Além da indenização no valor de R$ Veja íntegra da publicação: |
“Publicação de sentença proferida pelo Juiz de Direito da 18ª Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília-DF no processo nº 2002.01.1.007968-6.” Processo: 2002.01.1.007968-6 SENTENÇA Salienta que é agente federal, lotado em efetivo exercício na Superintendência Regional da Polícia Federal do Distrito Federal, onde na oportunidade exercia a chefia de custódia na carceragem da SR/DPF/DF, sendo que fora publicada pela revista ISTOÉ, de propriedade da requerida, com repercussão no âmbito nacional, que à época mantivera relação sexual com a cantora mexicana Glória Trevi no interior do estabelecimento prisional acima referido, tendo sido, inclusive, acusado de ser o suposto pai biológico do filho da “personalidade da música latino-americana”, especialmente porque a gravidez ocorrera no período e nos horários em que desempenhava a chefia da aludida custódia. Transcreve trechos da mencioada reportagem e, ainda, cartas (e-mails) publicadas pela aludida revista, com comentários de repúdio à conduta atribuída pelo periódico ao autor, para demonstrar a extensão do dano sofrido. Alega que em razão da matéria falsa e irresponsável difundida pelo órgão de imprensa que reside no pólo passivo desta lide cognitiva, suportou profundos constrangimentos emocionais com abalos significativos aos bens que compõem sua personalidade humana, devendo a requerida ser condenada a recompor os prejuízos morais que ocasionara em razão da inescondível publicação de fatos inverídicos relacionados a sua pessoa, direcionando-lhe a imputação de ter mantido conjunção carnal com a extraditanda. Tece, ao final, considerações extraídas de lições doutrinária e jurisprudenciais, bem assim, traz para o bojo dos autos dispositivos de lei em consonância com a tese que adotara acerca da reparabilidade do dano moral na situação vivenciada e retratada nas linhas iniciais da petição inicial. Deu valor à causa e juntou os documentos necessários à propositura da ação. Regularmente citada, a demandada se defendeu dos argumentos de fato e de direito alinhavados vestibularmente, postulando pela improcedência do pleito autoral, sob a alegação de que apenas transcrevera as afirmações articuladas pela cantora e por terceiros sem qualquer intuito de ofender a honra e a dignidade do autor ou atribuir-lhe falsamente fato capitulado como ilícito penal, acrescentando, ainda, que se limitou em atuar nos limites do dever de informação assegurado legal e constitucionalmente, sendo que a atividade jornalística ganha amparo de relevância de fundamental para o fortalecimento do estado democrático de direito e o incentivo à cidadania. Sublinha que na reportagem veiculada em seu periódico não foi imputado o demandante nenhum fato que maculasse a sua honra ou moral; e, mesmo que o autor não tenha tido relações sexuais com a cantora mexicana, certamente, aconteceram inúmeras irregularidades na carceragem da Polícia Federal passíveis de investigação. Por derradeiro, afirma que o requerente não logrou demonstrar o dano moral alegado, não havendo, portanto, o que se indenizar, mas que, ainda que por uma absurda hipótese houvesse, deve o valor ser limitado nos parâmetros preconizados pelos arts. 51 a 53 da Lei de Imprensa. Instado a se manifestar sobre a contestação, o requerente reiterou os fundamentos fático-legais expendidos na inicial. Oportunizada a fase de especificação de provas, as partes acudiram ao despacho judicial emitido para essa finalidade, ocasião em que, enquanto a parte autora se contentara com o julgamento antecipado da lide, a ré requerera a produção de prova testemunhal. Realizada audiência prévia de conciliação as partes não manifestaram nenhum interesse na composição amigável do litígio, solenidade na qual foi proferida decisão interlocutória de saneamento do feito com o indeferimento da atividade probatória oral reclamada pela requerida. É, em apertadas linhas, o relatório. Passo a ditar o Direito à espécie. Ab initio, convém esclarecer que o deslindar da questão controvertida, debatida nesta sede de cognição