As recentes operações Polícia Federal são mais eficazes como um show que atende a setores da mídia sensacionalista do que no combate ao crime. “Numa operação que acontece num escritório, onde a polícia sabe que não tem ninguém armado e chega com um aparato bélico gigantesco, só podemos achar que isso se presta ao show e não à operação em si”.
Essa é a opinião de Luiz Flávio Borges D´Urso, presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, em entrevista à equipe da Consultor Jurídico, na redação da revista.
Para D´Urso, as operações podem ter um sentido político. “Existe uma mensagem que é passada nessas operações: o governo não admite corrupção, o governo reage de forma eficaz. Todavia, estamos verificando que não precisaria desta megaoperação, bastaria o governo olhar dentro dos seus quadros”, afirma.
O presidente da OAB de São Paulo reconhece que há casos em que advogados são usados para acobertar crimes de seus clientes, se tornam cúmplices, mas afirma que essa é uma fatia ínfima da classe. Segundo ele, um levantamento feito no começo de sua gestão à frente da Ordem, mostrou que havia 17 mil processos disciplinares contra advogados no estado.
“Nesses 17 mil processos, havia apenas 3 mil advogados envolvidos. Temos em São Paulo cerca de 250 mil advogados. Então estamos falando de 1% do total que se envolveu em problemas disciplinares”. Ele ressalta que o número inclui aqueles que atrasaram a devolução de um processo, fato considerado infração disciplinar.
Por isso, D´Urso defende a reforma do Código de Ética da OAB: “Eu não concebo que um advogado que atrasou uma semana na entrega de um processo seja punido pelo Tribunal de Ética, quando o juiz e o promotor ficam com um processo pelo tempo que quiserem, às vezes sem dar satisfação nenhuma”.
Na entrevista – da qual também participaram o diretor de redação da ConJur Márcio Chaer e o editor executivo Maurício Cardoso – o presidente da OAB paulista discorreu sobre a qualidade de ensino nas faculdades de Direito, o alto índice de reprovação no Exame de Ordem e defendeu a presença obrigatória de advogados nos Juizados Especiais.
Leia a entrevista
Conjur – A invasão de escritórios é a principal preocupação da advocacia atualmente. Quantos escritórios foram invadidos nos últimos tempos em São Paulo?
D'Urso – Pelos nossos cálculos foram 15. Primeiro foi aquela tentativa de violação no escritório Demarest e Almeida. O objetivo era o presidente do Banco Central, não tinha nada contra o escritório. Mas o Ministério Público pediu que entregássemos o cadastro de todos os advogados do escritório. O caso foi encerrado porque o ministro Marco Aurélio indeferiu o pedido. E, agora, no escritório do Luiz Olavo Baptista, professor titular da USP, profissional renomado, de repente, por causa de um cliente, a Schincariol, ele é envolvido nessa operação, e tem também o escritório violado, os arquivos levados.
Conjur – Quais são os limites e os critérios que devem ser adotados nessas circunstâncias?
D'Urso – Precisa haver um equilíbrio. Para oferecer uma resistência ao poder do Estado, o legislador dota o cidadão de alguma proteção. Isto está no artigo 5º da Constituição, que estabelece as garantias individuais. A Constituição estabelece também a situação do advogado como um ente indispensável à administração da Justiça e traz sua inviolabilidade. O Estatuto da Advocacia estabelece a inviolabilidade dos escritórios, arquivos, dados, e comunicação do advogado.
Conjur – Mas a inviolabilidade não é absoluta.
D'Urso – Não, a inviolabilidade não é absoluta, mas deve ser vista como a regra que comporta a exceção. A exceção ocorre quando o advogado é alvo de investigação. Nesse caso, e havendo um mínimo necessário de motivação para o pedido, que se vá ao escritório buscar algo numa medida de exceção, que é a busca e a apreensão. Esse pedido é judicial. Se faz a um juiz que deve apreciar algo indispensável no sistema, a justa causa. Se não houver um embasamento legal para a exceção, o juiz deve indeferir. Medidas de exceção devem ser circunstanciadas, não podem ser genéricas. Então a ordem, quando é contra um advogado, é para que se vá ao escritório dele, buscar e apreender algo definido, aquele documento, aquele objeto.
