“Se fizerem algo comigo, cai a República”
Na última parte da entrevista, Roberto Jefferson se diz convencido de que caiu numa “armadilha” do ministro José Dirceu ao retirar sua assinatura do pedido de CPI dos Correios. A partir daí, “recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo”.
A mesma mão ele vê na orientação do trabalho investigativo da Polícia Federal. “A PF faz tudo na correria para eu chegar de cabeça baixa à Comissão de Ética.”
O deputado lança um desafio: duvida que Dirceu venha a público negar suas acusações. Rejeita a idéia de estar praticando chantagem ao não contar sua história toda de uma vez e se diz tranqüilo, apesar de tudo. “Estou muito seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu partido, lavando o rosto do meu partido, quanto à sociedade brasileira.” (RLP)
Folha – Qual é o caminho a percorrer para comprovar a prática do “mensalão” no Congresso?
Roberto Jefferson – Já tem deputada em Goiás [Raquel Silveira, licenciada, do PSDB] dizendo que foi assediada pelo líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO), [com a proposta de] R$ 1 milhão de luvas e R$ 30 mil por mês.
Isso ninguém segura. Era de conhecimento público. Eu li que o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, já ouvira falar do “mensalão”. Era uma coisa que Brasília sabia. Só que ninguém queria dizer. O meu papel foi só o de destampar a panela e tornar isso público.
Folha – O deputado Miro Teixeira (PT-RJ) confirmou ter sido procurado pelo sr., mas disse que o sr. se recusou a tornar pública a denúncia da prática do “mensalão”.
Jefferson – É um equívoco dele. Eu falei com ele quando ele era ministro. Mais de um ano atrás. Na frente dos deputados João Lyra (PTB-AL) e José Múcio.
Ele deixou o Ministério das Comunicações. Veio ser líder do governo na Câmara. Aí me chama: “Roberto, vamos colocar para fora esse “mensalão'”. Eu digo: “Vamos, mas depois de dizer ao presidente Lula, porque eu tenho certeza de que ele não sabe disso”.
Porque havia, até janeiro deste ano, um cordão sanitário em torno do presidente Lula. Nós não conseguíamos conversar com ele. Nós só chegávamos até o Zé Dirceu, ou até o Aldo Rebelo.
A primeira vez que eu pude conversar com o presidente Lula no gabinete dele despachando foi em janeiro deste ano. E quando eu disse a ele, olhando nos olhos dele, do “mensalão”, o choque dele… Eu tenho seis mandatos. Eu sou deputado federal desde o presidente Figueiredo. Eu nunca tinha ouvido falar de financiamento de bancada aliada na base pelo partido do governo. E contei isso ao presidente Lula. E vi a reação dele de perplexidade. E então as coisas pararam.
Mas o que eu estranho é que a Abin, depois que eu disse isso ao presidente Lula, parte para mandar arapongas contra o PTB. Alguém, dentro do governo, não gostou que nós passamos essa informação ao presidente Lula.
Folha – Como o sr. vê a reação do ministro Dirceu à sua entrevista?
Jefferson – Eu vejo que ele está esperando para ver como vou me colocar para ele poder se manifestar. Eu posso apostar que ele vai falar depois desta entrevista que eu dei. Eu duvido, du-vi-do, que ele negue o que eu estou dizendo.
Folha – O sr. concorda com o discurso do Planalto segundo o qual o “mensalão”, se existiu, é problema do PT e não do governo?
Jefferson – Eu acho que está certo, mas tem gente do governo metida. O ministro Aldo Rebelo, quando ainda líder do governo na Câmara, foi informado por mim do “mensalão”. Ele já sabia. É um homem digno. Tentou resolver. Conversou conosco que isso iria dar um escândalo nacional.
Quando ele fala “o governo”, está se referindo ao presidente Lula. Esse não sabia, nitidamente.