exauriente, dispensa a inserção dos fatos no campo da colheita de prova oral, eis que os elementos de convicção carreados ao presente feito se revelam bastantes para o equacionamento da lide posta, sendo que o julgamento antecipado do processo, na conformidade do art. 330, I CPC, in casu, impõe-se como dever de ofício ao Magistrado em obediência aos princípios da celeridade e efetividade processuais, mesmo porque, sendo vedado à testemunha emitir opinião pessoal, a exegese sobre as notícias veiculadas no periódico da ré e sua submissão às regras de Direito não deve ficar a cargo da prova testemunhal, entendimento este já serenado em sede pretoriana. Diante da natureza da controvérsia desenhada no procedimento em contraditório ao qual se subordinou a vertente lide, é de bom alvitre, e portanto recomendável, tecer algumas considerações, em caráter pedagógico, sobre o entendimento da doutrina e jurisprudência a respeito da viabilidade jurídica de se indenizar o denominado dano moral puro. Com o advento da atual Constituição Federal, e com o passar dos anos desde a sua entrada em vigor na transformação e consolidação da nova ordem jurídica calcada nos princípios democráticos de Direito e de proteção às garantia fundamentais do cidadão, restou afastada a velhaca discussão enfadonhamente travada nos tempos de antanha quanto à possibilidade ou não de se reparar uma lesão exclusivamente de natureza moral, independentemente de haver projeção na esfera patrimonial da vítima, de cunho material. Hoje, tal celeuma é por demais desnecessária, sendo despiciendo, pois, gastar tinta e papel, já que a partir do momento em que a Carta Constitucional conferiu tratamento igualitário entre o dano moral e material, tutelando individualmente cada espécie de agressão aos interesses subjetivos, restou indene de dúvidas a permissibilidade de se premiar o ofendido com a reparação integral de eventuais danos morais mesmo que não tenha suportado, em paralelo, um prejuízo patrimonial de interesse econômico, sendo, inclusive, permissível, a cumulação do dano moral com o material, sem nenhuma restrição legal, já que se destinam a tutelar bens jurídicos distintos e atender a finalidades diversas. Para que a conduta do ofensor seja configuradora de atos lesivos ao patrimônio psíquico do ofendido, é exigível que o seu atuar exorbite o limite do suportável e relevável, pois não é todo comportamento ilícito que dá ensejo ao aparecimento do dano moral e autoriza sua respectiva reparação, mas apenas os fatos que transcendem à normalidade do cotidiano e que sobrepõem-se às barreiras legais disciplinadas pela ordem jurídica vigente, em dado momento e local, são caracterizadores do dano moral e, porquanto, passível de indenização, eis que meros aborrecimentos e pequenos desassossegos não são suficientes para gerar qualquer agressão relevante na esfera ética do indivíduo, pois cada um de nós está sujeito às contrariedades que a vida se encarrega de providenciar. Há algum tempo o Judiciário vem se deparando com ações indenizatórias a título de ressarcimento por danos morais fundadas sem qualquer substrato material e jurídico, enfrentando, o que se costumou dizer, uma verdadeira indústria do dano moral donde o menor contratempo encontrado por alguém em sua vida de relações sociais é invocado como aparato fático para fundamentar uma pretensão indenizatória desprovida de sustentáculo legal que lhe dê viga de sustentação, utilizando-se daquele fato para angariar proveito descabido. É preciso extirpar essa prática corriqueira existente nos Tribunais onde pessoas, por vezes estimuladas por advogados inexperientes e porque não dizer descompromissados com os valores éticos supremos, socorrem do judiciário e fazem desaguar nos corredores forenses inúmeras ações dessa natureza alicerçadas em situações de somenos importância que sequer caracterizam violação ao bem estar emocional da esfera da subjetividade individual, transformando o instituto do dano moral numa verdadeira máquina de fazer dinheiro, o que só vem banalizar sua aplicação e o seu alcance. Não se está pregando com