Conjur – Os recentes mandados não estão bem fundamentados?
D'Urso – O que estamos assistindo hoje é uma situação completamente diversa disto, porque os requerimentos que vem da Policia Federal ou do Ministério Publico pedem a busca e a apreensão num escritório de advocacia, cujo titular ou cujos advogados não são alvos de investigação. São mandatos de busca e apreensão deferidos genericamente, para se apreender tudo o que se possa interessar na investigação. Na hora de cumprir levam tudo, levam todos os computadores, todos os arquivos. Isso traz conseqüência. A primeira delas é que o escritório pára, não tem como trabalhar. Segundo, traz dano à imagem do escritório para seus clientes e eventuais futuros clientes. Terceiro é a quebra do sigilo, não apenas daquele cliente, mas também de todos os demais, porque na hora que levam tudo, está tudo devassado. E quarto ponto, que é o eixo de tudo, é que esta busca, ao levar documento de cliente do arquivo do escritório, viola toda a estrutura de equilíbrio que o sistema traz. Não é por que temos ordem judicial para uma operação como essa que ela passa a ser legal, muito menos legítima. Um exemplo clássico disto é que houve um tempo em que, por ordem judicial, se prendiam e queimavam judeus. Nem por isso aquela ordem judicial era legítima.
Conjur – Não é perigoso levar isso ao Conselho Nacional de Justiça? E se o CNJ legitimar ou validar as invasões?
D'Urso – O Conselho Nacional de Justiça representa um órgão novo que tem não apenas a finalidade de traçar políticas públicas para a Justiça. É também um organismo máximo disciplinar. Temos de apelar a esse aspecto para limitar a conduta de alguns juízes que, ao conceder ordens desta forma, sem justa causa, ao arrepio da lei, precisam de alguma forma responder por isso. Eu vejo um caminho mais à frente, que é exatamente a lei que criminaliza a violação das prerrogativas. Flagrantemente, essas operações violam prerrogativas profissionais. Se nós tivermos aprovado esta lei, passamos então a responsabilizar pessoalmente a autoridade que determina e a que cumpre uma diligência como essa.
Conjur – A Polícia Federal consultou a OAB em cada um desses casos?
D'Urso – Quando as operações começaram a Polícia Federal me pediu para destacar alguém da Ordem para acompanhar as diligências. Eu perguntei em qual escritório seria feita a diligência. Não podiam revelar. Contra qual advogado? Não podiam revelar. Qual era a investigação? Não podiam revelar. Se o alvo da investigação era um advogado ou seu cliente? Não podiam revelar. Isso cria uma dificuldade e corremos o risco de o representante da Ordem estar ali legitimando uma operação, que pode ser totalmente ilegal. Então levei o assunto ao Conselho, que determinou que não mandaríamos representantes da Ordem para acompanhar diligências que visavam invadir escritórios de advocacia.
Conjur – Nem todas as ordens de invasão vêm do estado onde ela está acontecendo, não é?
D'Urso – As ordens judiciais para invadir escritórios em São Paulo, na grande maioria, não são do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. São de tribunais de outros estados que, ao determinar estas diligências, violam o principio de jurisdição e de competência, já que não são expedidas cartas precatórias para serem cumpridas aqui. Então, emitem a ordem e organizam a operação policial em outro estado, viajam para cá, invadem o escritório, recolhem tudo e voltam para o estado de origem. Aí estipulam uma data para um advogado comparecer na abertura das caixas. Ou seja, tudo irregular.
Conjur – Existe um movimento no sentido de responsabilizar o ministro da Justiça pelas invasões dos escritórios?
D'Urso – Reunimos todas as lideranças em São Paulo com o ministro da Justiça. Ele se mostrou sensível, afinal, é um ex-presidente da Ordem, advogado criminal, sente como nós, ou pelo menos sentia. A reação dele foi de sensibilidade e solidariedade, afirmando que iria regrar a forma das diligências para que não se cometessem excessos.
