Fonte:Correio Braziliense
Parlamentares derrubam as últimas resistências ao projeta de restrição ao comércio, apresentado pelo presidente Obama. É a proposta mais ampla dos últimos 20 anos sobre o desarmamento no país.
Com apoio bipartidário, Senado abre discussão sobre o projeto de Barack Obama para restringir comércio de armamento
Cruzes na avenida que leva à sede do Congresso (ao fundo): ativistas lembram os 3.300 mortos por armas de fogo desde a chacina de dezembro
Começou ontem no Congresso dos Estados Unidos o debate mais abrangente desde os anos 1990 sobre o controle de armas de fogo. Por 68 votos contra 31, o Senado derrubou uma tentativa da oposição republicana de obstruir a discussão sobre o projeto enviado pelo presidente Barack Obama para restringir o comércio de armas e munição. A decisão dos senadores foi considerada a primeira prova de força dos defensores da proposta, que creditaram a vitória ao apoio de manifestantes liderados por familiares de vítimas do massacre de Newtown. A chacina, na qual 26 alunos e funcionários de uma escola foram mortos a tiros, em dezembro passado, foi o episódio que motivou Obama a enviar o projeto ao Congresso.
Enquanto o Senado iniciava a tramitação, ativistas se manifestavam do lado de fora — contra e favor do controle. Em um dos atos, 3.300 cruzes foram fincadas no National Mall, entre o Capitólio e o Monumento a Washington, para representar os mortos por arma de fogo no país desde o episódio de Newtown.
O senador democrata Charles Schumer, de Nova York, lembrou o esforço dos familiares, que nos últimos dias conversaram com congressistas e visitaram gabinetes para pedir apoio à regulamentação. “Vocês falaram com o Congresso. Vocês falaram com o povo americano. Nós olhamos para os olhos de vocês e vimos sua perda”, disse o senador em uma coletiva de imprensa, ao lado de um grupo de parentes de vítimas.
O próximo passo para os senadores é iniciar oficialmente as discussões sobre a proposta de fiscalização e controle, apresentada por Obama em janeiro, mas eles devem dar prioridade ao entendimento bipartidário anunciado anteontem. O acordo defende a obrigatoriedade de verificar os antecedentes criminais e psicológicos dos candidatos a comprar armas também pela internet e em feiras, a exemplo do que já é feito nas lojas autorizadas. Apesar de abrir caminho para a adoção de uma legislação mais restritiva, a votação de ontem não representa garantia de que as proposições serão aceitas, ou de que uma decisão será tomada em breve. Ao contrário, analistas especulam que o debate pode se arrastar por um longo período.
A maioria democrata no Senado sofreu duas “traições” na votação inicial, mas elas foram compensadas com folga pela adesão de 16 republicanos. Entre os “desertores” da oposição estão três políticos considerados influentes no partido: Kelly Ayotte, Lindsey Graham e John McCain, candidato à Casa Branca em 2008. No último domingo, em entrevista ao canal CBS, McCain pediu aos correligionários que não impedissem o debate. A disposição para o diálogo pode ser entendida como uma tentativa dos republicanos de recuperar o apoio eleitoral que vêm perdendo para candidatos mais liberais, argumenta David Fleischer, cientista político americano e professor da Universidade de Brasília (UnB). “Eles têm tentado implementar algumas mudanças, até lançaram uma proposta bastante liberal sobre a questão da imigração. O que querem é recuperar o terreno perdido na eleição passada, e é bom lembrar que de dois em dois anos há eleição para o Senado”, observa Fleischer.
Comemorando a vitória inicial, Schumer aproveitou para falar sobre a influência da poderosa Associação Nacional do Rifle (NRA, em inglês), o lobby que representa proprietários, comerciantes e fabricantes de armas. “Com o voto de hoje, estamos virando uma página. Contra o domínio da NRA, estamos virando a página pelo que é certo para os americanos”, afirmou a jornalistas. Entre os pontos incluídos na proposta do presidente estão a limitação do tamanho dos pentes de munição para armas de alta capacidade e a proibição da venda de fuzis de assalto — como o AK-47 e o AR-15. Para alguns especialistas, o projeto tem pouca chance de aprovação em sua versão original, por conter medidas consideradas radicais. “Se forem retirados os pontos mais controversos, especialmente os que contêm a palavra “proibição”, podemos dizer que há uma possibilidade de aprovação”, opina Jennifer Dawn Carlson, professora da Universidade de Toronto e estudiosa do tema.
Vocês falaram com o Congresso. Vocês falaram com o povo americano. Nós olhamos para os olhos de vocês e vimos sua perda”
Charles Schumer, senador por Nova York, dirigindo-se a familiares de vítimas do massacre de Newtown
Se forem retirados os pontos mais controversos, especialmente os que contêm a palavra “proibição”, podemos dizer que há uma possibilidade de aprovação”
Jennifer Dawn Carlson, professora da Universidade de Toronto
Três perguntas para
David Fleischer ,
cientista político e professor da UnB
A votação de ontem é uma indicação de que a proposta do presidente Obama tem chances de ser aprovada?
Não acho que indique isso, porque a oposição a ela é muito forte. A NRA tem muito dinheiro e influência para tentar bloquear as tentativas de avanço. Também existem os irmãos Koch, bilionários do petróleo, que estão investindo milhões de dólares para que os conservadores mantenham a maioria na Câmara e recuperem a maioria no Senado, no ano que vem. Então, tem muito dinheiro correndo nessa discussão e os conservadores pretendem barrar a fiscalização e os limites propostos.
A proposta em discussão fere a Segunda Emenda à Constituição?
Os constituintes americanos aprovaram essa emenda em 1791. Naquela época, era muito importante que os americanos tivessem armas em casa, caso os ingleses invadissem o país, ou para se defenderem de índios, ursos e lobos. Mas a emenda não foi impedimento, em 1994, quando o Congresso aprovou uma restrição forte sobre o uso de armas de assalto, pelo prazo de 10 anos. Nos anos 2000, o Congresso não quis renovar essa medida. Se essa nova proposta for aprovada, os grupos conservadores certamente vão ao Supremo reclamar que ela viola a Segunda Emenda. Como o Supremo americano anda muito conservador, não podemos descartar a possibilidade de os juízes derrubarem a proposta, baseados nesse argumento.
A proposta de Obama é muito radical?
Não, não acho isso. Em parte, ela repete o que foi votado em 1994. Radical seria proibir a venda de qualquer arma, a não ser com licença especial concedida pela polícia ou por algum tribunal. O problema americano não é o revólver: é ver rifles de assalto caírem nas mãos de malucos, de terroristas ou do crime organizado. E parte do problema é que essas armas são muito exportadas, para o México, para o Brasil, para a Colômbia… Mas se limitassem tanto a venda, a indústria das armas ia chiar muito.
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