tais argumentos a rotulação depreciativa de demandas aforadas colimando à obtenção de uma compensação pecuniária oriunda de algum mal injusto causado a terceiro vítima de atos ilícitos, seja consumidor, seja utente de serviços, já que é de suma importância para o enriquecimento e fortalecimento da democracia o exercitamento da cidadania por pessoas que buscam conforto perante o judiciário que tenham direitos vulnerados, sobretudo de natureza personalíssima, visando a minoração do mal que lhe foi causado. Entretanto, o que deve ser repudiado com firmeza é o propósito cada vez mais rútilo daqueles que, navegando em outras ondas, abusando do direito e diante da possibilidade de ganhar algum dinheiro fácil, quererem de qualquer sorte ser vítimas de danos morais inexistentes e, o pior, almejando vultosas somas em dinheiro, o que vem causando assombro ao Poder Judiciário brasileiro que deve ficar atento para que jamais tenha como paradigma o modelo norte americano no que toca ao direito de danos. Feitos esses modestos comentários os quais reputo de grande importância para se ter a real avaliação e dimensão de como vem se posicionando a doutrina e jurisprudência pátrias a respeito do tema que mais assoberba os tribunais brasileiros, passo a focalizar o esforço de raciocínio na composição da controvérsia instaurada nesta sede. Consoante estabelece o art. 333 do Código de Processo Civil, incumbe à parte autora provar os fatos constitutivos do direito alegado e ao réu demonstrar a ocorrência de algum fato extintivo, impeditivo ou modificativo da pretensão que lhe é direcionada. No caso vertente logrou o demandante provar o fato gerador do direito subjetivo reclamado. Com efeito, no que concerne à causa de pedir remota consistente na descrição genérica dos fatos que alicerçam o direito postulado, creio que o requerente foi feliz em demonstrar, quantum satis, a impertinência da conduta lesiva da ré quanto à publicação dos fatos que teriam maculado e denegrido a imagem e a boa fama que detém no seio familiar e profissional e que goza no âmbito das suas relações sociais, acarretando, indeclinavelmente, os danos de ordem moral a sua esfera patrimonial, conforme alinhavado no corpo da peça de ingresso. As reportagens veiculadas no periódico de propriedade da empresa ré não se limitaram apenas a reproduzir os fatos narrados à época pela cantora Glória Trevi, notoriamente mentirosos, os quais envolviam a pessoa do demandante numa ardilosa trama de violência sexual, extrapolando as raias do dever legal e constitucional de informação para adentrar no perigoso e proibido terreno da formação de um juízo de valor negativo acerca das notícias publicadas, fazendo incutir na consciência da opinião pública nacional e estrangeira a culpa potencial do autor relativamente aos fatos que contra ele pesavam, agindo como se fosse o juiz natural da causa e, sobretudo, o que é pior, prejulgando antecipadamente os acontecimentos em detrimento da garantia constitucional que consagra o princípio da inocência. É de notório saber que a imprensa desempenha importante papel no sistema democrático, relevando fatos, incentivando polêmicas, estimulando críticas e, especialmente, exercendo uma espécie de policiamento sobre conduta de autoridades encarregadas das finanças públicas. A exploração da atividade jornalística constitui direito assegurado não apenas pela lei 5.250/67, mas também encontra guarida na atual ordem jurídica-constitucional que elevou o relevante papel dos meios de comunicação e das pessoas que deles fazem parte ao status de direito e garantia fundamental, salvaguardado no rol exemplificativo do art. 5º da Cara Maior, justamente para que desenvolva melhor sua atividade essencial, de interesse social, na informação e divulgação à sociedade da realidade dos fatos tal qual se apresenta no mundo exterior. Sobre a vantagem de disciplinar-se a matéria jornalística sem sede constitucional, escreveu o ilustre Antônio Jeová Santos, in verbis: “sendo a liberdade de imprensa considerada um dos direitos individuais, para o seu pleno exercício, constituinte dotou os meios