Conjur – Quem se nega a cumprir uma diligência não está cometendo um ato ilícito?
D'Urso – Existe dispositivo na lei que isenta o agente público de responsabilidade para não cumprir ordem manifestamente ilegal. Então, se o coronel mandar o sargento matar alguém, é uma ordem manifestamente ilegal, o sargento pode se recusar a cumprir.
Conjur – O que mais o preocupa nessas operações?
D'Urso – Me preocupa, como advogado criminal, a forma como essas operações têm sido feitas e divulgadas. Me assusta que uma operação do Estado, que tem como alvo um crime de sonegação fiscal, mobilize uma máquina tão gigantesca, quando na verdade esta questão é exclusivamente de tributo. Essa operação (Operação Cevada) em si não é para prender as pessoas, para puní-las, já que não temos uma sentença definitiva. Quando a prisão vem depois de uma sentença definitiva, é para punir. Toda prisão que antecipa a sentença definitiva é uma prisão processual, para interesse da investigação. A questão é: precisa-se prender neste tipo de investigação? A prisão é indispensável para o processo? Esse é o problema.
Conjur – O senhor diria que as operações têm fins políticos?
D' Urso – Como professor de Direito Penal e advogado criminalista eu rejeito o campo criminal na esfera tributária. Questiono que o Estado reaja diante de alguém que não lhe pagou o tributo usando o campo penal para tentar coibir aquele indivíduo a pagar o que deve. Este é um instrumento muito poderoso, quando o Estado tem outros. Deve ser sempre lembrada a idéia de que o Direito Penal é o último esteio que o Estado tem pra reagir a algo que ele quer impedir. Nesta linha, o Estado tem mecanismos para reagir e para alcançar o eventual tributo que não lhe foi pago. Você tem a penhora, tem o arresto, tem mecanismos que podem até fechar uma empresa. Eu reajo a isso como advogado criminal. Nem todos que devem tributos são criminosos. No Brasil você tem que fazer uma distinção entre o inadimplente e o sonegador. O inadimplente é aquele que quer pagar e não pode. O sonegador é aquele que pode e não quer pagar. A lei não os distingue. Devendo o tributo, todos serão tratados como sonegadores, portanto, como criminosos.
Conjur – No ápice do escândalo do mensalão, você diria que a intenção da Operação Cevada é política, para abafar outros escândalos?
D'Urso – Olha, a Polícia Federal cresceu em ação, em equipamento. O que me preocupa são as ações que estão fora dos limites. A megaoperação pode existir, mas não pode ter uma roupagem de show. Quando você vai prender uma criatura, que concorda em ser preso, não há porque algemá-la. A algema é um instrumento de contenção, quando existe resistência. A algema é um símbolo e o seu uso indiscriminado faz parte do show. Numa operação que acontece num escritório, onde a polícia sabe que não tem ninguém armado e chega com um aparato bélico gigantesco, só podemos achar que isso se presta ao show e não à operação em si.
ConJur – O show tem um sentido político?
D'Urso – Eu acho que o show atende a vários segmentos. Atende a uma ânsia da população. Tem uma finalidade também de mostrar uma grande organização policial, um aparelhamento policial. Atende também setores da mídia sensacionalista. Tem uma finalidade política? Pode ter. Existe uma mensagem que é passada nessas operações: o governo não admite corrupção, o governo reage de forma eficaz. Todavia, estamos verificando que não precisaria desta megaoperação, bastaria o governo olhar dentro dos seus quadros.
Conjur – Mas há casos em que existem advogados envolvidos também, acobertando clientes. O que o senhor diz disso?
