Decisão foi tomada depois que Mesa Diretora resolveu enviar representação ao Conselho de Ética
Marcelo Rocha
Da equipe do Correio
Daniel Ferreira/CB |
Roriz, ao deixar a reunião da mesa diretora do Senado, cercado por jornalistas e seguranças: último gesto no Congresso como parlamentar |
Roriz não resistiu à repercussão dos diálogos que travou, por telefone, com o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) Tarcísio Franklim de Moura, investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Distrito Federal na Operação Aquarela. Os dois foram flagrados discutindo a partilha de R$ 2,2 milhões no escritório do empresário Nenê Constantino. Faltavam poucos minutos para as 21h quando assessores do peemedebista protocolaram sua carta de renúncia na Secretaria-Geral do Senado. O documento foi lido em plenário, vazio, pelo senador Mão Santa, do PMDB do Piauí. A leitura durou nove minutos.
Em duas laudas de texto, Roriz afirmou que não receia que o gesto seja visto como “fraqueza” e se considerou um injustiçado. “Minha inocência, por mim proclamada e insistentemente repetida, não mereceu acolhida. O furor da imprensa, o açodamento de alguns, as conclusões maliciosamente colocadas lamentavelmente ecoaram mais alto.” O ex-senador se queixou de isolamento e reclamou do quorum pequeno na sessão em que foi à tribuna para se defender. “O desapreço dos senadores pelo destino do colega foi notado. Apenas doze eminentes senadores compareceram à sessão.” Roriz também atacou o corregedor da Casa, Romeu Tuma (DEM-SP), autor de declarações desfavoráveis a ele: “O corregedor (…) não se ateve às cautelas éticas impostas ao exercício da importante posição que ocupa”.
A renúncia foi definida por Roriz ainda pela manhã, quando os integrantes da Mesa Diretora, presidida por Renan Calheiros —que também é alvo de denúncias de irregularidades e enfrenta processo por quebra de decoro —, decidiram, por unanimidade, enviar a representação do PSol ao Conselho de Ética. O ex-governador do DF pediu que os colegas aguardassem a investigação do caso pela Procuradoria-Geral da República antes de enviar o caso ao conselho. Não conseguiu (leia mais na página 4).
Prazo maior
Roriz propôs ainda que a decisão sobre a representação contra ele não fosse tomada hoje e lhe concedessem um prazo de pelo menos 48 horas para que pudesse provar sua inocência. Também não foi atendido. Ao fim da reunião, o peemedebista chegou a mostrar a carta de renúncia a colegas, mas desistiu de formalizar o pedido para aguardar a notificação pelo conselho. A comunicação poderia ocorrer ontem à noite ou hoje, mas, aconselhado por aliados, ele decidiu não esperar.
Desde que teve o nome vinculado às investigações da Operação Aquarela, que apurou denúncias de desvio de dinheiro no BRB, Roriz alega que a divisão de dinheiro flagrada em grampo da polícia é legal e se trata de negócio privado. Ele afirma que recorreu a Nenê Constantino porque precisava de R$ 300 mil para quitar dívida referente à compra de um embrião de bezerra. Constantino, segundo o ex-senador, topou fazer o empréstimo, mas lhe entregou um cheque de R$ 2,2 milhões relativo à venda de fazenda para que fosse sacado, operação que ocorreu no BRB. Roriz sustenta que devolveu o troco a Constantino.
A íntegra da carta
Excelentíssimo senhor senador Renan Calheiros, digníssimo presidente da Mesa do Senado Federal, Esta é, para mim, mais uma hora — dentre inúmeras que já vivi, em que devo tomar uma grave decisão. Volto-me para o grande mistério da vida, a força da consciência, o mal ativo e o mal passivo, o mal que causamos e o mal que sofremos. E sinto que somente me pesa na consciência o mal que venho sofrendo, que tanto me tortura e procura turvar uma vida pautada na dignidade pessoal, no respeito ao meu semelhante, no resguardo da coisa pública, no profundo sentimento cristão. Minhas reminiscências somente fazem aflorar a longa jornada já percorrida, que tem como timbre minha dedicação à administração pública atestada nas grandes obras que realizei, no transcurso das quatro vezes que governei o Distrito Federal. Sinto acima de tudo que não se pode viver feliz olhando apenas para si mesmo. É preciso viver para os outros, sobretudo, os humildes, os necessitados, como opção para viver para si mesmo. É o que tenho procurado fazer por toda minha vida, buscando na gestão pública, no governo, certificar ao cidadão que os tributos que pagou receberam bom uso, diante da presença ativa do governante atento às lídimas aspirações da população. Ocupei a tribuna da Casa à qual pertenço em defesa de meu mandato político. O desapreço dos senadores pelo destino do colega foi notado. Apenas doze eminentes senadores compareceram à sessão. Por outro enfoque, lamento que o corregedor, senador Romeu Tuma, antes mesmo de o Senado Federal ser formalmente provocado a promover as apurações dos fatos veiculados na mídia, ou quiçá, de apreciar a farta documentação que franqueei a todos, pela qual ficou demonstrada cabalmente a lisura de minha conduta, não se ateve, entretanto, às cautelas éticas impostas ao exercício da importante e elevada posição que ocupa. Ao contrário, agiu despido da imprescindível serenidade, ponderação e senso de justiça, máxime ao externar um juízo de valor em detrimento da honra de seus pares, no caso, ao condenar-me publicamente pela imprensa, sem direito a uma defesa que merecesse a mesma repercussão. Minha inocência, por mim proclamada e insistentemente repetida, não mereceu acolhida. O furor da imprensa, o açodamento de alguns, as conclusões maliciosamente colocadas lamentavelmente ecoaram mais alto. Pesou apenas o propósito de destruir, neste momento, uma vida pública coroada por relevantes serviços prestados à sociedade, particularmente ao povo mais humilde do Distrito Federal. Meu alento está em que até mesmo o Ministério Público fez ressaltar que os fatos a mim imputados não guardam a mínima correlação com a malfadada Operação Aquarela. Mais que isto — nesse ponto lamento ter tido acesso aos autos apenas na data de ontem —, é importante ressaltar que esse procedimento apuratório se contrapõe às inverdades e injustiças insistente e maliciosamente divulgadas, embora sem qualquer vinculação com o objeto das apurações relativas à já mencionada Operação Aquarela. São essas as razões motivadoras do posicionamento a que sou obrigado a tomar, neste ato, tanto mais em respeito ao povo do Distrito Federal que tantas vezes me confiou seu voto. Não temo que meu gesto seja interpretado como demonstração de fraqueza. Prefiro acreditar na grandeza que se pode colher de quem vive os fatos da história. É que, às vezes, de renúncias depende a honra do cidadão, colocada em risco, não por faltas que tenha cometido, senão pela pusilanimidade de alguns e pela voracidade de interesses políticos — que não se acanham em fazer pré-julgamentos — daqueles que deveriam protegê-la sob a boa sombra das instituições criadas para assegurar o devido processo legal. A gente de Brasília, os humildes aos quais nunca faltei com meu carinho e assistência — o povo, enfim, haverá de me entender. E todos me farão justiça, compreendendo o sentido de meu gesto: disso tenho plena convicção. São essas as razões pelas quais devo comunicar a Vossa Excelência e à Mesa do Senado a minha RENÚNCIA ao mandato de Senador da República que o povo de Brasília me conferiu, fazendo-o, ainda, com fundamento no artigo 29 do Regimento Interno desta Casa Legislativa. Joaquim Domingos Roriz Senador da República |
Comments are closed.