de comunicação de outras possibilidades a fim de que possam exercer seu mister de forma plena”. E, parafraseando José Maria Desantes (apud Ignácio Burgoa, Derechos Individualis, p. 682) continuou o festejado doutrinador “é mais perigoso o segredo e a falta de informação que a difusão de notícias. Tão perigoso, que o segredo é nada menos que cegar a fonte mesma da notícia e, portanto, da verdade”. Contudo, a liberdade de imprensa não consubstancia direito absoluto, mas se acha relativizada dentro do atual sistema de normas constitucionais em cotejo com os demais direitos individuais, igualmente assegurados. Assim, não é porque os meios de comunicação gozam de especial liberdade, que se possa dizer que esse direito é colocado num plano superior e que possam agir sem restrição alguma. Isso porque a Constituição da República assegura a todo e qualquer cidadão, sem distinção de raça, cor, sexo e poder social, a proteção a sua imagem, honra e intimidade, de sorte que se houver a violação de tais direitos em razão de abusos acometidos no exercício de atividade jornalística lato sensu, deve o Estado-Juiz intervir para pôr côbro as invasões desnecessárias que podem tornar o homem indigno. E, a fim de conciliar esses direitos de igual hierarquia, deve o magistrado, no caso concreto, harmonizar as regras constitucionais de tal sorte que seja possível a subsistência de cada um dos direitos. O princípio constitucional da liberdade de imprensa merece ser exercitado com consciência e responsabilidade, em respeito à dignidade alheia, para que não resulte prejuízo à honra, à imagem e ao direito de intimidade da pessoa abrangida na notícia, sob pena do responsável pela publicação, tanto àquele que divulgou direta e pessoalmente os fatos, como assim a empresa na qual foram publicados, responder de forma integral e acertada pelos eventuais danos ocasionados à vítima, decorrentes da publicação inexata, imprudente ou sensacionalista da notícia mostrada. E nessa compreensão exata de colisão entre os direitos fundamentais, não se deve atribuir, isoladamente, primazia a um ou a outro princípio de igual relevância, sendo recomendável, no processo de ponderação destinado a solucionar o aparente conflito de direitos individuais, buscar a vontade unitária da Constituição Federal, dentro do contexto harmônico que deve ser situada, isso porque, conforme bem leciona o nunca assaz festejado Celso Ribeiro Bastos, citando Willoughby, “a Constituição corresponde a um todo lógico, onde cada provisão é parte integrante do conjunto, sendo assim logicamente adequado, se não imperativo, interpretar uma parte à luz das previsões de todas as demais partes” (Curso de Direito Constitucional, 15ª ed., Saraiva, p. 204). Assim, forçoso concluir que, sempre quando houver colidência entre direitos fundamentais, deve, em determinado caso concreto, o magistrado promover a integração lógica e razoável de seus preceitos naquilo que se afigura mais pertinente a conferir a justa e adequada preponderância condicionante de um princípio individual sobre outro de mesma relevância jurídica, impedindo o cometimento de excessos e arbítrios, de modo que se ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação contrapõe- se o direito à inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem, segue-se como conseqüência lógica que este último condiciona o exercício do primeiro. Consoante se depreende da simples leitura dos dizeres jornalísticos escritos no periódico veiculado pela requerida, ressai, estreme de dúvidas, que a empresa ré imputou, covardimente, e sem a cautela necessária que a notícia exigia, fato de enorme gravidade, plantando a forte suspeita, não apenas em relação a seus menos avisados leitores, mas a todos que se depararam com a notícia difamante e desabonadora da conduta moral e profissional da vítima, de que teria praticado, contra a encarcerada Glória Trevi, relação sexual dentro da carceragem da Polícia Federal, descambando do mero ofício da informação para o terreno sombrio da acusação infundada e desonrosa. A obrigação de reparar o dano moral surge da conjugação de