D'Urso – Quando eu assumi a presidência da Ordem, estavam correndo 17 mil processos disciplinares contra advogados, em São Paulo. Nesses 17 mil processos, havia apenas 3 mil advogados envolvidos. Temos em São Paulo cerca de 250 mil advogados. Então estamos falando de 1% do total que se envolveu em problemas disciplinares. Esse dado inclui tanto os que se atrasaram na devolução de um processo como aqueles que deixaram de ser advogados e se transformaram em comparsas, esses que compram sentenças, que traficam droga, que formam com o crime organizado. Esse grupo é 1% e nós temos, conseqüentemente, aproximadamente 99% de gente séria, trabalhadora, honesta, que observa a ética.
Conjur – O Código de Ética precisa ser reformado?
D' Urso – Precisamos reabrir a discussão do Código de Ética. Eu não concebo que um advogado que atrasou uma semana na entrega de um processo seja punido pelo Tribunal de Ética, quando o juiz e o promotor ficam com um processo pelo tempo que quiserem, às vezes sem dar satisfação nenhuma. Que infração ética tem em atrasar na devolução de um processo, diante dessa realidade que nós temos aí? Não vejo.
Conjur – O Código, de certa forma, proíbe o advogado de dar entrevistas. Ele não pode falar sobre o caso que está patrocinando. Isso não vai contra o artigo 5º da Constituição, que prevê o direito a informação da sociedade e a liberdade de expressão?
D' Urso – Para informar sobre o caso em si, ele está liberado, não há problema ético. O que ele não pode fazer é usar como propaganda, objetivando captação de clientela. O Código proíbe que o advogado dê entrevistas avaliando casos concretos. Em primeiro lugar por proteção de mercado. Além disso, se tem o cuidado, para preservar a classe, de impedir que um advogado se manifeste numa causa onde outro advogado já esteja atuando.
Conjur – Neste caso não se coloca o interesse individual do advogado acima do interesse público? Afinal, todo mundo se interessa por uma segunda opinião?
D'Urso – É diferente, porque quando você escolhe um profissional, deve existir uma premissa de confiança. A escolha do caminho jurídico da causa é do advogado, não é do cliente. O advogado tem de ter a liberdade de escolher por onde vai. No momento que você proíbe que outro advogado se manifeste sobre aquela causa é exatamente para preservar esta confiança que o cliente deposita no seu advogado, sob pena de conturbar esta relação. Portanto, isso não é apenas para preservar o advogado, é para preservar o cliente e sua defesa.
Conjur – Para o senhor, essa regra atende mais a conveniência do cliente do que a do advogado?
D'Urso – Eu acho que é uma regra que harmoniza esta relação. Mesmo tendo uma vedação, na prática acontece de o cliente ir a outro profissional, sem revelar que já tem um advogado. Ele extrai uma orientação e depois começa a questionar a orientação do advogado que está conduzindo o caso.
Conjur – O senhor defende que se preserve a independência do advogado, mas falou que o Estado deveria interferir na independência jurisdicional do juiz, estabelecendo limites ou restringindo a ordem de busca e apreensão.
D'Urso – O juiz tem total liberdade e independência para decidir, dentro da lei. Ele pode dizer: concedo ou não concedo. Não há nenhuma possibilidade de se restringir a independência do juiz, ele tem a liberdade dentro da lei, como o advogado também.
Conjur – Um recurso em outra instância não resolveria o problema do juiz que age em desacordo com a lei?
D'Urso – Se nós tivéssemos rapidez no sistema, talvez. Mas o sistema é lento e aí o recurso se apresenta ineficaz. As ordens de busca e apreensão num escritório de advocacia, geralmente, são de processos que estão sob segredo de Justiça, inclusive de forma ilegal, impedindo que os próprios advogados, com procuração nos autos, que têm direito por lei a ter acesso, não consigam ver os processos. O advogado só tem ciência daquela operação na hora em que ela está acontecendo. Não há tempo para buscar uma liminar para impedir esta violência.
Conjur – Os policiais da Operação Cevada chegaram junto com a imprensa nos escritórios e na casa dos dirigentes da Schincariol. Isso é normal?
D'Urso – Isso, como regra, tem acontecido.
Conjur – A Schinchariol chegou a emitir nota reclamando que a imprensa teve acesso aos autos da operação, mas os próprios advogados da empresa não tiveram.
