A saída de Pedro Abramovay, que desistiu de assumir a Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas) depois de ter sido “enquadrado” por defender publicamente o fim da prisão para pequenos traficantes, expôs uma inflexão do governo Dilma em uma estratégia defendida por especialistas e que já vinha sendo desenhada na gestão anterior: o uso de penas alternativas para os pequenos traficantes, que atuam no varejo sem ligação com o crime organizado, muitas vezes para sustentar o próprio vício. A ideia é diferenciá-los dos grandes “atacadistas” da droga.
As declarações do ex-secretário ao jornal O Globo, poucos dias após ser indicado para o cargo, irritaram o governo. No dia seguinte, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, desautorizou Abramovay, dizendo que aquela era apenas uma opinião pessoal dele e que o governo defendia exatamente o oposto, penas mais rigorosas para pessoas ligadas ao tráfico.
Para Sérgio Salomão Schecaira, professor de direito penal da USP e ex-presidente do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), órgão ligado ao Ministério da Justiça, a saída de Abramovay é um mau sinal emitido pela nova administração.
“Se o governo quer um tempo maior para gestar essa ideia, sentir a reação da opinião pública, tudo bem. Agora, se o objetivo é obstaculizar definitivamente o debate, estamos indo na contramão da história”, disse Schecaira. Para ele, a prisão do pequeno traficante não ajuda no combate ao crime e só piora superlotação carcerária no país.
Schecaira se disse surpreso com a saída precoce de Abramovay e garante que sua posição não era isolada no governo. “A entrevista do secretário reflete o pensamento da gestão anterior, que incentivou a produção de pesquisas na área. Ele não tirou isso da cabeça dele”. Ele destaca que o governo aprovou em 2009 uma normativa que permite o indulto para condenados por pequenos delitos envolvendo o tráfico de entorpecentes.
“Uma dessas pesquisas mostrou que o indivíduo preso com uma pequena quantidade de drogas quase sempre só vai para a cadeia quando é pobre. Quando é um jovem de classe média é enquadrado como usuário”, disse o professor, em referência a um estudo encomendado pelo Ministério da Justiça, desenvolvido por pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da UnB (Universidade de Brasília).
Uma das coordenadoras da pesquisa, a professora Luciana Boiteaux não quis comentar a saída do secretário, mas lamentou a possível interdição do debate, “que terá de ser feito, mais cedo ou mais tarde, no Congresso Nacional”, em sua opinião. O levantamento finalizado em 2009 mostrou que mais de 60% dos presos por tráfico no Rio de Janeiro são pequenos traficantes, que agiam sozinhos ou, pelo menos, foram presos nesta situação. Além disso, a maioria dos condenados não possuía antecedentes criminais e portava pequenas quantidades de droga.
A pesquisadora critica a opção da Justiça brasileira de conceder altas penas a pequenos traficantes. “Nem os Estados Unidos fazem isso. Lá, o Ministério Público decide quem é processado ou não, faz acordo com os pequenos traficantes para pegar os grandes. Se não adotarmos uma política inteligente de combate ao tráfico, a prisão de milhares de pessoas primárias, que acabam se relacionando com o criminoso de verdade na cadeia, só vai causar maiores danos ao nosso sistema carcerário”, disse.
Despedida
Levado ao Ministério da Justiça pelo ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, Pedro Abramovay, 30, sempre foi visto como um dos quadros mais promissores no governo Lula. Foi secretário da Reforma do Judiciário, onde atuou nas negociações do segundo Pacto do Judiciário, pacote de projetos de lei para agilizar a tramitação de processos.
À frente da Secretaria de Assuntos Legislativos, estabeleceu boa relação com a academia, estimulando a produção de pesquisas no âmbito do programa Pensando o Direito. Chegou à Secretaria Nacional de Justiça depois da queda do ex-secretário Romeu Tuma Júnior.
“É uma perda significativa para os que defendem um debate mais avançado na área de política criminal. Ele tem razão ao propor essa discussão, porque o estado de superlotação do nosso sistema carcerário é uma realidade”, afirmou o pesquisador Rodrigo G. Azevedo, especialista em análise social da violência e segurança pública.
Ao lamentar a saída de Abramovay, que deve aceitar um convite para trabalhar na FGV (Fundação Getúlio Vargas), o ministro José Eduardo Cardozo qualificou o ex-secretário como um jovem “brilhante” e um dos melhores quadros do governo. Abramovay não aceitou a proposta para retornar à Secretaria de Reforma do Judiciário.
Comments are closed.