dois elementos, quais sejam, o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano e, provado o nexo de causalidade entre eles, surge para o ofensor o dever de recompor os prejuízos experimentados pelo ofendido e para esse o direito de exigi-los. Para que seja infligido a alguém a obrigação de reparar eventuais danos suportados por outrem, impõe-se, inarredavelmente, de acordo com a Teoria da Responsabilização, se demonstre de forma cabal e indiscutível, a presença do elemento culpa (latu sensu), bem assim a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado funesto contra a vítima, situação ocorrente no caso sub judice. Ora, para a caracterização da responsabilidade civil por ato ilícito mister se faz exigível a congruência entre o nexo de causalidade entre o fato ilícito e o dano (patrimonial ou moral) supostamente sofrido pela vítima. O fundamento indenizatório concernente ao dano moral puro se sustenta em três elementos a saber: conduta ilícita, desfalque no patrimônio personalíssimo da vítima e o nexo de causalidade entre o comportamento do ofendido e o prejuízo causado. Sem a coexistência de qualquer deles não se admite a responsabilização pretendida. Outra não é a lição do eminente civilista Caio Mário da Silva Pereira: “O fundamento primário da reparação está, como visto, no erro de conduta do agente, no seu procedimento contrário à predeterminação da norma (.) O segundo momento, ou o segundo elo dessa cadeia é a ofensa a um bem jurídico. É frequente a referência a esse requisito como sendo a verificação de um ‘dano ao patrimônio’ (.) Em terceiro lugar, cumpre estabelecer uma relação de causalidade entre a antijuridicidade da ação e o dano causado (.)” (Caio Mário da Silva Pereira, “Instituições de Direito Civil, vol. II, 11ª Ed., Ed. Forense, RJ, 1992, pág. 236). Ressumbra dos autos que todos esses elementos estão adredemente demonstrados a render ensanchas ao pleito indenizatório. Restou plenamente evidenciada não só a imputação inverídica dos fatos contra a honra e a imagem do autor que, certamente, sofreu violenta agressão moral contra os bens componentes da sua esfera de personalidade humana, como também o descaso propositado do órgão de comunicação de não averiguar a veridicidade dos fatos impingidos ao demandante antes de publicar as reportagens jornalísticas, preferindo, ao contrário, de maneira apressada e sensacionalista, publicar a matéria contendo conteúdo pernicioso e nefasto à boa fama e dignidade da parte autora. Todos sabem que durante todo o tempo em que a cantora mexicana esteve detida no Brasil, fez o possível para não ser extraditada para seu país de origem temendo retaliações local. Por isso, objetivando evitar sua expulsão do Brasil, tentou ao máximo retardar o pronunciamento judicial neste sentido pelo Supremo Tribunal Federal a quem compete decidir sobre questões dessa natureza, inventando, ardilmente e, com a vileza de estilo, a tramóia envolvendo agentes e delegados da Polícia Federal, impregnando nódoa não somente no nome dessas autoridades, mas também manchando a respeitada imagem da própria instituição. A requerida, irresponsavelmente, se encarregou de difundir depreciativamente a insanidade estoriada pela “celebridade mexicana”, faltando com seu específico dever de diligência na comprovação razoável dos fatos e de sua veracidade, comportando-se de maneira negligente e açodada ao transmitir, como verdadeiros, simples invenções, carentes de toda constatação, apartada da realidade objetiva dos acontecimentos. É fato notório, divulgado através de todos os meios de comunicação em massa, que as acusações feitas contra agentes e delegados federais, em especial no que se refere ao próprio requerente, imputando- lhes o cometimento de abuso sexual, foi apenas uma invencionice da cantora Glória Trevi, sendo que, muito após, a mesma inocentara tais pessoas de qualquer participação culposa de sua gravidez. E a não correspondência fática dos fatos lamentavelmente divulgados não apenas pela ré, mas por toda imprensa nacional, restara definitivamente comprovada com exame pericial de DNA cujo laudo