D'Urso – Um advogado foi ao Rio de Janeiro tentar um Habeas Corpus para os dois advogados que foram presos em Sorocaba (interior de São Paulo). Ele me ligou de lá dizendo que não conseguia instruir o Habeas Corpus porque não lhe davam acesso aos autos. O HC foi indeferido, pois carecia dos documentos indispensáveis. É um absurdo porque essa regra lastimável, esse segredo de Justiça, é ilegal. O que existe é o artigo do Código do Processo Penal, que fala do sigilo das diligências. É necessário que a operação seja sigilosa, senão perde o efeito. No caso de processo, está previsto em lei o sigilo de Justiça que pode ser decretado pelo juiz para impedir que terceiros tenham acesso. Nesse caso, quem pode ter acesso é o Ministério Publico, o juiz e o advogado legalmente constituído, aquele que tem procuração. E como é que está funcionando hoje? Tem inquérito com segredo de Justiça também para o advogado constituído. Qual é o fundamento legal de tudo isso? Não existe.
Conjur – E qual é a posição da OAB paulista diante dessas situações?
D'Urso – A OAB e os advogados, em hipótese alguma, pretendem impedir investigação. A idéia é que todos os crimes sejam investigados e que as pessoas que tenham responsabilidades sejam punidas. Mesmo que um suposto autor seja advogado, a classe tem interesse nessa apuração. E se ele for o culpado, vai ser responsabilizado dentro da Ordem, pelo Tribunal de Ética, e fora dela, pela Justiça. Nós nos insurgimos justamente contra violações.
Qualidade do ensino
Conjur – Falando agora da qualidade do ensino nas faculdades de Direito. Um caso que chama atenção é o resultado deste último Exame de Ordem, com o pior índice de aprovação da história da prova.
D'Urso – O quadro é visto pela Ordem com tristeza e preocupação. O Exame de Ordem nasceu em 1974 porque àquela época já se verificavam problemas na qualidade do ensino jurídico. Foi um mecanismo que a Ordem criou para proteger a classe e, conseqüentemente, proteger o cliente, o cidadão. Por esse exame se verifica se determinado bacharel tem as condições mínimas para ingressar no mercado de trabalho. No dia seguinte da conquista de sua carteira da Ordem, ele já pode defender desde uma causa na primeira instância até fazer uma sustentação no Supremo Tribunal Federal. Está habilitado a advogar plenamente e terá em suas mãos o patrimônio, a honra, a liberdade, a vida do seu cliente.
Conjur – Ouvimos algumas pessoas reclamarem da dificuldade da prova. Ela é realmente muito difícil?
D'Urso – O Exame de Ordem não tem vagas determinadas. Ele pode aprovar 100% dos candidatos. Não é um exame que tem pegadinha. É um exame criterioso, que exige, na primeira fase, em perguntas tipo teste, que o candidato acerte pelo menos 46 das 100 questões. A segunda fase é mais difícil. Diante de um problema real, um caso concreto, o candidato, como se estivesse em seu escritório, mediante consulta, tem de direcionar qual a ação, qual a medida que ele vai adotar e redigir a peça inicial desta medida. Este é um pedaço do exame. O outro pedaço são quatro questões objetivas.
Conjur – Então, não há problemas.
D'Urso – O exame tem alguns problemas. O primeiro deles é que é feito por pessoas, por criaturas humanas que podem errar, podem trazer uma pergunta que tenha dupla interpretação, mal formulada. Quando a Ordem detecta estes erros, ela anula a questão, para que ninguém saia prejudicado. A idéia não é prejudicar ninguém, é avaliar.
Conjur -Pode haver muita variação de correção de professor para professor? Qual é a parte mais importante desta prova?
D'Urso – A segunda etapa tem um caráter mais subjetivo. Para se verificar a propriedade de uma peça, a redação, a argumentação, a fundamentação, entra um critério de subjetividade. Por mais que você tenha uma diretriz, há pequenas variações de avaliação dependendo do professor que corrige a prova. Se queremos ter uma peça prática, vamos ter que aprender a trabalhar com esta subjetividade.