E não é o PT. Não são os deputados ou os senadores do PT. Isso eu quero deixar claro aqui. É essa cabeça do PT: Genoino, Delúbio, Silvinho Pereira, Zé Dirceu. É essa cabeça que, para não distribuir poder -porque o PT tem 20% do Congresso, mas na Esplanada tem 80% do PT-, para que isso não desse uma crise…
Esse negócio de exército mercenário, “mensalão”, começou agora, com o Genoino, o Delúbio e o Zé Dirceu. E ele se torna efetivo -eu me recordo bem da conversa do [José Carlos] Martinez comigo- em agosto de 2003. Porque havia uma grande insatisfação, não se repartia poder, não se nomeava ninguém para cargo nenhum, e eles começaram a compensar a ausência da transferência de poder.
O PT entendia, na sua cabeça, a sua cúpula, que era muito mais barato alugar um deputado do que discutir com os partidos um projeto de governo.
Folha – Como o sr. compara a reação do governo à primeira reportagem de “Veja” sobre os Correios e a exibida após suas declarações?
Jefferson – Num primeiro momento, o Zé Dirceu ficou muito hostil comigo depois do meu discurso na Câmara, quando eu assinei a CPI. Na véspera, houve reunião da Executiva do PTB para que todos os companheiros assinassem a CPI e nós devolvêssemos os cargos ao governo.
À noite, os ministros tentaram vir à minha casa: Ciro Gomes, Paulo Bernardo [Planejamento], Zé Dirceu, Aldo Rebelo. Para me demover de assinar a CPI. Eu disse: “Não vou recebê-los. Porque isso tudo foi tramado pelo governo”. Vamos para a CPI, a maneira mais clara de limpar a honra do PTB.
No dia seguinte, eu estava tomando banho, toca o interfone, a empregada aqui de casa, a Elza, manda subir os ministros Aldo Rebelo e Zé Dirceu. Quando eu saio do banho estão os dois sentados na sala da minha casa.
Eu coloquei ao Zé Dirceu tudo o que eu já disse a você na entrevista passada. Nesse ínterim, sobe um boletim da Polícia Federal, trazido pelo advogado do PTB, dizendo que o Mauricio Marinho [funcionário dos Correios flagrado em gravação recebendo propina e citando Jefferson] descredenciara a fita.
Eu falei: “Se é assim, eu não tenho nenhum problema em retirar a assinatura da CPI. Mas Zé Dirceu, vocês, que esticaram a corda até romper, me expliquem como foi essa coisa de Furnas”.
Aí ele repetiu a conversa do Chinaglia. Que recebeu pressão do Severino e do Janene, com ameaça de assinar a CPI, e que adiante eles reconduziriam o Pirandel.
Eu falei: “Mas me importa a restauração da minha honra. A “Veja” está fazendo um verdadeiro linchamento”. Ele respondeu: “Roberto, na “Veja” não tenho nenhuma ação, porque a “Veja” é tucana”. Eu falei: “Mas “O Globo” e a Globo estão repetindo o linchamento”. Ele falou: “No “Globo” eu falo por cima. Dá para segurar”.
Retirar a assinatura foi o meu maior erro. Depois que fiz isso, recrudesceu o noticiário contra o PTB. Eu entendi que foi uma armadilha do Zé Dirceu para mim. Recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo.
Folha – Viu onde e como?
Jefferson – Nas matérias que saíram na revista “Época” e no “Globo” no fim de semana seguinte. Violentamente contra mim e contra o PTB. Eu falei: “Eu errei, eu me enfraqueci ao retirar a assinatura da CPI, e o Zé Dirceu armou essa arapuca para mim”.
Foi quando disse ao Walfrido: “Vão botar tudo no colo do PTB. Toda a corrupção que tem dentro dessa estrutura de relações da cúpula do PT em algumas empresas do governo no colo do PTB”.
