Fonte: Blog Jota
Retirada de policiais em depoimentos da Odebrecht não evitou novos vazamentos
A discussão sobre as competências investigatórias do Ministério Público e da Polícia Federal parece não estar perto de acabar. A rixa entre delegados da polícia e procuradores ganhou um novo capítulo recentemente quando a PF foi retirada da colheita dos depoimentos dos executivos da Odebrecht para evitar vazamentos.
Além disso, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, designou mais 100 procuradores, além dos que já fazem parte da força-tarefa, para ouvir os depoimentos de 77 executivos e ex-executivos do Grupo que assinaram acordo de colaboração premiada com a operação Lava Jato.
Acontece que a retirada dos policiais dos depoimentos não evitou novos vazamentos do acordo de delação da Odebrecht, como trechos da colaboração em que Claudio Mello Filho, ex-responsável pela área de Relações Institucionais da Odebrecht, cita mais de 50 políticos, entre governistas e oposicionistas. No chamado anexo que contém os resumos do que será tratado na colaboração, Mello Filho revelou apelidos usados pela companhia para identificar políticos e mimos distribuídos, como relógios avaliados em R$ 85 mil.
O procurador da República Daniel de Resende Salgado defende ser o momento para um processo de reinvenção do sistema e das instituições, inclusive do Ministério Público. Para ele, o modelo ideal é aquele em que o MP atua na coordenação tática e jurídica e a polícia na coordenação operacional de uma investigação.
“Quem tem expertise de como entrar em um determinado local, se vai precisar de armamento, avaliação de cenário, avaliação do perfil da pessoa que vai ser submetida a busca e apreensão é a polícia. A coordenação operacional é deles. A coordenação jurídica e coordenação tática, no meu entendimento, deveria ser do MP”, defende.
Segundo Salgado, Ministério Público e polícia precisam desenvolver um trabalho de forma mais conjunta e negociar espaços de coordenação dentro da investigação. E defende: “A gente tem que pensar mais no interesse da sociedade e não interesse corporativo e interesses meramente pessoais”, afirma.
Além disso, para o procurador, o inquérito policial é um instrumento burocrático, cartorial e bacharelesco. “Você produz conhecimento jurídico de bacharel que não interessa em uma investigação. Em um inquérito policial é comum ver vários pedido para mais prazo para investigação, além da justificativa junto aos superiores hierárquicos explicando o motivo pelo qual a investigação não foi finalizada naquele período que foi dado ao MP. Além de toda a necessidade do delegado em presidir a investigação como se fosse um poder simbólico de instrução”, critica.
Salgado afirma ainda que a fase de investigação é de competência do MP porque todos os elementos de informação são produzidos durante esse período. Já a fase judicial é a fase do advogado, onde a verdade apresentada pelo Ministério Público em juízo, a verdade investigativa, corre o risco de ser desmontada a partir do contraditório.
“A versão do advogado pode prevalecer a partir da desconstrução da nossa verdade. Só que a gente [MP] consegue produzir pouco na fase processual, a gente só consegue confirmar aquilo que já foi feito na fase pré-processual. Nos grandes casos o MP consegue fazer a investigação andar de alguma forma a partir de negociação de co-coordenação de trabalho”.
GRANDES OPERAÇÕES
Em relação às grandes operações, como a Lava Jato, é comum MP e polícia trabalharem juntos desde a fase de investigação. Isso ocorre, na opinião do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Rogério Schietti, porque há setores da polícia que compreendem a importância do entrosamento entre as duas instituições.
“As duas que deveriam caminhar juntas, em prol da sociedade, e não disputarem espaços corporativos que só prejudicam a qualidade da investigação”, defende.
Schietti explica que a discussão sobre os poderes e os limites de investigação do Ministério Público, que eventualmente possa assumir a condução teleológica da investigação só existe no Brasil.
Segundo ele, todos os países do mundo moderno tem o Ministério Público com essa possibilidade, trabalhando juntamente com a polícia na apuração dos crimes.
“O Ministério Público direciona o trabalho da polícia, não do ponto de vista administrativo, hierárquico, mas do ponto de vista teleológico e diz exatamente o que pretende com a investigação, porque afinal de contas, a investigação vai ser direcionada ao final para o titular da ação penal, então natural que o MP assim se comporte”, afirma e conclui:
“Tanto o Código atual, quanto o projeto que está tramitando no Congresso tem um modelo muito conservador quanto a isso, reproduz uma estrutura que é colonial, que vem da época do inquérito policial que a polícia tinha um protagonismo muito grande e que continua a ter. Ter claro o seu papel é importante para o trabalho do policial, porque ele é treinado para isso. Mas há de se compreender que o inquérito policial não é feito para a polícia, ele é feito para o Ministério Público. Ele que vai receber o material e com base nele tomar a providência que é ou o oferecimento da denúncia ou o arquivamento”.
Procurada, a Polícia Federal não quis se manifestar sobre o tema.
Comments are closed.