Conjur – A OAB pretende reduzir essa subjetividade?
D'Urso – Para restringir este leque de subjetividade na correção da segunda fase fizemos uma pequena alteração. Antes, a peça prática valia oito pontos e as quatro perguntas teóricas meio ponto cada uma. Se o indivíduo acertasse as quatro perguntas ele tinha dois pontos e precisava de mais quatro na peça prática, porque a nota para aprovação é seis. Portanto, o grau de subjetividade era gigantesco. As perguntas, no âmbito da avaliação, são muito importantes, pois por meio das respostas verifica-se se aquele candidato sabe consultar e responder adequadamente. A nossa gestão fez uma alteração para valorizar as perguntas e diminuir o grau de subjetividade na correção da peça, atribuindo um ponto para cada pergunta e seis pontos para a peça.
Conjur – Então o senhor diria que a prova não é difícil. Os alunos é que estão despreparados?
D'Urso – Os índices de reprovação revelam um problema na qualidade de ensino. Agora, não são todos os reprovados que não estão preparados para ingressar no mercado de trabalho. Há uma parcela que teve que enfrentar um tema na prova que não dominava. Não é que ele não esteja preparado, não é que a qualidade do ensino foi ruim, é que naquele caso específico ele não teve sorte, não foi bem naquela prova. E há uma parcela dos alunos que fica prejudicada pelo nervosismo. Isso faz parte de um processo, do mito de que o Exame de Ordem é para reprovar, para fazer pegadinha, coisa que interessa ao mercado que explora a preparação ao exame. Por conta disso, nós colocamos a idéia do treineiro, para enfrentar essa dificuldade das pessoas que ficavam nervosas. Essa iniciativa foi apoiada pelo Brasil inteiro, pelos estudantes e pelos diretores acadêmicos. Mas o Conselho Federal interpretou que estaríamos autorizando estudantes de Direito a prestar Exame de Ordem e cassou a figura do treineiro.
Conjur – O que ranking das escolas significa para o mercado? As escolas públicas estão desaparecendo e as chamadas fábricas de diplomas tendem a dominar o mercado. Qual é a sua avaliação?
D'Urso – Nós estamos com, mais ou menos, 800 faculdades de Direito. É muito? Se comparado com os Estados Unidos, que tem 170, é muito. Agora, é ruim ter 800 faculdades de Direito no país? Considero que não, desde que as 800 preparassem bem os profissionais e tivessem compromisso com o ensino. Isso significa uma elevação do conceito geral da população, que têm acesso ao nível superior numa área importante. Trata-se de uma área que não despeja só advogados no mercado, só carreiras jurídicas, mas é uma área complementar de muitas outras. Se essas faculdades todas preparassem bem, a quantidade não seria problema. Mas isso não retrata a verdade, muitas delas não preparam bem.
Conjur – O que a Ordem pode fazer em relação a isso?
D'Urso – O mínimo que a faculdade precisa ter é uma sede, uma biblioteca e um corpo docente qualificado. Então, nós dividimos em as faculdades três blocos. As que não oferecem condições mínimas, conseqüentemente não têm compromisso com o ensino, precisam ser fechadas. Mesmo sendo autorizadas pelo MEC, a nossa luta é para fechá-las. Aí você tem outro bloco, que são as faculdades que têm compromisso com o ensino, têm uma boa instalação, têm biblioteca, professores titulares que dão aula e têm uma grade curricular adequada, mas chega o Exame de Ordem e o estudante não passa. Estas nós queremos ajudar. Vamos chamá-las para dialogar, para ver o que esta acontecendo, se é a carga horária, se é a exigência, enfim, vamos diagnosticar qual é o problema e vamos ajudar a solucionar. E tem o terceiro bloco que são as faculdades que, tradicionalmente, sempre aprovam bem, e que podem, inclusive, servir de modelo para as outras.
Sobre os autores
Maria Fernanda Erdelyi: é repórter da Revista Consultor Jurídico.
Rodrigo Haidar: é editor da revista Consultor Jurídico
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