atestou conclusivo pela inexistência de sua paternidade do filho da cantora ao atribuir tal circunstância ao empresário da extraditanda, Sérgio Andrade Sanches. Não sobeja nenhum lampejo de dúvida de que o autor sofrera alterações psicológicas expressivas em razão das nefastas reportagens jornalísticas contendo seu nome, na qual lhe fora rogada a pecha de ter atentado contra a dignidade sexual da cantora mexicana, quando se sabe, comprovadamente, ser inverídica a imputação que lhe fora direcionada, não tendo a empresa ré tomado os devidos cuidados para averiguar o teor verídico da matéria publicada a fim de resguardar a imagem e a honra do ofendido frente aos destinatários da notícia. A liberdade da imprensa não é ampla e absoluta e não exime os órgãos de comunicação em massa de se acautelarem em relação ao noticiário escolhido, sendo prudente e recomendável verificar a exatidão da notícia para adequar a informação aos dados subministrados pela realidade, sob pena de correr o risco de noticiar fato inverídico agravante e ofensivo à reputação alheia. Em outras palavras, “o princípio constitucional da liberdade de imprensa deve ser exercitado com consciência e responsabilidade, em respeito à dignidade alheia, para que não resulte prejuízo à honra, à imagem e ao direito de intimidade da pessoa abrangida na notícia” (RJTJESP-LEX 130/195). O dano moral é aquele capaz de incutir na vítima sentimento de pesar enorme e profundo padecimento espiritual oriundos de determinados comportamentos contrários ao Direito. Segundo a lição de Luiz Antônio Rizzato, “o dano moral é aquele que afeta a paz interior de uma pessoa, atingindo-lhe o sentimento, o decoro e o ego, a honra, enfim, tudo o que não tem valor econômico, mas que lhe causa dor e sofrimento” (O Dano e sua Interpretação Jurisprudencial, Ed. Saraiva). E, no justo deste contexto, creio que os danos morais restaram suficientemente caracterizados. Não há dúvidas de que o estardalhaço da falsa notícia, que teve repercussão em âmbito nacional, causou ao autor profunda vexação e constrangimentos de toda ordem, acarretando- lhe o padecimento dos valores éticos e morais que a sociedade detinha sobre o ofendido antes do fatídico noticiário, como ainda o quebrantamento espiritual da própria vítima. Portanto, a partir do momento em que a conduta culposa do agente, violando o legítimo direito do requerente, causou dano aos bens que se encontram agasalhados na esfera da subjetividade, deflui desse ato o inexorável dever de indenizar os prejuízos suportados pela vítima, recompondo-se o desfalque patrimonial do ofendido. Em se tratando de lesão a sentimentos, o dano moral surge à luz da consideração dos fatos, in re ipsa. a prova é presuncional, como decorrência natural da realização do ilícito, isto é, surge imediatamente da análise dos fatos e a forma como aconteceram. Não há se cogitar em prova do alegado prejuízo moral, eis que sua configuração se constata diante das evidências que circundam o quadro fático e sua extensão se avalia segundo as peculiaridades do caso concreto. Isso porque, tratando- se de agressão de ordem interna que atinge os bens de natureza personalíssima, não se traduz em elementos exteriores palpáveis. Nesse aspecto é preciso que se diga, segundo a melhor doutrina e a maioria esmagadora da jurisprudência, a configuração do dano moral exsurge naturalmente da ocorrência de um determinado evento ruinoso capaz de provocar lesão ao patrimônio psicológico da vítima, sem que se tenha que provar cabalmente o dano moral considerado em si mesmo. Assim, para a comprovação do dano moral, basta provar a ocorrência do evento ilícito e o nexo de causalidade entre a conduta do autor do injusto e os prejuízos amargados pela vítima, isso porque a agressão extrapatrimonial surge à luz da reprodução dos fatos, sem qualquer necessidade de demonstrar sua existência, justamente por não abrigar em seu contexto qualquer cunho ressarcitório, mas sim pelo seu caráter compensatório lançado pelo legislador pátrio para amenizar os efeitos de eventos funestos que causem a todo e qualquer cidadão sofrimento, dor