dias Duarte, assessora da gerência financeira da SMP&B Comunicação) também. Neildo, o motorista, levava eles até o banco. Depois, Marcos ia à empresa, a Simone (Vasconcelos, gerente-financeira da SMP&B Comunicação) separava o dinheiro e ele saía com a mala. Os boys falavam que os saques eram de R$ 1 milhão.”
HOTÉIS
“Marquei reuniões do Marcos Valério com o Delúbio e com o Sílvio em hotéis de Brasília e São Paulo. Por exemplo, o Blue Tree aqui em Brasília. A Simone separava dinheiro no Grand Bittar, aqui em Brasília.”
DINHEIRO
“Quando ele (Marcos Valério) vinha a Brasília, no dia anterior, eram sacadas grandes quantidades de dinheiro. A Simone ficava trancada num quarto, contando dinheiro. Era um entra-e-sai de homem que ela ficava cansada.”
BANCO RURAL
“O José Augusto Dumont (dono do Banco Rural, morto num acidente de carro, no ano passado) estava sempre na SMP&B trancado com o Marcos Valério. Valério dizia que Dumont lhe devia favores.”
GADO
“Enquanto eu trabalhei lá não tive notícia de ele comprar gado. O Marcos Valério é criador de cavalos. Tem um centro eqüestre em Belo Horizonte. Eu lembro que uma vez ele trouxe três cavalos da Argentina, mas não sei quanto foi. Cuidei só da logística.”
SILÊNCIO
“Não denunciei porque eu era uma pessoa sozinha. Meus advogados me orientaram a ficar quieta. Eu não conhecia ninguém em Belo Horizonte, não conhecia pessoas influentes. Eu não ia bater de frente com ele (Marcos Valério), porque ia perder. Tenho medo, tenho muito medo.”
AMEAÇA
“Desmenti meu primeiro depoimento porque estava com medo. Ainda estou com medo. Acho que todo mundo faria isso, tenho marido, tenho filha. Na terça-feira (21 de junho), eu tinha saído do trabalho, lá pelas 20h, 20h15, um motoqueiro parou ao meu lado e me ameaçou.”
GOVERNADORES
“Houve duas reuniões com o governador Aécio Neves, no Palácio da Liberdade. Também marquei reunião dele com o governador do DF.”
DERRAPADA
“Eu mudei meu depoimento por orientação do meu advogado (ela modificou pontos de seu testemunho entre o depoimento no processo por extorsão movido por Marcos Valério e o dado no inquérito aberto pela PF). Se meu advogado mandar, eu mudo sim, se for melhor para a ação (judicial).”
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