Eu li agora que a PF “identificou um esquema de corrupção nos Correios, no IRB e na Eletronorte”. Vão colocar no nosso colo. Vão enterrar a CPI e, enterrando a CPI, é inquérito, e o delegado da PF está agindo politicamente. Ele só vem para cima do PTB. Aliás, numa violenta ilegalidade, porque, para investigar deputado federal, tem que ser Supremo, não pode ser juiz de primeiro grau.
Todas as diligências -apreensão de documentos, prisões de pessoas, apreensões de computadores- têm sido autorizadas por juiz de primeiro grau contra o deputado federal Roberto Jefferson, quando o foro competente devia ser o Supremo Tribunal Federal.
E hoje [sexta-feira] no “Globo”, num noticiário promovido pelo governo, sai que eu mandei gravar o Marinho. Que a PF e o governo “desconfiam” que o deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, foi à Abin e pediu que um órgão de Estado filmasse o Marinho. Olha a conversa!
Eu vejo nitidamente o dedo desse segmento -Zé Dirceu, Genoino, Delúbio- para colocar esse cadáver podre no colo do PTB.
Folha – E quanto a seu amigo Henrique Brandão, dono da corretora de seguros Assurê, contra quem a PF diz ter obtido indícios?
Jefferson – É meu amigo há 30 anos, um homem honrado. E eu quero dizer uma coisa: foi o único que ajudou o PTB, da maneira possível, nas eleições municipais.
Eles querem pegar o Henrique Brandão para me atingir pessoalmente e ao meu partido como um todo. Ele não é suspeito de nenhuma irregularidade. Por que a invasão da casa dele, do escritório dele, apreensão de computador?
Eu vejo claramente que está havendo um inquérito político, e nesta semana a coisa voltou a recrudescer porque eu marquei o meu depoimento, aberto à imprensa, na Comissão de Ética, na próxima terça-feira, às 14h30. Está havendo uma correria política da PF no Ministério da Justiça para tentar enfraquecer o que eu devo dizer ao Brasil. A PF faz tudo na correria para eu chegar de cabeça baixa à Comissão de Ética.
Folha – Na entrevista que concedeu quarta-feira, Delúbio Soares o acusou de praticar chantagem. O sr. não acha que, ao não contar sua história toda de uma vez, o sr. respalda essa interpretação?
Jefferson – Em hipótese alguma. Chantagem é para ganhar dinheiro, ter contraprestação financeira. Eu falei do “mensalão” aos ministros no ano passado. Isso não é chantagem, é advertência.
É que eu acho que chegamos a um ponto em que exauriu a relação. Há companheiros no partido que pensam que podem continuar na base do governo. Eu entendo que acabou a relação.
Eu tenho de ter cuidado, porque na segunda-feira passada houve aqui em casa uma reunião da cúpula do PTB para pedir que eu renunciasse. Mas as coisas têm de ser paulatinas. Tenho de consolidar minha posição dentro do partido. Se eu tivesse renunciado, eu seria jogado aos leões na arena.
Eu pedi prazo a eles, até a reunião do Diretório Nacional [no próximo dia 17]. Eu tenho também uma disputa política interna. Um grupo que quer sair, um grupo que quer ficar. Então, não se trata de chantagem. É cautela para proteger minha posição no partido até a reunião do diretório.
Se eu falo paulatinamente não é por chantagem. É para ir mostrando como as coisas se deram. Eu sento, fico aqui pensando, tomo notas das coisas que aconteceram, tentando rememorar com clareza os fatos para não ferir a verdade e não entrar em contradição. Com toda a serenidade.
Folha – Nos últimos dias, o sr. passou a temer por sua segurança?
Jefferson – Não temo, não. Depois do que eu já disse, se fizerem alguma coisa comigo, cai a República. Creio em Deus. Rezo. E estou muito seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu partido, lavando o rosto do meu partido, quanto à sociedade brasileira. Tenho certeza de que as coisas serão diferentes a partir de agora.
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