e padecimento a bem personalíssimo. Em que pesem as dificuldades de se obter uma fixação razoável do valor indenizável do dano moral, é certo que a expressão pecuniária da reparação, além do caráter ressarcitório, deve servir como sanção exemplar. A determinação do montante indenizatório, além de confortar a vítima, amenizando a dor de sua alma, deve ter uma conotação pedagógica que desestimule o ofensor de continuar na prática de atos lesivos, inibindo-o de enveredar-se pelo desrespeito às regras de conduta vigentes num determinado tempo e lugar. Tratando-se de aspecto eminentemente subjetivo, o arbitramento do quantum da indenização deve pautar-se dentro da lógica do razoável, observando- se as particularidades de cada caso, especialmente no que tange à capacidade econômica das partes, a extensão do dano e sua repercussão, de modo que a reparação estabelecida não seja inócua diante da capacidade financeira do responsável, nem excessivamente elevada a ponto de significar sua ruína. A despeito de ter o autor indicado o quantum indenizatório pretendido, é de sabença geral que o magistrado não está adstrito ao importe inicialmente reclamado, sendo-lhe assegurada a faculdade de mensurar a compensação reclamada em conformação com os seus objetivos legais e com o princípio da razoabilidade encampado pela vigente Carta Magna. Por isso, sobretudo em razão do conteúdo pedagógico da referida sanção e ainda para que o ganho patrimonial não venha dar ensejo à sensação pessoal do autor de que o valor da indenização pecuniária seja maior que a própria dor experimentada, prevalecendo o caráter compensatório da indenização, a fixação do quantum indenizatório em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), bem atende aos parâmetros retro mencionados. Merece ser ressaltado que após o advento da Constituição Federal de 1988 não mais subsiste, na atual ordem jurídica, a denominada indenização tarifada prescrita em algumas legislações especiais, como ocorre na Lei de Imprensa. Isso porque a Carta Magna vigente conferiu tratamento isonômico à lesão material e à lesão moral, assegurando a integral reparabilidade dos danos eventualmente causados, inclusive não patrimoniais, sendo um contra senso submeter a regra constitucional à legislação ordinária, o que constituiria uma total inversão de princípios e valores jurídicos ao tentar fazer interpretação discriminatória da Lei Maior, de modo que o critério de balizamento da indenização por dano moral é igual para todos, inaplicável o odioso privilégio de se limitar o quantum ressarcitório nos parâmetros estipulados pela lei de imprensa. Forte nas argumentações acima alinhavadas, JULGO PROCEDENTE o pedido indenizatório reclamado na inicial e condeno o réu a pagar ao autor, a fim de recompor os danos morais que causara, a importância correspondente a R$ 200.000,00, monetariamente corrigida a partir da presente e acrescida de juros legais desde o evento danoso, face ao caráter absoluto do ilícito perpetrado. Condeno, outrotanto, a requerida, nos termos derivados do regramento inserto no art. 75 da lei nº 5250/67, após o trânsito em julgado deste comando sentencial, a publicar esta sentença em seu periódico (Revista ISTOÉ), na íntegra, no prazo de 15 dias, e com o mesmo destaque da matéria ofensiva à moral do autor, sob pena de, acaso não reverencie a imposição imposta neste preceito judicial, ser-lhe aplicada multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Em obediência ao princípio da sucumbência, condeno a empresa ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que ora arbitro em 10% sobre o valor alcançado na presente condenação, nos moldes derivados do art. 20, § 3º do CPC. Fulcrado no art. 269, inciso I do Estatuto Processual Civil, decreto extinto o processo com avanço sobre o tema de mérito. P.R.I. Brasília – DF, segunda-feira, 19/05/ 2003 às 13h52. Claudio Martins Vasconcelos “O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por decisão publicada em 16/09/2005, reduziu o valor da indenização para R$ 20.000,00.” |
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